“Um Inferno” no Chiado

Na estação Baixa-Chiado é necessário vencer mais de 200 degraus para chegar ou sair do local. Os quatro lanços descendentes das escadas rolantes estão em obras e dois ascendentes estavam avariados.

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Entrar ou sair da estação da Baixa-Chiado é uma tarefa difícil MATILDE FIESCHI?
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Quinta-feira passada: ainda não são 11h e as ruas e esplanadas da Baixa lisboeta já estão cheias de turistas. Os termómetros indicam 31 graus. Na Rua do Crucifixo, dezenas de homens e mulheres descansam à sombra oferecida pelos prédios ou pelo início do túnel do metro, numa das entradas da estação da Baixa-Chiado.

Um pouco à frente, dois grupos de escadas mecânicas, habitualmente chamadas "escadas rolantes", servem a estação. As quatro vias (duas para subir e duas para descer) nos dois lanços de escadas estão a funcionar normalmente. Igualmente disponível e funcional está o elevador de parede junto às escadas para quem precisa de usar cadeira de rodas.

O túnel que leva os passageiros à base da estação ou para a entrada situada no Largo do Chiado também está cheio de gente, muitos turistas, mais também muitos portugueses.

Junto ao primeiro lanço de escadas, a escada rolante para subir está a funcionar, mas a que desce não. São 51 os degraus que os que vão apanhar o metro têm de vencer neste lanço.

Já no segundo lanço de escadas de pedra e de rolantes, o que sobe está igualmente a funcionar, mas o que desce não. Essa escada nem se vê, já que os tapumes das obras em curso tapam-lhe a visibilidade. O mesmo acontece nas escadas mecânicas dos outros dois lanços mais acima. No terceiro lanço, as escadas rolantes para subir também estavam fora de funcionamento.

A descer na escadaria de pedra vem Maria Silva, 64 anos. Ampara, segurando-lhe o braço direito, a sua irmã, Manuela, 66, anos, que se apoia numa bengala de madeira na mão esquerda. Quando o PÚBLICO as interpelou, já tinham descido, com grandes dificuldades, 181 degraus. Ainda lhes faltam mais 51 do quarto e último lanço, para quem desce, e pouco mais de duas dezenas para chegarem à plataforma onde vão tomam a carruagem.

“Isto é uma absoluta vergonha. Há muito tempo que há sempre escadas rolantes avariadas. Agora, as que descem estão em obras, mas, antes das obras, também estavam sempre avariadas. Uma vergonha”, repete Maria, que mora com a irmã na zona do Bairro Alto e precisa de usar o metro “muitas vezes para irem aos médicos fazer tratamentos ou visitar familiares”.

Em tempos iam a pé apanhar o metro na Rua do Crucifixo, mas a sua irmã “tem muitas dificuldades a andar nas descidas, algumas delas muito acentuadas”. “Já fizemos queixas à câmara municipal e ao metro, mas não serviu para nada. Não nos deram qualquer explicação para esta pouca-vergonha”, acrescenta Maria.

A sua irmã Manuela diz que começa a pensar “no sarilho” que tem de passar sempre que tem de usar o metro. “Tenho muito medo e fico muito cansada, mas temos mesmo de andar no metro, porque não temos meios para outros transportes”, revela.

No quarto lanço, para quem sobe, a via ascendente estava igualmente avariada. Galgados os 51 degraus, é ainda preciso subir mais 27 para chegar ao Largo do Chiado.

Luz Reis, 34 anos, tem vista privilegiada para o topo da longa escadaria. Esta argentina, que está há quatro anos em Portugal, trabalha há três no quiosque que fica a pouco mais de 50 metros do que chama “um Inferno”. “Não imagina o número de pessoas que ouço todos os dias a queixar-se. Sobretudo portugueses que moram por aqui, muitos deles idosos, mas também muitos estrangeiros que, após saírem das escadas, correm para aqui para comprar uma água”, conta.

“Outro problema”, continua, “é que há muitos estrangeiros a subir e a descer com muitas malas.” “Alguns deles chegam cá acima com a cara toda vermelha do cansaço”, acrescenta.

Álvaro Pérez, 31 anos, vive na capital espanhola, Madrid, e veio passar uma semana de férias a Lisboa, na companhia da sua mulher, María, 30 anos. Estiveram instalados num alojamento local, no Bairro Alto, e naquela quinta-feira iam apanhar o metro para o aeroporto para regressarem a casa.

Álvaro transporta uma mochila que lhe tapa todas as costas e transporta ainda uma mala cor de laranja de rodas de tamanho grande. Maria segura em dois sacos. Não repararam nos dois cartazes colocadas à entrada da escadaria, que, em português e inglês, avisam que “as escadas mecânicas descendentes estão fora de serviço”.

Quando lhes dizemos que terão de transportar a bagagem ao longo de mais de 200 degraus, espantam-se, até porque, revelariam depois, é a primeira vez que iam usar o metro. “Deve estar a brincar comigo”, diz Álvaro, para logo a seguir perguntar se não há um elevador que os leve à base da estação. “Não, não há”, dizemos-lhes. Pega na mala cor de laranja e avança para a descida, depois de afirmar: “Um país que tem tantas coisas boas tinha de guardar uma coisa má para a despedida.”

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