A história das mulheres no hip-hop está a passar na televisão

A cultura que celebrou 50 anos no dia 11 de Agosto não é apenas masculina. Uma série documental da Netflix, Ladies First: A Story of Women in Hip-hop, conta o outro lado desta história.

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Queen Latifah em Ladies First: A Story of Women in Hip-Hop DR
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Os 50 anos do nascimento do hip-hop foram assinalados a 11 de Agosto, a data que se convencionou como Dia D da criação do movimento no Bronx, em Nova Iorque. Mas muitas comemorações deixaram de fora uma parte essencial desta cultura: as mulheres. Dois dias antes, a Netflix estreou Ladies First: A Story of Women in Hip-hop, uma série documental de quatro episódios de 45 minutos que foca alguns nomes que estiveram lá desde o início, mesmo que não tenham tido o devido reconhecimento na altura, ou que não tenham ficado para a posteridade. Idealizada pelas produtoras executivas Carri Twigg e Raeshem Nijhon, que também realiza, esta narrativa quer colmatar essa falha e celebrar, acima de tudo, as rappers.

Sem seguir uma cronologia, a série saltita entre tópicos, todos dedicados exclusivamente ao hip-hop americano. Entre as cabeças falantes, surgem inúmeras caras importantes. Há pioneiras como Sha-Rock, dos Funky 4+1, amplamente apontada como a primeira MC, Roxanne Shanté, nome fundamental das batalhas de rap, ou MC Lyte, a primeira rapper a gravar um álbum a solo. Há também ícones como Queen Latifah, que extravasa o mundo do hip-hop, sendo conhecida por pessoas que nem sequer sabem o significado da palavra rapper, ou Monie Love (a colaboração entre as duas, Ladies First, dá o nome à série). Juntam-se-lhes Da Brat, a primeira rapper a solo a chegar à platina, Rah Digga e Remy Ma, respectivamente, as “primeiras damas” dos seus respectivos colectivos, a Flipmode Squad de Busta Rhymes e a Terror Squad de Big Pun e Fat Joe, bem como estrelas recentes, entre as quais Saweetie, Latto, Chika, Tierra Whack ou Kash Doll. Pelo meio, surgem ainda Yo-Yo, Bahamadia ou Rapsody, que é também a narradora. Há algumas ausências de peso, como as de Lil’ Kim, Foxy Brown, Missy Elliott, Nicki Minaj, Cardi B ou Megan Thee Stallion, mas as suas histórias não são esquecidas.

Além das MCs, surgem também académicas, jornalistas e executivas. Assistimos a depoimentos de pessoas como a autora e professora Kathy Iandoli, a estilista April Walker ou a radialista e ex-rapper Angie Martinez, que colaborou com Lil' Kim, Missy Elliott, Lisa "Left Eye" Lopes e Da Brat no clássico Not tonight (Ladies Night Remix), de 1997. Ou Dee Barnes, apresentadora de um dos primeiros grandes programa de hip-hop televisivos, e que em 1991 foi agredida brutalmente por Dr. Dre, à altura membro dos NWA, apenas por ter entrevistado o seu ex-colega e rival Ice Cube. Esse episódio, que ficou de fora do filme biográfico dos NWA, Straight Outta Compton, e nunca foi negado por Dre, é aqui abordado.

É dos momentos mais tristes da série, aquele em que Barnes agradece a dream hampton, jornalista, activista, autora e realizadora (é ela quem assina o episódio) por ter mantido a história viva na imprensa. Mas há outros momentos de denúncia, como a revelação de Latto de que um rapper lhe exigiu que tivesse sexo com ele para autorizar que uma participação sua no disco dela fosse para a frente, ou as histórias de homofobia, em que ainda assim não se vai muito a fundo. Algumas das vozes que se ouvem são abertamente lésbicas, como Da Brat, Chika ou Queen Latifah – cuja orientação sexual sempre foi alvo de especulação mas não é directamente abordada em Ladies First: A Story of Women in Hip-hop. Tal como não se aborda a homofobia demonstrada em letras de, por exemplo Remy Ma.

Fica-se ainda a conhecer a história da executiva Drew Dixon, que teve a ideia de juntar Method Man a Mary J. Blige para o influente dueto I'll be there for you/You're all I need to get by e não foi sequer creditada. O vilão, aí, é nomeado: Russell Simmons, fundador da editora Def Jam, que em 2017 foi acusado por inúmeras mulheres, incluindo Dixon, de violência sexual. Esse desenvolvimento, contado no documentário de 2020 On the Record, é mantido fora desta história. Aqui, o tom geral é de celebração e de reivindicação do espaço histórico que as ladies do hip-hop merecem.

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