Espécies invasoras causam prejuízos anuais equivalentes à economia de um país

Relatório do IPBES avança que as invasões biológicas são grande ameaça à biodiversidade e contribuem para 60% das extinções de espécies no mundo. O prejuízo anual é bem superior ao PIB de Portugal.

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Casco de um navio coberto de mexilhões: esta é uma via para a introdução de espécies exóticas A_Lesik/Shutterstock
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As espécies invasoras introduzidas num ecossistema por acção humana causaram prejuízos anuais no valor de 423 milhares de milhões de dólares (390 milhares de milhões de euros) a nível mundial em 2019. É um pouco a mais do que se prevê que seja o valor do Produto Interno Bruto (PIB) da África do Sul em 2023 ou, se preferirmos, bastante acima do PIB de Portugal que, em 2022, chegou aos 239.000 milhões de euros. E a previsão dos cientistas da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços do Ecossistema (IPBES) que elaboraram o relatório sobre espécies invasoras, divulgado nesta segunda-feira, é que a situação continue a agravar-se.

“O valor dos custos está muito subestimado. Os problemas que as espécies invasoras causam ao nível da segurança alimentar, e da saúde, por exemplo com as doenças transmitidas por mosquitos, são enormes. O verdadeiro valor deve ser da ordem dos milhões de milhões de dólares”, disse Martin A. Nuñez, da Universidade de Houston (Estados Unidos), na conferência de imprensa de apresentação do relatório, transmitida pela Internet.

Já foram introduzidas em novas regiões mais de 37 mil espécies exóticas através de actividades humanas, diz o sumário para decisores políticos do relatório produzido por esta entidade, que pode ser definida como o equivalente, para a biodiversidade, do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC).

A acção humana pode resultar do comércio internacional, da navegação, que leva uma alga, um micróbio ou um mosquito na carga, ou simplesmente ser uma pessoa que leva um animal de estimação de um país para outro. Ou alguém que leva sementes de uma planta da América para a Europa, por exemplo, por achá-la bonita.

Ou então, o que é frequente, as espécies foram introduzidas propositadamente, na convicção de que poderiam ser benéficas para o homem de alguma maneira, mas tiveram efeitos imprevistos. É assim que 35% dos peixes exóticos na bacia do Mediterrâneo são provenientes da aquacultura.

Das 37 mil espécies exóticas identificadas, mais de 3500 podem ser classificadas como invasoras, por serem nocivas para a natureza do local onde foram introduzidas, para as contribuições da natureza para os humanos e a para a qualidade de vida. São 1061 plantas, 1852 invertebrados, 461 vertebrados e 141 micróbios.

As espécies invasoras podem ser muito destrutivas: contribuíram para 60% das extinções de espécies ao nível global que estão registadas, conclui o relatório, que foi elaborado ao longo de quatro anos, por 86 peritos de 49 países.

Nem todas as espécies exóticas, no entanto, se tornam invasoras – para isso, têm de ter impactos negativos na natureza e nas pessoas: sabe-se que 6% das plantas exóticas, 22% dos invertebrados, 14% dos vertebrados e 11 dos micróbios introduzidos noutros ecossistemas se tornam invasores, criando riscos para o ecossistema e a população humana, diz o relatório.

“As espécies invasoras são uma grande ameaça para a biodiversidade e podem causar danos irreversíveis à natureza, incluindo extinções de espécies locais e globais, e também ameaçam o bem-estar humano”, disse Helen Roy, do Centro para a Ecologia e Hidrologia do Reino Unido, co-secretária do relatório do IPBES agora divulgada.

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Rio coberto com jacintos-de-água, a espécie invasora mais espalhada pelo mundo Robert Spaull

A acelerar desde 1970

Apesar do valor dos estragos causados pela disseminação de espécies invasoras terem quadruplicado a cada década desde 1970, e 37% de todas as espécies exóticas conhecidas terem sido detectadas desde o mesmo ano, muitas vezes este problema é frequentemente ignorado até ser tarde demais, e os ecossistemas terem já sofrido grandes danos.

A maior parte dos países, 156 em 196, têm metas para a gestão de invasões biológicas no âmbito das suas estratégias nacionais e planos de acção para a biodiversidade. “Mas há ainda uma lacuna considerável entre o desenvolvimento e adopção de políticas para as espécies invasoras e passá-las à prática”, sublinha o relatório.

Na verdade, “83% dos países não tem legislação ou regulamentação nacional específica para as espécies invasoras”, notam os cientistas do IPBES. Na verdade, 45% de todos os países não investem nada na gestão das invasões biológicas.

A Comissão Europeia decidiu em Janeiro avançar com uma acção contra Portugal junto do Tribunal de Justiça da UE devido à deficiente aplicação de medidas de prevenção e gestão da introdução e propagação de espécies exóticas invasoras. Em causa está o incumprimento das medidas de defesa da biodiversidade face às espécies invasoras (Regulamento Espécies Exóticas Invasoras ou Regulamento) incluídas numa lista da União Europeia.

As espécies invasoras, porém, têm sido o motor de muitas extinções. “Foram um dos principais factores em 60% das extinções e o único factor nas extinções de animais e plantas a nível global que foram registadas. Pelo menos 218 espécies invasoras foram responsáveis por mais de 1200 extinções a nível local”, disse Anibal Pauchard, professor de Ciências Florestais na Universidade de Concepción, no Chile, e outro dos co-secretários do relatório sobre espécies invasoras do IPBES.

Alterar ecossistemas

É muito frequente que o impacto de invasões biológicas seja negativo para as espécies nativas, disse Pauchard, citado num comunicado de imprensa. Um exemplo disso é a forma como no Noroeste da Europa (Reino Unido, Irlanda, Dinamarca, por exemplo) a árvore espruce-de-sitka (Picea sitchensis) altera pântanos e charnecas costeiras, que são habitats importantes para plantas e aves ameaçadas, entre outras espécies, sublinha o relatório.

Um dos grandes impactos das espécies invasoras surge quando as comunidades biológicas perdem a sua singularidade, tornando-se cada vez mais homogéneas, parecidas umas com as outras, sublinha a avaliação do IPBES.

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Javalis são uma espécie invasora muito espalhada Budimir Jevtic/Shutterstock

O impacto das espécies invasoras pode ainda fazer-se sentir sobre a qualidade de vida dos seres humanos – por exemplo, através da introdução de novas doenças. É o caso da malária, Zika e Febre do Nilo Ocidental, que são transmitidas por espécies exóticas de mosquitos como o Aedes albopictus e o Aedes aegyptii, por exemplo na Europa. Ou os jacintos-de-água (Pontederia crassipes) que, entre outros casos, afectaram a pesca no lago Victoria, partilhado entre o Quénia, Uganda e Tanzânia.

O relatório conclui que as Américas e a Europa são os continentes mais afectados por invasões biológicas: 34% de impactos reportados nas Américas, 31% na Europa e Ásia Central, 25% da Ásia-Pacífico e cerca de 7% de África. É em terra firme que o problema é mais sentido (75% dos alertas), sobretudo em florestas e áreas cultivadas. Linhas de água doce contabilizam 14% dos impactos das espécies invasoras, e os habitas marinhos 10%.

Um exemplo de espécie invasora é o da joaninha-asiática: nativa da Ásia, foi artificialmente introduzida na América do Norte e Europa para controlar pulgões. Mas já chegou também a África e América do Sul. “É extremamente voraz, come vários tipos de insectos e também as joaninhas nativas. Em todos os locais onde foi introduzida, as populações de joaninhas locais diminuíram”, explicou Sven Bacher, da Universidade de Friburgo, um dos autores do sumário para decisores políticos.

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Joaninha-asiática: nativa da Ásia, foi artificialmente introduzida na América do Norte e Europa para controlar pulgões. Já chegou também a África e América do Sul Helen Photos

Nas ilhas, no entanto, é onde estas invasões são mais danosas. Em mais de 25% de todas as ilhas, o número de plantas exóticas é hoje maior do que o de plantas nativas.

Vai piorar

Não se prevê que o futuro próximo traga boas notícias. “Se 37% das 37 mil espécies exóticas que hoje são conhecidas foram identificadas desde 1970 – em grande parte devido ao aumento do comércio global e das viagens –, se as condições não se alterarem [business as usual], projectamos que o número total continue a aumentar da mesma forma”, explicou Helen Roy.

Mas este cenário de business as usual é, na verdade, pouco provável. “Há tantos factores de mudança que se prevê que se agravem, que se espera que será significativamente maior o impacto das espécies invasoras e dos seus impactos negativos”, disse a cientista britânica. Prevê-se que o número de espécies invasoras possa aumentar 36% até 2050, em comparação com 2005.

Outros factores que têm impactos negativos na biodiversidade e na sobrevivência das espécies, além das invasoras, são os usos da terra e do mar, a exploração directa de organismos, poluição, e alterações climáticas.

“A aceleração da economia, a intensificação e expansão da mudança dos usos da terra e do mar, bem como as mudanças demográficas devem levar à proliferação de espécies invasoras em todo o mundo. Mesmo que não sejam introduzidas novas espécies exóticas, algumas que já estejam estabelecidas noutros ecossistemas podem continuar a expandir a sua área e espalhar-se para novas regiões e países”, explicou Helen Roy.

“As alterações climáticas vão tornar a situação ainda pior”, sublinhou a cientista britânica. A interacção entre espécies invasoras e as mudanças do clima pode resultar, por exemplo, em incêndios florestais mais intensos e frequentes, libertando para a atmosfera mais dióxido de carbono, o principal gás com efeito de estufa.

A conjugação das alterações climáticas com o problema das espécies invasoras pode reflectir-se na nossa vida de formas muito variadas. “Desde a picada de uma alforreca até uma grande redução nas colheitas de culturas essenciais, que se torne uma questão de segurança alimentar”, disse Peter Stoett, da Universidade Tecnológica do Ontário, em Oshawa, no Canadá, o terceiro co-secretário desta avaliação do IPBES. Stoett, na conferência de imprensa de apresentação do relatório.

É no meio terrestre, e sobretudo nas florestas e terrenos cultivados que se verifica a maioria das introduções de espécies exóticas (75%). Em 16% das extinções, a culpa é atribuída apenas às espécies invasoras.

Controlar é possível

Apesar de o relatório traçar o retrato de uma crise, deixa pistas para a controlar. “Temos provas convincentes de que é urgente agir e de forma sustentada, garantir que são dirigidos recursos para lidar com o problema [das espécies invasoras] a longo prazo”, afirmou Stoett.

O mais eficaz é a prevenção das invasões biológicas, impondo medidas de biossegurança nas fronteiras, por exemplo. “Prevenção, prevenção, prevenção. Especialmente nos sistemas marinhos, mas nos outros também”, comentou o cientista canadiano.

A erradicação tem tido algum sucesso em alguns casos, sobretudo quando a população invasora é ainda pequena e sobretudo em ecossistemas isolados, como ilhas. Quando isto não é possível, em muitos casos há a hipótese de conter e controlar as invasoras, especialmente em ecossistemas terrestres e aquáticos fechados, como aquaculturas.

“Uma das mensagens mais importantes deste relatório é possível alcançar um progresso ambicioso a lidar com as espécies invasoras. O que é preciso é uma abordagem integrada específica para cada contexto, entre países e no interior dos países e nos vários sectores envolvidos em garantir a biossegurança, incluindo comércio e transportes”, comentou Peter Stoett.

“O problema das espécies invasoras é causado pela actividade humana, por isso a solução está também na mão dos seres humanos”, frisou Helen Roy, na conferência de imprensa. Além da necessidade de uma maior cooperação internacional e o empenho dos governos no controlo das invasões biológicas, há coisas que estão ao alcance das pessoas, como indivíduos na sociedade.

“Por exemplo, da próxima vez que for andar de caiaque, ou pescar, assegure-se de que limpou o equipamento e o secou, para ter a certeza de não leva nenhuma espécie de um local para o outro”, recomendou Helen Roy.