Mais de metade das estações de esqui europeias correm um alto risco de falta de neve, considerando um cenário de subida da temperatura global até perto dos 2 graus Celsius (em relação aos níveis pré-industriais). Esta é uma das conclusões de um artigo publicado esta segunda-feira na revista científica Nature Climate Change.
Os cientistas avaliaram as mudanças na cobertura de neve em dois cenários de subida dos termómetros globais: 2 graus Celsius e 4 graus Celsius. E concluem que, sem recorrerem à neve artificial, 53% e 98% das estâncias enfrentam, respectivamente, consoante o cenário climático, um risco bastante elevado de não conseguir garantir a extensão e quantidade adequada de neve para a prática desportiva (ainda que haja variações regionais nesses resultados).
“O estudo de [Hugues] François e colegas fornece informações detalhadas para os decisores políticos, investidores e para o sector do turismo, incentivando as partes interessadas a reconsiderarem se é sensato manter uma elevada dependência do turismo de Inverno em certas áreas”, escreve o investigador Paul Peeters num comentário ao estudo, publicado na mesma edição da revista Nature Climate Change.
Paul Peeters argumenta que a manutenção deste sector turístico dependente da neve exige não só investimentos adicionais em termos de energia renovável, mas também um consumo adicional de água em áreas montanhosas que, muitas vezes, “já estão pressionadas pela escassez hídrica e vulneráveis ecologicamente”.
Por outras palavras, o funcionamento futuro das estações de esqui pode encerrar uma contradição irresolúvel: para continuarem a operar, precisam de fabricar neve, o que gera emissões e consome recursos preciosos – água e electricidade –, contribuindo para a mesma crise climática que ameaça este sector. Refira-se, contudo, que hoje a maior fatia da pegada carbónica do sector corresponde ao transporte aéreo e a acomodação dos turistas (e não ao fabrico de neve).
“Mesmo que se preveja que uma parte substancial das estâncias de esqui europeias ainda consiga operar a 2 graus Celsius de aquecimento global, a capacidade dos destinos de turismo de esqui, como um todo, de alcançar a sua quota de redução de emissões de gases com efeito de estufa necessária para permanecer abaixo deste nível de aquecimento global é um grande desafio”, escrevem os autores na conclusão do artigo da Nature Climate Change.
2234 estâncias em 28 países
Não é uma novidade que a crise climática trouxe um desafio para o sector dedicado ao esqui. As áreas montanhosas cobertas por neve estão a diminuir e, com elas, a probabilidade de os negócios que giram à volta desta prática desportiva continuarem a prosperar.
A mudança do clima tem contribuído para o aumento do número anual de dias em que, por falta de neve natural, não é possível esquiar. Este ano, por exemplo, numa estância na vila suíça de Gstaad, só 16 de 70 pistas de esqui abriram na primeira semana de Janeiro. Já na comuna de Leysin, de acordo com a agência Reuters, foi mesmo necessário colmatar a pista com neve artificial.
O que o estudo da Nature Climate Change traz de novo é não só o cálculo em larga escala do risco que as pistas europeias enfrentam – foram consideradas 2234 estâncias de esqui em 28 países, da Islândia à Turquia –, mas também o potencial e o impacto carbónico da produção de um “manto branco” artificial.
“O impacto ambiental do turismo de esqui é frequentemente analisado em termos de demanda de água e electricidade para produção de neve, mas apenas alguns estudos fornecem estimativas quantitativas, e na maioria das vezes em escala local”, afirmam os autores no estudo, sublinhando a originalidade do artigo.
Fabricar neve artificial
Para oferecer aos turistas a garantia de que haverá neve suficiente para a prática desportiva – e, assim, manter o negócio, sem quebrar a confiança dos clientes –, os proprietários de estâncias de esqui tendem a investir cada vez mais na produção artificial. Esta decisão implica, contudo, um custo maior (tanto operacional como ambiental em termos de consumo de água e energia). Acresce que possuir máquinas para fazer neve não significa que podemos produzi-la sempre que desejarmos – se estiver demasiado quente, a neve derreterá ou terá pior qualidade.
Os autores avaliaram os potenciais impactos da produção de neve – embora, nessa análise específica, não o tenham feito em larga escala, concentrando-se nos dados oriundos de estâncias individuais em algumas áreas da Europa. A definição de falta de neve teve em conta, por exemplo, dados históricos.
“Definimos condições de escassez de neve como os piores 20% dos anos em termos de neve natural tratada encontrados durante o período de referência de 1961 a 1990 – a idade de ouro do desenvolvimento da maioria das estâncias de esqui na Europa. Este valor limite de 20% é específico para cada unidade turística de esqui”, explicam os autores num artigo publicado na plataforma Carbon Brief.
Nesse cálculo, os cientistas analisaram as diferentes percentagens de estações de esqui que recorrem à neve artificial e os recursos que consomem para tal. Concluíram que, considerando que a neve fabricada é aplicada em 50% da área das pistas, a fracção de unidades com actividade em risco é reduzida, pelo menos até certo ponto. Ainda assim, 27% e 71% das unidades turísticas ainda seriam afectadas por uma escassez substancial de neve em cenários de 2 e 4 graus Celsius de sobreaquecimento global, respectivamente.
As conclusões do estudo indicam que a criação de neve artificial constitui um factor de pressão na demanda hídrica e eléctrica, fazendo ainda disparar as emissões de dióxido de carbono em estâncias capazes de fabricar neve para as pistas.
“Esta produção de neve pode reduzir o risco de escassez de neve em algumas regiões, mas também acelerar o aquecimento global devido à sua demanda energética”, escreve no artigo de análise Paul Peeters, cientista do Centro para o Turismo e Transporte Sustentável da Universidade de Breda, na Holanda, que não esteve envolvido no estudo.
Os autores sublinham que estas previsões para a produção de neve baseiam-se em modelos que simplificam algumas variáveis – e, por isso, as conclusões não podem ser vistas como dados definitivos, até porque há incertezas na própria trajectória climática. Apesar destas limitações, os cientistas acreditam que as conclusões fornecem informações sobre as relações entre a adaptação e a mitigação das alterações climáticas neste sector.