Num ano, o preço dos quartos para arrendar a estudantes subiu mais de 10%

Arrendar um quarto custa, em média, 349 euros. Em Lisboa e no Porto ascendem a mais de 400 euros. Associações académicas pedem respostas rápidas e propõem um Porta 65 para estudantes.

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Oferta de quartos privados para alojamento estudantil tem vindo a diminuir André Rodrigues/Arquivo
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Quando as notas dos exames nacionais saíram, Miguel Dinis quis precaver-se e começou a procura por um quarto. Se tudo correr como o previsto, a média confortável permitir-lhe-á a entrada no curso de Economia da Nova School of Business and Economics, em Carcavelos. A morada mudará de Leiria para Lisboa, por isso o estudante de 18 anos fez-se às inúmeras plataformas online de arrendamento, com a missão de encontrar “um quarto em que o preço-qualidade fosse realmente uma coisa aceitável”.

Não foi fácil. Obrigou a várias vindas de propósito a Lisboa para ver quartos e a umas tantas desilusões. “Andava a falar com uma senhora há muito tempo sobre um quarto em Alcântara e fui vê-lo. O preço estipulado era de 500 euros, eu tinha ficado interessado e disse à senhora que estava inclinado a aceitar. No dia seguinte, recebi uma chamada a dizer que o preço tinha aumentado, que era agora de 550 euros e partilhado”, recorda.

Quando há dois meses começou esta busca, tinha alguma noção do que o esperava. “Sabia que havia casas com preços realmente altos, mas achava que havia mais qualidade nos quartos e por isso se justificava o preço. Não tinha ideia de que eram assim com tão má qualidade”, diz.

No último ano, o preço de quartos e apartamentos destinados a estudantes subiu 10,5%, segundo revela o último relatório do Observatório do Alojamento Estudantil, publicado no início de Agosto. O preço médio por quarto em Portugal rondava os 349 euros. Havia 2892 quartos disponíveis, segundo a recolha e análise feitas em mais de 20 portais imobiliários e sites de agências do sector sobre a oferta privada de quartos e casas para estudantes nas 20 capitais de distrito.

Se a média nacional se situa nos 10,5%, na larga maioria dos distritos essa subida foi superior, havendo aumentos que chegam aos 33%, como em Portalegre. As excepções são Beja, Bragança e Porto, onde o aumento nos preços ficou abaixo dos 10%. No entanto, arrendar um quarto no Porto custa, em média, aos estudantes 425 euros por mês. Na capital, chega aos 450 euros. Além de serem as mais caras, é também nestas duas cidades que há mais oferta de alojamento.

Mas há outros municípios onde os custos com o alojamento estudantil assumem valores elevados, como Setúbal (350 euros), Faro (339 euros) ou Aveiro (320 euros), revela a análise do Observatório do Alojamento Estudantil, que é publicada pela Direcção-Geral do Ensino Superior (DGES) e “operacionalizada” pela Alfredo Real Estate Analytics, uma start-up portuguesa que nele trabalha há três anos.

PÚBLICO -
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“O que verificamos é que desde Agosto de 2021 tem havido uma queda na oferta", nota Guilherme Farinha, um dos fundadores desta start-up. Nesse ano, eram cerca de 108 mil os estudantes deslocados pelo país, cerca de 33% dos inscritos no ensino superior público.

Em Setembro passado, o PÚBLICO dava já nota disso: num ano, de Setembro de 2021 para o mesmo mês de 2022, a oferta caiu 80%. Guilherme Farinha confirma o cenário. “Em Setembro de 2021 havia quase 1700 quartos disponíveis em Lisboa. Agora temos 689 quartos em Lisboa, ou seja, 60% menos quartos disponíveis do que havia há dois anos”, refere.

As residências públicas não entram nestas contas, assim como os anúncios que são publicados, por exemplo, em grupos no Facebook. Mas há algumas residências privadas que entram nestes números.

"Um achado" por 500 euros

Miguel queria ficar em Lisboa, ali por Alcântara, para estar próximo de amigos que estudam em Lisboa e não muito longe da universidade. Durante a sua busca perdeu-se em mensagens trocadas com senhorios: uns nunca chegaram a responder, outros apresentaram-lhe quartos caríssimos com péssimas condições. “Encontrei quartos que eram minúsculos. Basicamente, tinham uma cama e uma mesinha de cabeceira. Às vezes em apartamentos com 14 pessoas e quatro ou cinco casas de banho, a pedirem 550 euros. E apartamentos em que os quartos foram improvisados na sala. Coisas assim mesmo absurdas, ridículas, a pedirem 500, 550, 600 euros”, conta Miguel.

Passados dois meses, Miguel encontrou o seu espaço, que custará mensalmente cerca de 500 euros por mês, mais as despesas mensais, que serão cobradas à parte. Será partilhado apenas com uma pessoa e terá limpeza dos espaços. Ainda assim, já respira de alívio. “Foi mesmo um achado.”

Os últimos dois meses têm sido uma saga semelhante para Alexandra Freitas, que está a terminar a licenciatura no Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto (ISCAP). É de Guimarães e sempre viveu no Porto desde que entrou para o curso. Teve a "sorte" de viver com duas amigas com quem conseguiu arrendar uma casa e partilhar despesas. O senhorio renovou-lhes o contrato, uma e outra vez, mas quando o último terminou apresentou-lhes uma subida de renda dos 600 para os 900 euros. Isso faria com que cada quarto lhes passasse a custar 300 euros a cada uma, sem contar com as despesas.

“Quando fomos para lá a casa não tinha nada. Eram as paredes e os móveis da cozinha. Nem fogão tinha.” Por isso, deixaram a casa e começaram a procurar. Passou dois meses a percorrer sites e grupos de Facebook. Chegou a ver quartos a 750 euros. “Está impossível, visto que neste momento para arrendar um T2 ou um T3 no Porto é preciso praticamente dois mil euros. Os T2 neste momento custam 1200, 1000, por aí. É completamente ridículo”, diz a estudante. Às vezes encontra T2 a 900 ou a 1000 euros. “Mas mesmo assim pagar basicamente 500 euros por um quarto sem despesas incluídas torna-se um pouco impossível, não é verdade?”

Viram “muitas, muitas casas”, ainda mais anúncios. Perante isto, abandonou a ideia de arrendar uma casa e passou a procurar quartos. Na semana passada conseguiu um “minimamente acessível”. “Vou pagar 250 euros e um amigo que também vai para lá vai pagar 220.” Essas contas incluem as despesas com a Internet. Mais nenhuma. “A casa não é nada demais, nem tem sala. O quarto do meu amigo nem tem roupeiro. Foi a solução que arranjámos, visto que também não estamos propriamente numa de nos armarmos em esquisitos”, diz a estudante.

Associações académicas pedem soluções para breve

Para as associações académicas, a falta de alojamento estudantil é uma das grandes preocupações. Todos os dias chegam relatos dos “valores exorbitantes” praticados, do “mercado desregulado”, onde são arrendadas casas e quartos sem recibos. “Não há um contrato, um recibo, portanto não há qualquer tipo de garantia de que no mês seguinte a casa se mantenha”, nota a presidente da Federação Académica de Lisboa (FAL), Catarina Ruivo, que defende mais fiscalização dos arrendamentos.

Além dos preços praticados, outro dos problemas levantados pelos alunos é a necessidade de pagar duas e três rendas em avanço. “Para muitas famílias isso acaba por ser incomportável, o que acaba por afastar logo muitas pessoas”, nota.

A grande preocupação do momento, transversal a outras associações académicas, é que os alunos nem sequer se candidatem a determinado curso por acreditarem que não vão conseguir suportar os custos com o alojamento e outras despesas de viver longe de casa. “Há pessoas que vão e vêm todos os dias, acabando por fazer duas, três horas de viagem”, refere. “Isso também é bastante preocupante, porque tira tempo de estudo, tira tempo de convívio, tira a liberdade de poder ficar mais tempo, a conviver com os colegas, degrada também a saúde mental, traz desgaste físico”, nota a presidente da FAL.

Como diria a presidente da Federação Académica do Porto (FAP), Ana Gabriela Cabilhas, “a falta de alojamento é um velho problema”, que se agravou pelo aumento dos preços no mercado da habitação e no quase inexistente reforço de camas em residências universitárias.

“A falta de condições para um jovem conseguir arrendar uma casa e conseguir emancipar-se também influencia a própria dinâmica no mercado de alojamento [para estudantes]”, reflecte a presidente da FAP, que nota ainda o facto de muitos alunos que terminam os cursos permanecerem nas suas "casas de estudantes" por não conseguirem pagar outros espaços.

Em Coimbra, a situação é também idêntica, com os preços dos alojamentos a dispararem depois da pandemia, sem parar, nota João Caseiro, presidente da Associação Académica de Coimbra. “Existem indicadores que referem que em Coimbra os preços do alojamento estudantil subiram 20%. De Junho para Julho houve uma inflação de 1% no preço médio das rendas em Coimbra. Ou seja, há um aproveitamento na transição de anos lectivos para o aumento das rendas. Temos preços cada vez mais incomportáveis para os estudantes”, nota João Caseiro, acrescentando que há já colegas de municípios próximos de Coimbra, que moravam na cidade, mas que face à escalada dos preços voltaram a casa dos pais e preferem hoje ir de carro ou de transportes públicos.

A associação tem há vários anos um projecto que se chama Certificado de Habitabilidade, uma espécie de “centro de qualidade” da oferta de alojamento privado que a própria associação académica faz. A pedido dos senhorios fazem uma “vistoria” e depois deixam informação sobre as casas e quartos na sede. “É para que os estudantes tenham conhecimento que essa oferta existe. É a partir da associação académica que, muitas vezes, esses contactos para arrendamentos mais acessíveis ocorrem”, diz o responsável. No início do ano, grande parte dessa oferta é logo ocupada.

Perante as dificuldades demonstradas pelos estudantes, a associação criou também um fundo para apoiar estudantes que estejam com dificuldades económicas e tenham o seu percurso em risco. ​

A par da escalada de preços no mercado de arrendamento, as residências previstas no âmbito do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES), com verbas do PRR, estão a demorar a sair do papel. ​E essa é também uma crítica deixada pelas associações académicas. “Sentimos que faltam respostas rápidas para os estudantes que estão agora a viver este problema."

Uma das sugestões que Catarina Ruivo, da FAL, deixa é que o pacote Mais Habitação contemple medidas destinadas ao alojamento estudantil, como um “Porta 65 para estudantes universitários”, que permita aos estudantes receber uma subvenção pelos gastos que têm com habitação. “O alojamento de estudantes tem de ser integrado nessa estratégia”, sublinha.

"A falta de alojamento a preços acessíveis é hoje a principal barreira no acesso e na frequência do ensino superior e torna real o risco de abandono escolar”, observa Ana Gabriela Cabilhas, da FAP. Além disso, acredita, tem impacto no sucesso académico dos estudantes.

“A falta de condições de alojamento e a perda de rendimentos dos agregados familiares tem impacto no rendimento académico dos estudantes. No ano lectivo que terminou houve um maior número de indeferimentos à bolsa de estudo por motivos de aproveitamento académico. É importante olhar para este fenómeno que é complexo e tem aqui várias relações”, observa.

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