Protestos pela floresta: “Já nem é só lutar por uma causa nobre. É pela própria existência”

Acabar com a “monocultura” do eucalipto em Portugal é um dos principais apelos dos cidadãos que se juntam em seis cidades do país para exigir medidas em nome de uma “Floresta do Futuro”.

NEG - 3 setembro 2023 - manifestacao pelo clima - porto
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Protesto pela Floresta do Futuro concentrou algumas dezenas de manifestantes no Palácio de Cristal Nelson Garrido
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Protesto pela Floresta do Futuro concentrou algumas dezenas de manifestantes no Palácio de Cristal Nelson Garrido
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Protesto pela Floresta do Futuro concentrou algumas dezenas de manifestantes no Palácio de Cristal Nelson Garrido
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Não passou muito das três ou quatro dezenas o número de pessoas que se concentraram ao longo da tarde deste domingo à entrada dos Jardins do Palácio de Cristal, no Porto, para o protesto pela “Floresta do Futuro”, convocado em seis cidades do país contra os incêndios, as políticas florestais, a monocultura do eucalipto e a indústria da celulose. Mas há quem tenha vindo de mais longe, como Teresa, de 58 anos, que se pôs a caminho desde Braga com as duas filhas, Madalena e Rita.

Viu as notícias sobre a manifestação e pensou: “É mesmo isto.” Natural de uma zona rural perto de Lamego (Viseu), preocupa-a “tudo o que tenha a ver com a floresta”. Quando visita a terra natal, Teresa já começa a sentir que as plantações de eucalipto estão a chegar, “e isso altera completamente a evolução dos incêndios”. A observação, reconhece a funcionária pública, é de quem já viveu fora da cidade. “As pessoas com quem lido normalmente estão fora do que é rural”, lamenta, o que pode ser um dos grandes obstáculos à sensibilização da população.

A própria filha Madalena, de 28 anos, reconhece estar nesse grupo. “Nós também nunca sentimos directamente o impacto dos incêndios”, refere, acrescentando que acaba por estar mais consciente desse impacto por causa dos pais, “que sempre incutiram em nós a importância das questões da floresta”.

É por isso tão importante para Teresa participar num protesto como este: se as decisões políticas acabam por ser tomadas em função de quem “mais pressiona”, é importante aumentar a pressão da opinião pública, sinalizando aos políticos “aquilo que a população lhes exige” para não acabarem por “decidir por aquilo que os lobbies exigem”.

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Teresa e as filhas, Margarida e Rita, vieram de Braga para apoiar o protesto pela "floresta do futuro" Nelson Garrido

Eucaliptais “não são florestas”

A concentração do Porto, com início às 15h, inaugurou os protestos pela “Floresta do Futuro” deste domingo, que continuaram por todo o país: em Vila Nova de Poiares (Coimbra) e Sertã (Castelo Branco), às 17h; na Mata Nacional do Choupal, em Coimbra, às 17h30; e em Lisboa e Odemira, às 19h.

À entrada do Palácio de Cristal, onde decorre a Feira do Livro do Porto, o “estaminé” estava montado ainda antes da hora marcada pelas associações que se juntaram a este protesto - que nasceu da vontade de vários cidadãos -, com destaque para a Quercus e a associação ambientalista Agir Pelo Planeta.

O protesto reuniu também alguns veteranos da acção ambiental, como Serafim Riem, co-fundador das associações Quercus e Fapas, agora também ligado à Iris - Associação Nacional de Ambiente. Junto a uma faixa a exigir a protecção das serras do Porto, o dirigente denuncia a transformação crescente da área protegida local num grande eucaliptal. “Não são florestas, são monoculturas”, afirma.

Uma questão de sobrevivência

Manuel Reis, presidente da Agir Pelo Planeta, conta como a ideia de um protesto fervilhou a partir de conversas entre pessoas de associações de todo o país que mantinham contacto e reflectiam “sobre o estado do país no que diz respeito aos fogos”.

Apesar das diferentes perspectivas sobre estratégias ou medidas, concordam no mesmo: “É necessário reflorestar o país com espécies autóctones.” Mas é um desígnio que tarda em ganhar tracção, com a ausência de políticas eficazes, por exemplo, para travar avanços do eucaliptal. Num Portugal em seca, situação que promete tornar-se o padrão, reflorestar o país respeitando a flora nativa é uma questão de sobrevivência, explica o ambientalista. Mas é preciso que a população se una para exigir medidas. “Temos de ter um movimento social para agir em conjunto.”

E estaremos perto de ter um movimento nesse sentido? Manuel Reis acredita que há sinais de mudança, por comparação a outras fases do movimento ambientalista em Portugal. “Sempre tivemos causas ambientais pelas quais lutar”, nota, mas hoje a tónica é diferente: “Não estás a lutar por esta ou por aquela espécie. Neste momento estás a lutar pela sobrevivência da espécie humana. Há um dever de cada um de nós de ser ambientalista”, considera. Brincando com uma expressão muito usada, diz que “já nem é só lutar por uma causa nobre. É lutar pela própria existência. E isso só se resolve com uma revolução social”.

Acabar com a monocultura

Pedro Sousa, do núcleo da Quercus no Porto, recorda que a própria criação da associação, em 1985, se deu mediante o florescer de uma política económica florestal totalmente vocacionada para uma espécie — o eucalipto. Entretanto, também se tornou claro que a floresta actual “não é a mais indicada para as condições que temos”, e há cada vez mais pessoas a perceber isso e a tomar partido.

Quase 40 anos depois, descreve Pedro Sousa, o eucalipto já é a espécie que ocupa mais área florestal, ultrapassando não apenas o sobreiro, símbolo da floresta nacional, mas o próprio pinheiro-bravo, a outra “monocultura” plantada em muitos territórios onde não é uma espécie autóctone. Além das questões da biodiversidade, há a sombra do fogo, e nesse âmbito os recentes incêndios florestais na zona de Odemira “desfizeram o mito de que a floresta de eucalipto gerida pelas celuloses não arde”.

E porque é tão difícil resolver este puzzle do (mau) ordenamento florestal? Não existem regulações europeias, que em tantas outras áreas têm trazido preocupações ambientais à legislação nacional? “É um problema muito localizado, não é um problema europeu”, explica o activista da Quercus. “A gestão em Portugal não tem nada que ver com a gestão que se faz na Europa, temos uma gestão para consumo rápido.” Noutros países da Europa, explica, o corte de árvores faz-se selectivamente, sem os chamados “abates rasos”, que destroem porções inteiras de florestas, como os que se fazem em Portugal.

Reflorestar Portugal

Aqui e ali, à entrada dos Jardins do Palácio de Cristal, os visitantes da Feira do Livro também param para ler os painéis dispostos pelo hemiciclo com factos e caminhos para sair desta “emergência florestal”. Uma activista muitas vezes abordada é Susana Guimarães, da associação Reflorestar Portugal, que segura um cartaz a divulgar o 3.º Encontro pelas Florestas, que terá lugar de 8 a 10 de Setembro em Fafe.

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Muitas pessoas pararam para saber mais sobre o 3.º Encontro pelas Florestas, organizado pela associação Reflorestar Portugal Nelson Garrido

Depois de uma edição em 2017 e outra em 2019, o Encontro pelas Florestas volta a juntar quem já está no terreno, “com todas as limitações e dificuldades” da agricultura e silvicultura regenerativa, e quem está na cidade mas “quer mudar as coisas e quer contribuir”.

Permacultura, sintropia, engenharia florestal ou investigação académica — “é possível fazer tantas coisas em tantas frentes, não há certo nem errado”, nota Susana Guimarães. Para a activista, a chave para o futuro do movimento passará por “criar pontes de diálogo”, promovendo parcerias, colaborações e espaços para florescerem “novas ideias” — o que também passa por encontros frente a frente, “olhar nos olhos”, saindo dos espaços digitais onde os conflitos se empolam com mais facilidade e as pessoas estão cada vez mais “reactivas”.

A mudança, nota a activista da Reflorestar Portugal, tem de passar também pela economia — além, claro, da vontade política. “Quem anda no terreno a fazer regeneração ecológica percebe que não há apoios financeiros do ponto de vista regenerativo”, explica. Apoios, só se houver retorno — ou seja, sempre focados “na parte produtiva”. Mas não será possível a transformação (da floresta, mas não só) sem focar no essencial: aquilo que é melhor para as comunidades.