Protestos pela floresta: “Já nem é só lutar por uma causa nobre. É pela própria existência”
Acabar com a “monocultura” do eucalipto em Portugal é um dos principais apelos dos cidadãos que se juntam em seis cidades do país para exigir medidas em nome de uma “Floresta do Futuro”.
Não passou muito das três ou quatro dezenas o número de pessoas que se concentraram ao longo da tarde deste domingo à entrada dos Jardins do Palácio de Cristal, no Porto, para o protesto pela “Floresta do Futuro”, convocado em seis cidades do país contra os incêndios, as políticas florestais, a monocultura do eucalipto e a indústria da celulose. Mas há quem tenha vindo de mais longe, como Teresa, de 58 anos, que se pôs a caminho desde Braga com as duas filhas, Madalena e Rita.
Viu as notícias sobre a manifestação e pensou: “É mesmo isto.” Natural de uma zona rural perto de Lamego (Viseu), preocupa-a “tudo o que tenha a ver com a floresta”. Quando visita a terra natal, Teresa já começa a sentir que as plantações de eucalipto estão a chegar, “e isso altera completamente a evolução dos incêndios”. A observação, reconhece a funcionária pública, é de quem já viveu fora da cidade. “As pessoas com quem lido normalmente estão fora do que é rural”, lamenta, o que pode ser um dos grandes obstáculos à sensibilização da população.
A própria filha Madalena, de 28 anos, reconhece estar nesse grupo. “Nós também nunca sentimos directamente o impacto dos incêndios”, refere, acrescentando que acaba por estar mais consciente desse impacto por causa dos pais, “que sempre incutiram em nós a importância das questões da floresta”.
É por isso tão importante para Teresa participar num protesto como este: se as decisões políticas acabam por ser tomadas em função de quem “mais pressiona”, é importante aumentar a pressão da opinião pública, sinalizando aos políticos “aquilo que a população lhes exige” para não acabarem por “decidir por aquilo que os lobbies exigem”.
Eucaliptais “não são florestas”
A concentração do Porto, com início às 15h, inaugurou os protestos pela “Floresta do Futuro” deste domingo, que continuaram por todo o país: em Vila Nova de Poiares (Coimbra) e Sertã (Castelo Branco), às 17h; na Mata Nacional do Choupal, em Coimbra, às 17h30; e em Lisboa e Odemira, às 19h.
À entrada do Palácio de Cristal, onde decorre a Feira do Livro do Porto, o “estaminé” estava montado ainda antes da hora marcada pelas associações que se juntaram a este protesto - que nasceu da vontade de vários cidadãos -, com destaque para a Quercus e a associação ambientalista Agir Pelo Planeta.
O protesto reuniu também alguns veteranos da acção ambiental, como Serafim Riem, co-fundador das associações Quercus e Fapas, agora também ligado à Iris - Associação Nacional de Ambiente. Junto a uma faixa a exigir a protecção das serras do Porto, o dirigente denuncia a transformação crescente da área protegida local num grande eucaliptal. “Não são florestas, são monoculturas”, afirma.
Uma questão de sobrevivência
Manuel Reis, presidente da Agir Pelo Planeta, conta como a ideia de um protesto fervilhou a partir de conversas entre pessoas de associações de todo o país que mantinham contacto e reflectiam “sobre o estado do país no que diz respeito aos fogos”.
Apesar das diferentes perspectivas sobre estratégias ou medidas, concordam no mesmo: “É necessário reflorestar o país com espécies autóctones.” Mas é um desígnio que tarda em ganhar tracção, com a ausência de políticas eficazes, por exemplo, para travar avanços do eucaliptal. Num Portugal em seca, situação que promete tornar-se o padrão, reflorestar o país respeitando a flora nativa é uma questão de sobrevivência, explica o ambientalista. Mas é preciso que a população se una para exigir medidas. “Temos de ter um movimento social para agir em conjunto.”
E estaremos perto de ter um movimento nesse sentido? Manuel Reis acredita que há sinais de mudança, por comparação a outras fases do movimento ambientalista em Portugal. “Sempre tivemos causas ambientais pelas quais lutar”, nota, mas hoje a tónica é diferente: “Não estás a lutar por esta ou por aquela espécie. Neste momento estás a lutar pela sobrevivência da espécie humana. Há um dever de cada um de nós de ser ambientalista”, considera. Brincando com uma expressão muito usada, diz que “já nem é só lutar por uma causa nobre. É lutar pela própria existência. E isso só se resolve com uma revolução social”.
Acabar com a monocultura
Pedro Sousa, do núcleo da Quercus no Porto, recorda que a própria criação da associação, em 1985, se deu mediante o florescer de uma política económica florestal totalmente vocacionada para uma espécie — o eucalipto. Entretanto, também se tornou claro que a floresta actual “não é a mais indicada para as condições que temos”, e há cada vez mais pessoas a perceber isso e a tomar partido.
Quase 40 anos depois, descreve Pedro Sousa, o eucalipto já é a espécie que ocupa mais área florestal, ultrapassando não apenas o sobreiro, símbolo da floresta nacional, mas o próprio pinheiro-bravo, a outra “monocultura” plantada em muitos territórios onde não é uma espécie autóctone. Além das questões da biodiversidade, há a sombra do fogo, e nesse âmbito os recentes incêndios florestais na zona de Odemira “desfizeram o mito de que a floresta de eucalipto gerida pelas celuloses não arde”.
E porque é tão difícil resolver este puzzle do (mau) ordenamento florestal? Não existem regulações europeias, que em tantas outras áreas têm trazido preocupações ambientais à legislação nacional? “É um problema muito localizado, não é um problema europeu”, explica o activista da Quercus. “A gestão em Portugal não tem nada que ver com a gestão que se faz na Europa, temos uma gestão para consumo rápido.” Noutros países da Europa, explica, o corte de árvores faz-se selectivamente, sem os chamados “abates rasos”, que destroem porções inteiras de florestas, como os que se fazem em Portugal.
Reflorestar Portugal
Aqui e ali, à entrada dos Jardins do Palácio de Cristal, os visitantes da Feira do Livro também param para ler os painéis dispostos pelo hemiciclo com factos e caminhos para sair desta “emergência florestal”. Uma activista muitas vezes abordada é Susana Guimarães, da associação Reflorestar Portugal, que segura um cartaz a divulgar o 3.º Encontro pelas Florestas, que terá lugar de 8 a 10 de Setembro em Fafe.
Depois de uma edição em 2017 e outra em 2019, o Encontro pelas Florestas volta a juntar quem já está no terreno, “com todas as limitações e dificuldades” da agricultura e silvicultura regenerativa, e quem está na cidade mas “quer mudar as coisas e quer contribuir”.
Permacultura, sintropia, engenharia florestal ou investigação académica — “é possível fazer tantas coisas em tantas frentes, não há certo nem errado”, nota Susana Guimarães. Para a activista, a chave para o futuro do movimento passará por “criar pontes de diálogo”, promovendo parcerias, colaborações e espaços para florescerem “novas ideias” — o que também passa por encontros frente a frente, “olhar nos olhos”, saindo dos espaços digitais onde os conflitos se empolam com mais facilidade e as pessoas estão cada vez mais “reactivas”.
A mudança, nota a activista da Reflorestar Portugal, tem de passar também pela economia — além, claro, da vontade política. “Quem anda no terreno a fazer regeneração ecológica percebe que não há apoios financeiros do ponto de vista regenerativo”, explica. Apoios, só se houver retorno — ou seja, sempre focados “na parte produtiva”. Mas não será possível a transformação (da floresta, mas não só) sem focar no essencial: aquilo que é melhor para as comunidades.