Os trabalhadores estão de volta aos escritórios. Só não esperem que fiquem lá durante oito horas. Há cada vez mais empresas a dizer aos trabalhadores norte-americanos que regressem aos seus cubículos dois, três ou mesmo quatro dias por semana, parte de uma nova onda de regras de regresso ao trabalho cada vez mais apertadas que se antecipa para este Outono. Uma coisa é certa: a era de estar sentado numa secretária das 9h às 17h acabou.
Em vez disso, numa onda de mudança transformadora do dia de trabalho, os trabalhadores estão a tirar vantagem de uma nova flexibilidade tácita. Estão a voltar ao escritório nos seus próprios termos, a chegar tarde depois de um treino ou sair mais cedo para ir às compras ou ir buscar os filhos antes de voltarem ao trabalho.
E, enquanto muitos empregadores estão a pedir às pessoas que voltem um certo número de dias por semana ao escritório, quase nenhum está a ver quanto tempo lá passam. Em muitos pontos do país, apenas metade das visitas ao escritório duram mais do que seis horas de uma vez, de acordo com os dados de utilização do Wi-Fi da Basking, empresa que analisa a ocupação dos lugares de trabalho. É um contraste gritante em relação ao que acontecia antes da pandemia, quando a maioria das visitas, 84%, durava seis horas ou mais.
“É uma dança gigante. As empresas querem as pessoas de volta ao escritório, os trabalhadores estão a dizer: ‘Ok, mas deixa-me encontrar o equilíbrio certo’”, afirma Patricia Mokhtarian, professora que estuda o trabalho remoto no Instituto de Tecnologia da Geórgia. “O teletrabalho parcial num mesmo dia é extremamente difícil de medir, mas provavelmente é muito maior do que pensamos.”
Essa reconfiguração está a prolongar os horários de pico das deslocações e a deixar uma marca nos estabelecimentos locais, onde as happy hours começam mais cedo, as compras de supermercado estão a ser feitas online e os campos de golfe estão a registar quatro vezes mais actividade do que o normal para uma quarta-feira à tarde. “Antes da pandemia, pressupunha-se que as pessoas vinham todos os dias da semana e ficavam o dia todo”, disse Anjali Grover, responsável de análise de dados da Basking. “Já não é esse o caso.”
O “colete-de-forças das 9h às 17h” ainda existe?
Ainda assim, muitos empregadores têm vindo a multiplicar esforços para que os trabalhadores regressem aos seus cubículos a partir do Dia do Trabalhador, que, nos EUA, é feriado e se assinala a 4 de Setembro. A Meta (empresa que detém o Facebook) exige três dias por semana no escritório a começar em Setembro. A Zoom, que é o exemplo da cultura pandémica do trabalho à distância, pede aos trabalhadores que regressem pelo menos duas vezes por semana. E o Presidente Biden está a exortar os trabalhadores federais a regressarem ao escritório no Outono.
Entretanto, a Google, que exige três dias por semana em trabalho presencial, anunciou recentemente que vai começar a considerar a assiduidade nas avaliações de desempenho. De acordo com a Kastle Systems, as taxas globais de ocupação de escritórios nas maiores cidades do país estão pela metade dos níveis registados antes da pandemia.
As empresas estão a pressionar as pessoas para voltarem ao escritório, mas não é tudo ou nada, acredita Mokhtarian, professora. “Não estão a dizer ‘tens de estar aqui cinco dias por semana’, ou mesmo ‘tens de estar aqui oito horas por dia’. Aquele colete-de-forças das 9h às 17h horas já não existe.”
Hend Alhakam, que é gestora de frota numa empresa perto de Detroit, vai ao escritório todos os dias da semana. Mas sai às 15h para ir buscar o filho de dez anos à escola. Termina o dia à distância, por vezes parando na auto-estrada para responder a um email ou atender uma chamada.
É um acordo que seria muito menos provável antes da pandemia de covid-19 ter posto em causa regras há muito estabelecidas. “Como mãe solteira, pode ser difícil gerir o meu tempo, encaixar tudo o que preciso de fazer num só dia”, exemplifica Alhakam. “Mas a pandemia abriu uma porta que nós, enquanto trabalhadores, nem sequer sabíamos que estava disponível.”
A maior fluidez dos horários de trabalho está também a alterar os padrões de transporte, fazendo com que a hora de ponta da manhã aconteça mais tarde. Há cada vez menos pessoas a precisar de se deslocar no período entre as 15h e as 20h do que em 2019, enquanto a proporção de pessoas se fazem à estrada depois das 9h aumentou, de acordo com uma análise dos dados de transporte da INRIX, feita por Nicholas Bloom e Alex Finan da Universidade de Stanford.
“Não é que as pessoas estejam a viajar menos, estão é a distribuir melhor as suas viagens”, afirma Bloom, que é professor de Economia. “Se quiseres, fazes uma reunião matinal a partir de casa e vais para o escritório um pouco depois. Antes da pandemia, as pessoas iam comentar e fazer piadas, perguntar se é porque estiveste a beber na noite anterior, mas agora é normal. Como resultado, reduzimos os picos de trânsito nas auto-estradas e de procura dos transportes públicos. Estamos a reduzir os congestionamentos, o que é uma coisa muito boa.”
Trabalha-se cada vez mais
Mas não é porque as pessoas estão a ir para o trabalho mais tarde ou a chegar a casa mais cedo que estão a trabalhar menos. Pelo contrário, os trabalhadores de colarinho branco com horários híbridos estão a trabalhar cada vez mais aos dias da semana e aos fins-de-semana, de acordo com um estudo de 2022. Em média, trabalharam 36,5 horas por semana em Julho, contra 36,1 horas de há quatro anos, de acordo com dados do Bureau of Labor Statistics.
Os economistas alertam para o facto de ser particularmente difícil captar o efeito do trabalho híbrido na produtividade, especialmente com tantos empregados de colarinho branco a trabalhar em vários locais num único dia. Mesmo assim, a produtividade geral do trabalho aumentou a uma taxa anual de 3,7% no segundo trimestre, o ritmo de crescimento mais rápido desde 2020, de acordo com os dados.
Annie Tsai, directora de operações da Interact, empresa de software em São Francisco, disse que os seus 11 colaboradores trabalham a qualquer hora do dia ou da noite, dependendo do que lhes for mais conveniente. Tsai, que tem dois filhos, passa por vezes a tarde a pintar murais na escola do filho e põe o trabalho em dia depois, à noite. “Não me importo mesmo nada de entrar no trabalho depois de os meus filhos irem dormir”, afirma Tsai, 44 anos. “O que me incomoda, no entanto, é que alguém me julgue por ter de levar o meu filho a uma consulta médica às 14h.”
O número de pessoas que trabalham em casa triplicou entre 2019 e 2021: actualmente, regista-se um recorde histórico de quase 28 milhões de trabalhadores, de acordo com dados do último censo. Ao todo, cerca de um em cada três trabalhadores do sector privado teletrabalha pelo menos às vezes, mostram os dados do Bureau of Labor Statistics — mas também tendem a ser os trabalhadores de escritório mais bem pagos.
Agora, à medida que os trabalhadores de colarinho branco se reacostumam ao escritório, é cada vez mais óbvio que querem a opção de trabalhar em torno das suas vidas pessoais e não ao contrário. Num inquérito realizado a trabalhadores de escritório em todo o mundo, 93% afirmaram querer definir o seu próprio horário, em comparação com os 81% que queriam flexibilidade de localização, de acordo com um relatório de Fevereiro do Fórum do Futuro, um consórcio liderado pela plataforma de comunicação laboral Slack.
De acordo com Benjamin Granger, psicólogo de saúde e bem-estar no trabalho da empresa de análise de dados Qualtrics, os pais que trabalham são os líderes desta tendência. Depois de trabalharem em casa durante a pandemia, muitas vezes com muito pouco acompanhamento e cuidados infantis, muitos pais começaram a dar prioridade a levar os filhos à escola, assim como a outras obrigações, como espectáculos dos acampamentos de Verão ou recitais da escola a meio do dia de trabalho.
A maior parte dos empregadores, segundo Granger, tem-se mostrado satisfeita em atender a estes pedidos. “A pandemia alterou as expectativas de muitas pessoas sobre o que significa realmente a flexibilidade”, afirmou. “E agora as empresas estão a ter de mudar a sua abordagem para se manterem actualizadas.” Mas alguns empregadores estão a começar a opor-se à noção de que os trabalhadores podem entrar e sair quando lhes apetece.
No mês passado, depois de várias tentativas falhadas de trazer as pessoas de volta ao escritório, o director executivo da Redfin, Glenn Kelman, implementou novas regras: os funcionários da empresa têm de comparecer num “dia inteiro” às terças e quartas-feiras. Foi uma regra incómoda, afirma, mas necessária para que a empresa preserve a sua tradição de colaboração e de reuniões frutíferas.
“O que estávamos a tentar evitar era uma situação de ‘aparecer’, em que alguém vem cá passar umas horas, almoça e volta para casa”, disse. “Não sou pessoa de registar presenças ou marcar pessoas por atrasos, mas queremos que as pessoas se instalem e façam o seu trabalho aqui.”
Kelman insistiu que não está a controlar os empregados, mas também disse que acredita que o plano tem funcionado. As pessoas vêm às terças e quartas-feiras e, crucial, ficam depois do almoço, que consiste em tacos, sushi ou frango frito grátis.
“Não fizemos isto por acharmos que toda a gente ia secretamente para o Disney World durante a semana de trabalho”, disse Kelman. “Apenas sentimos que a nossa cultura não estava a funcionar tão bem. Mas, claro, se tiveres uma consulta no dentista às 15h ou 16h, ou uma reunião de pais e professores, podes ir.”
A happy hour começa mais cedo
Estes novos padrões de horários de trabalho estão a mudar as contas das empresas dos centros das cidades que dependem do ritmo dos trabalhadores de escritório. À medida que os trabalhadores se vão adaptando às novas deslocações, os seus hábitos de consumo também vão mudando em conformidade: estão a tomar o seu café da manhã mais tarde ou as suas cervejas pós-laborais mais cedo.
No Flannery’s Pub, em Cleveland, as happy hours do escritório estão a começar mais cedo, por volta das 15h ou 16h, em vez das habituais 17h, de acordo com o director-geral Sean O’Donnell. Também se tem registado um aumento no volume de negócios com os almoços, com as pessoas a encomendarem comida para levar para o trabalho ou a comerem algo antes de regressarem a casa ao início da tarde. “Pessoalmente, tenho notado mais almoços de negócios com cervejas”, afirmou. “As pessoas entram e saem o dia todo, assim como entram e saem do escritório.”
A mudança nas horas trabalhadas no escritório antecipa uma mudança mais ampla na forma como as pessoas pensam o trabalho, particularmente na indústria tecnológica, onde as refeições gratuitas, salas de jogos luxuosas e um arsenal de lanches e bebidas disponíveis 24 horas por dia tinham como objectivo manter os trabalhadores no escritório muito mais tempo. Agora, essas regalias perderam o seu brilho, com muitos trabalhadores a aperceberem-se de que preferem comer, jogar videojogos e, sim, trabalhar, em casa.
“Todos aqueles pensos rápidos fáceis, as mesas de bilhar, os jogos e os frigoríficos de cerveja, que supostamente nos prendiam a este edifício, já não nos interessam”, diz Sarah G., 36 anos, redactora de uma grande empresa de tecnologia em Los Angeles, que pediu para ser identificada pelo nome próprio e pela última inicial, porque teme perder o emprego. “Este sítio parece uma cidade-fantasma.”
Quando lá vai, é para comer de graça, quando a empresa oferece bagels às quartas-feiras e almoços às quintas-feiras, ou pelo ar condicionado, que falta no seu estúdio. Mas mesmo assim nunca fica um dia inteiro. “Se fico até às 17h? Nem pensar”, diz. “Vou lá umas horas, fico a almoçar, depois volto para casa e vou ver o meu cão. Somos os dois mais felizes desta forma.”
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post