110 Histórias, 110 Objectos. O espectrómetro de desvio constante

No 108.º episódio, falamos sobre o espectrómetro. O podcast 110 Histórias, 110 Objectos, do Instituto Superior Técnico, é um dos parceiros da Rede PÚBLICO. Siga-o nas plataformas habituais.

Espectro. No dicionário Priberam: “registo da dispersão ou distribuição de energia ou radiação”. Na prática, com recurso a espectrómetro, o seu registo permite identificar o tipo de luz emitida e os compostos que estão a gerar essa a luz. Uma outra forma de descrever o espectrómetro de desvio constante, recorrendo a palavras de João Mendanha Dias, professor no Departamento de Física do Instituto Superior Técnico e investigador no Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN): “é um aparelho que normalmente pega em sinais ondulatórios e hierarquiza-os nas suas frequências. Neste caso, como é um espectrómetro ótico, olha para as ondas electromagnéticas (que é a nossa luz, na zona do visível) e vai separá-las nas suas frequências. No nosso caso, na luz visível, é nas várias cores do vermelho ao azul”.

Datado de 1919, o espectrómetro tinha como principal função a análise química de elementos – “porque os elementos têm níveis discretos de excitação e vão emitir em várias frequências muito precisas, e isso dá uma assinatura do próprio elemento, como se fosse um código de barras. Se nós olharmos para aquele elemento, sabemos ‘aqui é ouro, é prata, é oxigénio, é carbono’, explica João Mendanha Dias. Estamos a entrar na “parte quântica do próprio átomo”, onde os electrões se mexem à volta do núcleo, com energias bem definidas. Através do espectrómetro ótico, é possível decompor a luz nas suas componentes individuais, com cores que correspondem a diferentes frequências ou comprimentos de onda.

Esta ferramenta foi crucial para, por exemplo, algumas das grandes descobertas da área da astronomia. Nas primeiras décadas do século XX, acumularam-se uma série de estudos que conduziram os investigadores para a teoria do Big Bang e da Origem do Universo. Edwin Hubble (1889-1953), por exemplo, “viu que o espectro das estrelas mais distantes estava cada vez mais para o vermelho”. Ou seja: “verificou que quanto mais distante estava a galáxia, ou a estrela, mais o desvio era para o vermelho: ela estava a movimentar-se com uma velocidade maior. Se todos os objetos que nós vemos estão a afastar-se uns dos outros, isto quer dizer que o Universo está em expansão, como se fosse uma explosão”, explica João Mendanha Dias. “Medindo os espectros, vê-se as riscas de absorção do cálcio das estrelas e, vendo que essas riscas se vão desviando cada vez mais para o vermelho, chegou-se à conclusão que estrelas mais distantes andam a uma velocidade cada vez maior. Não terá sido um espectrómetro destes, porque os espectrómetros que estão nos telescópios estão desenhados propriamente para eles, mas os fundamentos são os mesmos e da mesma época”, complementa.

O espectrómetro de desvio constante do Técnico foi construído por Adam Hilger, em Londres. Pensado para os químicos usarem na identificação de vários elementos, foi desenhado com características que o tornavam mais portátil, nomeadamente um prisma especial, que lhe permite ter dois braços a 90 graus, fixos. Com cerca de um metro de comprimento, construído em ferro, não necessitava de energia para funcionar, “apenas” luz. A descrição do objecto continua nas palavras Gonçalo Tavares, professor no Departamento de Engenharia Electrotécnica e de Computadores do Técnico e investigador do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores (INESC-ID). “Há duas inovações neste espectrómetro: o facto de os braços serem fixos, chama-se de desvio, um espectrómetro de desvio constante, e um tambor que permitia ajustar o comprimento de onde central de observação. Portanto, isso fez com que o espectrómetro na altura tivesse tido, além da portabilidade, um grande sucesso”.

“É um aparelho absolutamente notável para a altura”, defende. “Eu olho quase como uma peça de arte. Para mim, é fascinante o trabalho minucioso que tem estes suportes”, complementa João Mendanha Dias.
Como todos as peças que integram a colecção do Museu Faraday, este objecto foi totalmente recuperado pela equipa do Museu, estando operacional. Um ressuscitar da máquina que tinha sido utilizada pela última vez por Manuel Alves Marques (ouvir episódio 18 – O 1.º laser em Portugal), o primeiro a realizar um doutoramento pelo Instituto Superior Técnico (em 1962).


O podcast 110 Histórias, 110 Objectos é um dos parceiros da Rede PÚBLICO. É um programa do Instituto Superior Técnico com realização de Marco António (366 ideias) e colaboração da equipa do IST composta por Filipa Soares, Sílvio Mendes, Débora Rodrigues, Patrícia Guerreiro, Leandro Contreras, Pedro Garvão Pereira e Joana Lobo Antunes.

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