Eles tiveram as médias mais altas. Pensaram no emprego ou no que gostavam?

Da Engenharia ao Direito, o que une os alunos com as médias mais altas dos seus cursos? Quase todos dizem que a empregabilidade não é o que mais importa — os sonhos e os gostos, sim.

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Chloé Romão entrou na licenciatura de Engenharia Informática e de Computadores no Instituto Superior Técnico com média de 19,95 Nuno Ferreira Santos
NEG - 29 AGOSTO 2023 - maria eduarda magalhaes melhor media de entrada na faculdade direito
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Maria Eduarda Magalhães entrou em Direito, na Universidade do Porto, com média de 20,0 Nelson Garrido
NEG - 30 AGOSTO 2023 - DANIEL COSTA ALUNO COM MEDIA DE 20 PARA ENTRADA NA FACULDADE
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Daniel Costa vai estudar Matemática, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto Nelson Garrido
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Carolina Cunha quer ser médica desde que se lembra. No passado fim-de-semana, depois de três anos de trabalho árduo “sempre com vista a esse objectivo” — e que lhe valeram a média de ingresso de 19,6 valores em 20 —, recebeu o e-mail que mais esperava. O sonho começará a materializar-se a meados de Setembro, na Universidade do Minho.

A média da jovem de Guimarães está entre as mais altas de Portugal. Como sempre teve um objectivo bem delineado, desde cedo soube que tinha de se esforçar: “O estudo e a escola sempre foram das minhas prioridades, porque sabia que tinha de trabalhar para conseguir entrar no curso”, diz, em entrevista ao P3.

A jovem, que estudou Ciências e Tecnologias na Escola Secundária Martins Sarmento, desvenda alguns dos seus segredos para o sucesso: “Ajuda começar a estudar com antecedência e não na véspera. Assim dá para fazer de tudo. Eu pratiquei natação, também tenho aulas de guitarra e gosto de fazer exercício físico — acho que é uma coisa que ajuda a libertar do stress que o estudo pode causar”, refere.

José Seara é outro dos que conseguiram uma média que lhe permitia escolher o que quisesse. Terminou o secundário na Escola Secundária D. Sancho I, em Famalicão,​ com 19,7 de média e isso abriu-lhe as portas da licenciatura em Engenharia Aeroespacial na Universidade do Minho — o curso com a média de ingresso mais alta deste ano. E tudo sem nunca pôr as notas à frente da saúde mental: “Sempre procurei não exceder o limite.” “Uns jogos de padel e umas peladinhas entre amigos” foram bons para desanuviar, admite, com um sorriso na cara.

Na hora de decidir, “a meio do 12.º ano”, pesou o gosto pelos temas que espera abordar no curso e as perspectivas de emprego. “Vi que este curso era mais indicado para o que eu queria, porque seguia muito a vertente da Físico-Química e da Matemática. Mas claro que não posso ignorar o peso que a empregabilidade teve na decisão”, explica.

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Carolina Cunha entrou em Medicina, na Universidade do Minho DR

Para lá da Medicina e das Engenharias

Ano após ano, há presenças que se tornaram habituais nas listas de cursos com mais alta média de ingresso (ou seja, a nota do último estudante colocado): Engenharias, Medicina, alguns cursos de Direito ou Arquitectura. Mas ter uma média alta não implica escolher necessariamente uma dessas áreas.

Que o diga Daniel Costa. O jovem de Ermesinde, que estudou no colégio da cidade, conseguiu a proeza de ter uma média de ingresso de 20, que, em teoria, lhe abriria as portas de qualquer curso que quisesse. E a escolha recaiu em Matemática, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.

“Matemática é realmente aquilo de que gosto. E penso que o meu raciocínio, que é mais lógico, está mais adequado à Matemática do que propriamente a uma Medicina ou Engenharia”, justifica. “Acho que fiz a escolha certa, é o adequado para mim.”

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Daniel Costa vai estudar Matemática: "É a escolha certa para mim" Nelson Garrido

Há mais casos de pessoas que escolheram o curso por amor. No primeiro lugar da lista de colocados da licenciatura em Ciências Musicais, na Universidade Nova de Lisboa, está o nome de Beatriz Sobralinho, de 19 anos, que estudou na Escola Secundária du Bocage, em Setúbal. Não é a primeira vez que o seu nome aparece numa lista destas — na verdade, é a terceira vez que se candidata ao ensino superior. Já passou por Engenharia Biomédica e Medicina nos dois anos lectivos anteriores, mas nenhum destes cursos a apaixonou. Candidatou-se apenas para não “desperdiçar” a média de 18,8 valores, admite.

“No primeiro ano, entrei em Engenharia Biomédica no Técnico, e não gostei, não era para mim. Sempre quis Medicina, então no segundo ano entrei na Nova. Também não era para mim. Mas, de facto, a música sempre foi uma grande parte da minha vida. Só que, como eu tinha tal média alta, ia estar a desperdiçá-la.”

No fim da licenciatura, Beatriz planeia juntar a música à saúde e especializar-se em Musicoterapia. A estudante tem o 8.º grau de violino, teve formação musical até ao 9.º ano, toca piano, guitarra, saxofone, bateria e compõe música em casa, no computador. O caminho, diz, em retrospectiva, sempre foi óbvio, ela é que escolheu não o ver. “Há sempre aquele estigma de que o artista não ganha nada e que a vida é incerta. Como se houvesse vida certa, não é? Há aquela pressão social de ir para Medicina, porque o médico é que é prestigiado. O músico, pronto, é só mais um...”

Se possível, o melhor é ficar perto de casa

Em nenhuma das suas três candidaturas a jovem setubalense pôs em cima da mesa ir para mais longe do que Lisboa. Apesar de ter o objectivo de um dia ir viver para outro país (o Erasmus é uma opção que menciona com claro entusiasmo na voz), refere que não fazia sentido ir estudar para outra cidade quando tem o que procura tão perto. No entanto, reconhece que existem casos em que os custos elevados se sobrepõem aos sonhos, e há estudantes que não podem seguir um curso de que gostem por limitações económicas.

Em Portugal, arrendar um quarto custa, em média, 349 euros. Em grandes centros urbanos como Lisboa e Porto, os preços são ainda mais altos — 450 e 425 euros, respectivamente. Logo, não é de estranhar que os estudantes façam contas à vida mesmo antes de saírem as colocações.

Jeni Chen considera-se uma pessoa de sorte. Com uma média de 19,95, a jovem de Rio Tinto, filha de pais chineses, que estudou no Colégio Paulo VI em Gondomar,​ vai rumar a Lisboa para estudar Engenharia Aeroespacial no Instituto Superior Técnico. Tudo porque os pais lhe deram liberdade total para estudar onde quisesse.

“Os meus pais sempre me apoiaram muito nos estudos. O meu pai sempre me disse que não era preciso preocupar-me com dinheiro, desde que fosse usado para seguir os meus sonhos”, explica. Ainda assim, a jovem de 18 anos não está alheada do custo de vida em Lisboa: “Se calhar, prefiro ficar numa residência, desde que tenha uma casa de banho para mim, porque o preço de um apartamento é um bocado elevado.”

A questão económica não é a única razão para se querer ficar mais perto de casa. Para Carolina Cunha, que vai estudar em Medicina no Minho, “mesmo que os preços fossem mais baixos”, ficar perto da família continuaria a ser uma prioridade. Já para Daniel Costa, que escolheu Matemática, pesou o facto de “a maioria dos amigos” ficar no Porto — por isso vai manter-se no mesmo distrito.

Vir de uma escola privada faz diferença? Os receios são os mesmos

Chloé Romão estudou no Liceu Francês Charles Lepierre, em Lisboa, do primeiro ao 12.º ano. Com uma média de 19,95, foi a primeira colocada na licenciatura de Engenharia Informática e de Computadores no Instituto Superior Técnico. A jovem elogia o acompanhamento dentro e fora das aulas que o liceu lhe proporcionou, mas reconhece que, por ter estudado numa instituição com características tão particulares, vai ter alguns desafios pela frente: “Vim do ensino em que é tudo em francês. Todas as palavras que conheço, por exemplo, ligadas à Matemática ou à Física são em francês”, ilustra. Por isso está preparada para a possibilidade de as notas não serem tão altas como aquelas a que está habituada.

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Maria Eduarda Magalhães estudou no Colégio de Nossa Senhora da Esperança Nelson Garrido
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Chloé Romão estudou no Liceu Francês Charles Lepierre Nuno Ferreira Santos

Maria Eduarda Magalhães, que entrou em Direito na Universidade do Porto com média redonda de 20 valores, também veio do ensino privado — mais precisamente do Colégio de Nossa Senhora da Esperança, também no Porto​. E também refere que descer a média é uma possibilidade: “Estar habituada a ter notas tão altas e ter uma mudança tão drástica pode influenciar”, admite. Porém, é com um brilho nos olhos que fala da “mudança, os novos ares e as novas pessoas” que vai encontrar. Há mudanças que vêm por bem.

Pronta para viver a quase 300 quilómetros dos pais, Jeni Chen não se assusta com a perspectiva de viver sozinha numa nova cidade. É mais uma etapa “natural”, descreve. Tendo estudado no mesmo colégio desde o primeiro ano, teme mais pela nova realidade dentro da sala de aula: “Uma coisa que me assusta é poder ser muita matéria [para estudar]. E também, pelo que ouço, os professores não estão tanto a par dos alunos...”

Desengane-se quem acha que estas preocupações são exclusivas de quem vem do ensino privado. José Seara, que estudou sempre numa escola pública, vê a entrada na Escola de Engenharia da Universidade do Minho como “um reset”. Não nega o receio, mas sente-se, ao mesmo tempo, entusiasmado com o desconhecido.

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Jeni Chen teve média de 19,95 e entrou em Engenharia Aeroespacial no Instituto Superior Técnico DR

Para Beatriz, o ensino superior não é um mistério — já passou por duas outras experiências. Na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Nova, quer aprender mais sobre música, conhecer profissionais e colegas que sejam tão “viciados” em música como ela e aprender com estudantes de outros cursos. Fica “um bocadinho ansiosa” com a possibilidade de voltar a não gostar do curso, mas não deixa que isto a paralise. “Parece que estou a descobrir o que é que não quero, até chegar àquilo que quero. Sim, tenho receio de não gostar, mas estou mesmo muito entusiasmada com o curso”, diz.

Como se tem média de 20? A estudar bem, não a “marrar”

Todos os anos há quem tenha médias muito altas e todos os anos se procuram receitas mágicas para o sucesso. Não as há, dizem os seis estudantes com quem o P3 falou. Só há estudo metódico e organizado e uma boa dose de autoconhecimento.

No caso de Chloé, que no Liceu Francês tinha, em vez das cinco disciplinas do ensino secundário regular, mais de dez para estudar, a hierarquização das prioridades foi essencial: “Com horários carregados, não dá para fazer tudo”, afirma. Tenho de escolher a quantidade de mim que quero dar a cada coisa.”

“Acho que o principal é ter um estudo consistente e estudar bem, não é estudar muito. Talvez uma hora por dia nos cinco dias da semana seja melhor do que estudar cinco horas no dia anterior” à prova, aconselha Daniel Costa. Com um 20 redondo a disciplinas como Português e Matemática, defende o equilíbrio entre estudo e diversão. E deixa um conselho: “Esforça-te, estuda bem, mas também não abdiques do tempo livre e daquilo que tu gostas de fazer, porque também é importante para poder ter um bom desempenho.”

Por último, é importante confiar nas suas próprias capacidades e não desistir dos objectivos — sim, mesmo quando é ter média de 20 —, refere Chloé: “Se outras pessoas conseguem, eu também consigo.”

Artigo alterado às 11h56 de 1 de Setembro para corrigir citação

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