Estas sete tácticas fizeram do discurso de Rubiales um caso típico de silenciamento das mulheres

Sociólogos apresentaram mecanismos discursivos utilizados para diminuir o feminismo e todos eles estavam presentes quando Rubiales falou — desde os mais subtis aos mais agressivos.

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Depois do beijo à jogadora Jennifer Hermoso, Luis Rubiales recusou demitir-se Reuters/HANDOUT
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As comemorações em Espanha após a vitória da selecção nacional no Campeonato do Mundo de Futebol Feminino da FIFA foram manchadas pelo comportamento de Luis Rubiales, presidente da Real Federação Espanhola de Futebol, que beijou a jogadora Jennifer Hermoso sem o seu consentimento e fez gestos indelicados no camarote enquanto assistia ao jogo.

No entanto, e apesar das críticas ao comportamento, o presidente recusou demitir-se e defendeu-se com um longo e, por vezes, bizarro discurso.

Durante todo o processo, Rubiales recorreu a estratégias que são habitualmente utilizadas por aqueles que resistem à igualdade de género e directamente retiradas do manual antifeminista.

Os sociólogos Michael Flood, Molly Dragiewicz e Bob Pease apresentaram, num artigo publicado em 2020, uma série de mecanismos discursivos utilizados para diminuir o feminismo e todos eles estavam presentes quando Rubiales falou — desde os mais subtis aos mais agressivos.

Negação

A primeira táctica é a negação. Isto inclui a rejeição da ideia de que qualquer problema existe e a recusa da legitimidade de qualquer argumento para a mudança.

A negação é um elemento muito comum da resistência à igualdade de género. No caso de Rubiales, o treinador declarou que o beijo "foi espontâneo, mútuo e consensual". "Tenho uma excelente relação com todas as jogadoras e tivemos momentos muito carinhosos neste estágio", acrescentou.

No entanto, dois dias antes, uma declaração emitida em nome de Jennifer Hermoso pelo sindicato que representa a jogadora não parecia ir na mesma direcção. A nota afirmava que o sindicato estava a trabalhar para garantir que "actos como os que vimos nunca fiquem impunes, que sejam sancionados e que sejam tomadas medidas adequadas para proteger as jogadoras de futebol de acções que consideramos inaceitáveis".

Repúdio

Neste contexto, o repúdio equivale a recusar-se a reconhecer a responsabilidade pela resolução de um problema ou a instigar a mudança para o resolver.

O discurso de Rubiales foi proferido numa reunião especial da federação convocada para que se explicasse, no entanto, o presidente não abordou as questões relacionadas com o comportamento que teve em relação a Jennifer Hermoso. Rubiales pediu desculpa por ter agarrado nas virilhas durante os festejos, mas não pelo beijo indesejado. Sobre isso disse apenas: "Não estão a tentar fazer justiça. Isso é falso".

Inacção

A inacção é uma recusa de mudança e, neste caso, Rubiales também o fez. Apesar de circularem rumores sobre a sua demissão desde a noite anterior ao discurso, o presidente deixou claro que tal não iria acontecer. Não pediu desculpa pelo beijo, nem sequer pensou que poderia ter sido um erro. Na verdade, fez exactamente o contrário. O grande anúncio — que não só declarou como gritou cinco vezes — foi o facto de recusar demitir-se.

Apropriação

A apropriação pode implicar simular uma mudança, ao mesmo tempo que a anula de forma dissimulada. Isto foi evidenciado por Rubiales, quando, a certa altura pediu desculpas "abertamente".

No entanto, não se desculpou pelo problema principal. O pedido referia-se apenas a "um facto ocorrido no camarote", num momento de "euforia", quando agarrou "aquela parte do corpo". Neste momento, o presidente estava a referir-se ao momento em que agarrou nas virilhas quando celebrava a vitória. Ao pedir desculpa por este acto, Rubiales assume a posição de alguém que procura redimir-se sem se redimir do acto mais grave.

Manipulação

A manipulação acontece quando as pessoas utilizam uma linguagem progressista para manter estruturas e práticas desiguais.

Rubiales começou o discurso apelando a "todos os membros femininos e masculinos da assembleia". Utilizou a palavra "feminismo" e os seus derivados oito vezes no discurso. Também disse "igualdade" quatro vezes e "justiça" seis. Contudo, mais tarde, falou sobre a utilização do plural masculino em espanhol, que "inclui tanto mulheres como homens" e pediu aos presentes que não tivessem "vergonha" de utilizar a palavra "campeões" para se referirem à equipa vencedora, em vez do plural feminino "campeãs".

Outras palavras frequentemente utilizadas foram "caça", "assassinato", "pressão" e "sofrimento", mas sempre em referência a si próprio e aos que o apoiam.

De acordo com Flood, Dragiewicz e Pease, "as alegações de vitimização masculina e de discriminação inversa são também elementos comuns na resistência". "Muitos homens sentem-se ameaçados pelo feminismo e chamam a atenção para o que consideram ser formas de desvantagem masculina", destacam.

Os antifeministas tentam inverter o problema, alegando discriminação inversa. Rubiales apelou a isso várias vezes. Ele é a vítima. "Está a ser praticado um assassinato social. Estão a tentar matar-me", referiu. "Sofremos muito. Passámos por muita coisa. Engolimos muita coisa. Mas temos estado juntos. Tu, eu e a tua equipa, a quem estou grato por estar aqui", disse ao treinador da equipa.

A par disto, achou-se no direito de definir o que é e o que não é o feminismo. Exigir responsabilidades pelo que aconteceu é, na sua opinião, um "falso feminismo", que é "o grande flagelo deste país".

Manifestação em Madrid de apoio a Jennifer Hermoso REUTERS/Violeta Santos Moura
Manifestação em Madrid de apoio a Jennifer Hermoso REUTERS/Isabel Infantes
Manifestação em Madrid de apoio a Jennifer Hermoso REUTERS/Isabel Infantes
Equipa do Barcelona mostra apoio a Jennifer Hermoso no amigável America x FC Barcelona REUTERS/Henry Romero
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Manifestação em Madrid de apoio a Jennifer Hermoso REUTERS/Violeta Santos Moura

"A igualdade não é diferenciar o que um homem diz e o que uma mulher diz. É preciso distinguir entre a verdade e a mentira. E eu estou a dizer a verdade", afirmou. Na mesma linha, reivindicou ainda o direito de determinar o que constitui uma agressão. "O que pensará uma mulher [que] foi forçada e agredida sexualmente?", perguntou.

Repressão

A surpreendente recusa do presidente em demitir-se é um exemplo de repressão, uma vez que estava a inverter o processo de mudança. Quando se levantou para falar, já era amplamente aceite que a atitude correcta a tomar seria demitir-se. No entanto, remou contra a maré.

Violência

O uso da violência, do assédio e do abuso contra grupos subordinados é a chave para fazer recuar as forças da mudança. Para Rubiales, agredir alguém que ele considera subordinado não passa de um beijo paternalista — um gesto sem desejo.

No entanto, o presidente também se entregou a uma longa e gráfica explicação das supostas acções de Hermoso em termos eróticos — afirmando que a jogadora o agarrou "pelas ancas, pelas pernas", "levantou-o" do chão, "puxou-o para junto do seu corpo", etc.

#seacabó

Os aplausos que Rubiales recebeu no final do discurso corroboram o que os três sociólogos dizem e o que muitos investigadores têm visto repetidamente em estudos científicos — o antifeminismo não é anedótico, mas antes generalizado. Trata-se de um verdadeiro flagelo social.​

Em resposta a estas declarações, as jogadoras da selecção espanhola e, mais tarde, muitos outros desportistas tornaram públicas as suas posições contra este tipo de comportamento. O discurso que Rubiales quis fazer em autodefesa transformou-se numa faísca que desencadeou um movimento, liderado pela hashtag #seacabó —"Acabou".


Exclusivo P3/The Conversation
Miren Gutiérrez é investigadora especialista em activismo de dados na Universidade de Deusto, em Espanha

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