Um tributo às árvores

Fomos surpreendidos com a decisão ministerial de permitir o abate de cerca de 1800 sobreiros. A perda de uma árvore, especialmente as mais velhas, é uma ferida que se estende muito além da copa.

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Um estudo recente assinala a existência de cerca de 60 000 espécies de árvores no planeta, sendo que 30% estão actualmente em risco de extinção, o que representa o dobro de espécies ameaçadas a nível global face ao conjunto de mamíferos, aves, anfíbios e répteis em risco. Ainda segundo este estudo, mais de 440 espécies de árvores estão muito perto da extinção, existindo menos de 50 indivíduos na natureza. Se tivermos em conta as alterações climáticas e os impactos associados, assim como a maior frequência e severidade de fogos florestais, é provável que este quadro de perda evolua agora mais rapidamente.

A sociedade reconhece hoje a importância das árvores enquanto garante de um conjunto de bens e serviços indispensáveis ao bem-estar humano. Das políticas públicas também se espera uma crescente mudança em favor das árvores, entre outras razões por que as florestas protegem a biodiversidade e são importantes sumidouros de carbono, absorvendo e sequestrando gases com efeito de estufa. Nas cidades, as árvores mitigam o calor, absorvem a poluição, melhoram a qualidade do ar, facilitam o escoamento das águas pluviais, evitam a erosão, melhoram a saúde física e mental das pessoas e asseguram habitat para a vida selvagem. As árvores são um bem público.

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"Fomos surpreendidos com a decisão ministerial de permitir o abate de cerca de 1800 sobreiros, apesar de se tratar de uma árvore com estatuto de conservação" JAN BUTCHOFSKY/ GETTYIMAGES

Apesar deste reconhecimento, é surpreendente a ligeireza com que ainda se decide abater uma árvore. Desde logo, a sua condição de ser vivo justificaria outra ponderação, mas as árvores são facilmente ignoradas e tratadas como objectos sem vida. Há muitas explicações para esta atitude, sendo comum designar-se por "cegueira das plantas", ou seja, uma tendência natural para se preterir as plantas em favor dos animais que se movem, falam, captam a nossa atenção. Em particular, uma afeição pelos mamíferos maiores e mais carismáticos, mas mesmo as formigas recebem mais atenção do que as plantas hospedeiras.

Chamar a atenção para plantas e árvores é sempre um enorme desafio.

Como podemos instituir um mundo onde as árvores realmente importam? Podemos (e devemos) insistir na salvaguarda dos múltiplos benefícios que as árvores garantem, individual e colectivamente, mas não basta. Há mesmo quem reclame por uma nova ética das árvores; um sentido colectivo do que devemos às árvores e às florestas, e as nossas obrigações para com elas. Invoca-se o dever de reconhecer os imensos benefícios públicos que proporcionam e de as tratar com cuidado e respeito.

Estes dias, fomos surpreendidos com a decisão ministerial de permitir o abate de cerca de 1800 sobreiros, apesar de se tratar de uma árvore com estatuto de conservação particular e com relevância visível para a economia nacional. Outros confrontos se seguirão, entre a conservação dos valores naturais e as soluções impostas pela transição energética, obrigando a edificar um quadro ético mais sólido, em que a árvore ocupará um lugar vital. A perda de uma árvore, especialmente de árvores mais velhas, é uma ferida que se estende muito além da copa, dos ramos ou da raiz de um indivíduo.

As árvores são seres vivos extraordinários. As árvores mais antigas e maiores, podem mesmo ser acolhidas como elementos vivos da nossa comunidade, dignas de protecção e tributo. Ao longo da história, em todas as geografias, as pessoas olharam sempre para a árvore com respeito perante a sua imprescindibilidade à vida.

Todos reconhecemos o papel das árvores para o equilíbrio dos solos da floresta, para a sustentabilidade do ciclo hidrológico, e o seu desempenho como fonte de alimento, oxigénio e como sumidouro de carbono. As árvores também proporcionam segurança sob a forma de abrigo, e uma sensação de lugar — de enraizamento. Florestas e árvores inspiraram obras de literatura, arte e arquitectura.

Hoje invoca-se a função da árvore para justificar a sua conservação, mas a árvore merece um estatuto especial no coração dos seres humanos. Percebemos o seu lugar na nossa História e a sua importância para o equilíbrio ecológico dos ecossistemas, mas também reverenciamos a imponência, a excepcional capacidade de sobrevivência e a singularidade estética e funcional de um dos seres vivos mais notáveis do planeta.