Centenas de professores obrigados a apresentar-se em escolas onde não vão ficar
Serão quase 600 os professores que vão percorrer centenas de quilómetros para se apresentar em escolas onde não darão aulas. Ministério diz que é a forma de garantir o vencimento de Setembro.
Por imposição legal, centenas de docentes do ensino básico e secundário vão iniciar, nesta sexta-feira, a sua “nova” vida como professores do quadro do mesmo modo de quando eram contratados – a calcorrear o país. É o que vai acontecer, por exemplo, a Anaísa Mateus, professora de Matemática: vai percorrer cerca de 320 quilómetros, de Vila Nova de Gaia, onde reside, até Queluz, no concelho de Sintra, porque tem de se apresentar aí numa escola onde não irá dar aulas neste ano lectivo que está prestes a começar.
Outros estarão a fazer o dobro do caminho, do Norte até ao Algarve, para cumprir a mesma obrigação. Sendo que nos próximos dias, se não mesmo nesta sexta-feira, farão o caminho de regresso para voltar a apresentar-se noutra escola, onde ficarão colocados até ao final do ano lectivo.
Para a classe docente, o ano escolar começa já nesta sexta-feira, 1 de Setembro. Determina a legislação que rege os concursos de professores que os docentes de carreira ainda sem colocação ou serviço atribuído terão de se apresentar, no primeiro dia útil de Setembro, “no último agrupamento de escolas onde exerceram funções para aguardar nova colocação”.
Em respostas ao PÚBLICO, o Ministério da Educação destaca que “esta regra, que está fixada há muitos anos em todos os diplomas de concursos de docentes, salvaguarda o processamento de vencimento no mês de Setembro”.
Muitos dos que estarão em peregrinação, nesta sexta-feira, são professores que entraram agora na carreira ao abrigo do novo mecanismo de “vinculação dinâmica”, mas que não obtiveram colocação numa escola no concurso de mobilidade interna, destinado aos professores do quadro e cujos resultados foram conhecidos na semana passada.
“Um absurdo”
Neste concurso não foram colocados cerca de 30% (1637) dos 5606 que entraram no quadro por aquela via. Todos os que ainda não têm lugar numa escola estão vinculados em regiões a norte de Lisboa. Entre estes, segundo cálculos publicados no blogue de Arlindo Ferreira, especialista em estatísticas da educação, contam-se 590 que, em 2022/2023, deram aulas em escolas a centenas de quilómetros de casa e onde terão de marcar presença nesta sexta-feira.
“É um desperdício de tempo e dinheiro. Até pode acontecer que esteja a ir para Lisboa já sabendo que fui colocada noutra escola, perto de casa. É um absurdo”, comenta Anaísa Mateus, que no ano lectivo passado deu aulas no Agrupamento de Escolas Queluz-Belas, mas que, entretanto, ficou vinculada ao QZP 1 (Norte litoral).
É o que se passa com todos os docentes da vinculação dinâmica: mesmo os que ainda não têm lugar numa escola, estão já vinculados a um dos dez Quadros de Zona Pedagógica existentes. E será na região onde se vincularam que esperam vir a ser colocados, o que pode já acontecer nos dois concursos nacionais (reservas de recrutamento) marcados para os dias 1 e 8 de Setembro.
Apesar de já estarem no quadro, esta é mesmo a única garantia que têm: neste ano lectivo ficarão no QZP onde se vincularam. Já no próximo, como determina a nova legislação dos concursos aprovada neste ano, terão de concorrer a todo o país.
Anaísa Mateus, de 35 anos, sabe ao que foi: “Vou estar um ano mais perto de casa [Vila Nova de Gaia], mas não tenho nenhuma expectativa de depois voltar a ser colocada no Norte. Já me mentalizei que vai ser assim por muitos anos, porque a grande falta de professores faz-se sentir a sul, sobretudo na região de Lisboa”.
Foi a perspectiva desta migração que levou a que ficassem por preencher cerca de 30% das 8233 vagas abertas para a vinculação dinâmica. Isto quer dizer que 2627 professores com os requisitos para entrar no quadro preferiram continuar a contrato e poder escolher, assim, escolas mais perto de casa.
E o que levou, então, Anaísa a concorrer à vinculação dinâmica? “Antes já tinha de concorrer a todo o país, por isso não tinha nada a perder. Pelo menos já não sou professora contratada. Basicamente, é isso...”