A electrocultura está a fazer furor nas redes sociais. O que é e como funciona?

A electrocultura, prática do século XVIII, está de novo na moda. O debate sobre o crescimento de plantas e vegetais pela captação de electricidade atmosférica está a ser retomado.

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O documentário Electroculture Life está, actualmente, a monitorizar 50 experiências, que decorrem em 10 países Derek Dean Muller
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A varanda de Derek Muller, no segundo andar de um prédio em Lake Chelan, em Washington (EUA), está preenchida por baldes com terra, onde estão plantados rabanetes, pepinos e tomates-coração-de-boi. Metade desses baldes contém fios de cobre e aço, enrolados em espiral e posicionados junto às plantas. Este não é apenas um jardim: é um lugar onde se experimenta com electrocultura.

A ideia, de forma simplificada, é que uma vez que as células das plantas – tal como as nossas – emitem sinais eléctricos, será possível, com este método, acelerar o crescimento das culturas ao captar a electricidade presente na atmosfera, transferindo-a para a terra.

O termo tem aparecido nas redes sociais há alguns meses, à medida que mais entusiastas, com jardins pequenos e grandes, dão uma oportunidade à electrocultura. Um grupo público no Facebook, que se chama Energetic Agriculture (Agricultura Energética), tem mais de 150 mil membros. Os termos de pesquisa “electrocultura”, “electroculture gardening” (jardinagem de electrocultura) e “electroculture copper wire” (fio de cobre para electrocultura) estão entre os mais pesquisados no Google desde a Primavera e, no TikTok, a hashtag já ultrapassou os 97 milhões de visualizações. Há cada vez mais tutoriais a explicar como instalar uma antena, enrolando os fios de cobre em madeira ou bambu. E há inúmeros testemunhos do antes e do depois de jardineiros que dizem que acrescentar antenas de electrocultura fez com que as suas plantas florescessem.

Derek Muller é uma dessas pessoas. “Não vimos muita diferença nos rabanetes, mas os pepinos e os tomates estão muito diferentes”, descreve. As plantas que têm antenas são “mais altas, com caules maiores e folhas mais verdes”.

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Derek Muller desenvolver uma experiência com electrocultura. Os pepinos que plantou apresentaram diferenças consideráveis entre os grupos de teste e controlo. Derek Dean Muller

Ainda assim, para cada jardineiro que pratica electrocultura parece existir outro pronto a desconstruir o sucesso da prática. Uma grande parte da evidência científica nesta matéria é anedótica e os estudos científicos modernos são escassos. Ainda assim, as provas são crescentes: investigações desenvolvidas na Europa e na Ásia descrevem resultados encorajadores e os apologistas da electrocultura – e alguns cientistas – dizem que o aproveitamento da electricidade poderá revolucionar a produção alimentar.

Uma tecnologia secular

A electrocultura está a ter o seu momento nas redes sociais, mas a ideia não é nova. Em meados do século XVIII, pela altura em que Benjamin Franklin levou a cabo a sua experiência do papagaio-de-papel, as experiências com electrocultura estavam mais ou menos disseminadas entre os cientistas da aristocracia, como Jean-Antoine Nollet, físico francês que descobriu o processo da osmose, e o médico inglês Erasmus Darwin (avô de Charles). Em 1783, outro físico francês, Pierre Bertholon de Saint-Lazare, publicou De L’électricité des Végétaux (“A electricidade das plantas”), que compilou muitas experiências dos seus contemporâneos na área da electrificação das plantas.

O livro de Bertholon promoveu também a invenção do electrovegetómetro, que usava pilares metálicos e fios instalados por cima do jardim para electrificar todo o terreno. A fórmula teve os dias contados quando Jan Ingenhousz, o responsável pela descoberta da fotossíntese, instalou o aparelho no seu jardim e as plantas morreram imediatamente. Ingenhousz difamou publicamente a ideia e, durante um século, a electrocultura caiu no esquecimento.

Em 1898, o professor de Física finlandês Karl Selim Lemström discursou numa reunião da Associação Britânica para o Avanço da Ciência. O cientista argumentou que as árvores cresciam mais rapidamente sob a aurora boreal, efeito que atribuiu ao campo eléctrico gerado pela aurora. As experiências de Lemström motivaram os cientistas britânicos a levarem a cabo as suas próprias investigações, e as primeiras conclusões foram de tal forma promissoras que, em 1918, o Ministério da Agricultura e Pescas do Reino Unido pediu a um comité oficial que investigasse a electrocultura.

Em 1936, com o financiamento a esgotar-se, o comité cessou funções. O tema foi esquecido pela comunidade científica até à II Guerra Mundial, de acordo com Yannick van Doorne, engenheiro agrícola belga e defensor da electrocultura, numa altura em que os pesticidas sintéticos e os herbicidas, originalmente criados para fins militares, se tornaram populares. Nos EUA, por exemplo, os excessos de nitrato de amónio, que serviam para fabricar bombas, foram comercializados aos agricultores como fertilizante.

“Era magia. Colocava o pó no terreno e crescia melhor”, diz Van Doorne. Era fácil e barato. A electrocultura era mais misteriosa; não compreendiam como funcionava e era difícil de utilizar em grande escala.” Por isso, relata, a prática foi, uma vez mais, abandonada, rejeitada e apelidada de pseudociência e prática popular.

Uma nova energia para retomar o debate

No início desta Primavera, vários vídeos sobre electrocultura foram florescendo nas redes sociais, gerando várias reacções, entre a curiosidade e o cepticismo. O influencer de jardinagem Kevin Espiritu faz parte do segundo grupo. Publicou um vídeo no Instagram a dizer aos seguidores da sua página, Epic Gardening, que junta mais de um milhão de pessoas, que as antenas não funcionam. “Acham que se eu enterrasse cavilhas de madeira com hastes de cobre no meu jardim (...) e conseguisse uma produção absolutamente épica, não o faria? Veriam este lugar coberto de hastes de cobre...”, disse.

Espiritu não está convencido com estaas histórias avulsas sobre o aumento da produção, afirma, porque não viu nenhuma explicação de como uma antena poderia ajudar fisicamente o crescimento de uma planta.

“Ajuda a melhorar a fotossíntese? Ajuda na absorção de nutrientes? Acelera o metabolismo celular da planta? Ninguém parece ter esta resposta”, afirma. “E quando alguém diz: ‘Está a aproveitar a energia natural da terra’, é tipo, okay, fixe. Lembram-se de quando acreditávamos que o ar estava cheio de éter?”

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Yannick Van Doorne, um dos maiores apologistas da eletrocultura e um dos principais investigadores mundiais na matéria Derek Dean Muller

Ainda que não existam provas suficientes para corroborar os impactos do uso de antenas de cobre, a “versão pouco séria das redes sociais”, como descreveu Espiritu, a investigação científica continua a avançar. Alguns estudos concluem que sistemas eléctricos alternativos poderão funcionar neste âmbito.

Uma investigação no Japão, por exemplo, concluiu que gerar raios artificiais perto dos troncos de cogumelos shiitake quase duplicou a produção desta espécie. E, em 2018, cientistas chineses relataram ao South China Morning Post que uma experiência que envolveu a aplicação de impulsos de tensão positiva nas plantações gerou um aumento de produtividade até 30%. O Fórum Económico Mundial escreveu que “as implicações destas experiências também são enormes. (…) Produzir mais alimentos sem exercer pressão exponencial sobre os recursos, ou utilizar níveis elevados e proibidos, serão alguns dos temas de debate permanente no século XXI”.

Um estudo mais recente desenvolvido na China, publicado na revista científica Nature Food, utilizou nanogeradores triboeléctricos movidos a energia eólica e pluvial com o objectivo de gerar um campo eléctrico sobre uma plantação de vagens de ervilhas. Este dispositivo, construído com um orçamento abaixo dos 40 dólares (36,86 euros), acelerou a germinação e aumentou a produção de ervilhas em quase 20%. Será uma tecnologia que se pode ampliar no imediato, de acordo com os especialistas chineses, e que “poderá ser crucial para a concretização de uma economia sustentável”.

Mas nenhuma destas conclusões sobre a electrocultura é ainda consensual e, uma revisão de literatura de 2018 a 19 investigações sobre esta prática concluiu que todas continham “falhas metodológicas que reduziam a credibilidade dos resultados”.

Ainda não se sabe se a electrocultura vai transformar o sector agrícola, mas é improvável que as hastes de cobre prejudiquem as nossas plantas. Os riscos de tentar são baixos, ainda que Espiritu sublinhe que existe a possibilidade, embora improvável, de uma haste de cobre alta o suficiente atrair raios.

Os defensores da electrocultura estão empenhados em impedir que a prática caia, uma vez mais, no esquecimento.

Dereck Muller é cineasta e vai lançar um documentário chamado Electroculture Life, que conta com a participação de Yannick van Doorne e outros apoiantes da prática. Uma campanha de crowdfunding para financiar o projecto conseguiu mais de 400 mil dólares (cerca de 368 mil euros). Talvez este seja, por fim, o momento da electrocultura, diz Van Doorne.

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O manual Electroculture 101 foi comercializado com o objectivo de angariar fundos para a produção do documentário de Dereck Muller Derek Dean Muller

“Hoje em dia, os media falam sobre a poluição, sobre os produtos químicos, e todos querem encontrar soluções”, afirma. “Os preços dos fertilizantes continuam a aumentar como nunca, portanto os agricultores estão à procura de alternativas. As pessoas já estão a fazer culturas por causa do preço dos alimentos, e porque querem autonomia. Todos querem os melhores resultados sem terem trabalho e, por isso, a electrocultura é muito interessante”, conclui o engenheiro agrícola.


Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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