Água, enchidos, ovos caseiros e uma reza são os segredos do folar de Vítor Adão

O chef do Plano pesava os ingredientes às escondidas da madrinha para aprender as receitas e garantir que não se perdiam.

NEG - 21 AGOSTO 2023 - folar feito pela madrinha do chef vitor adao - aldeia de carvela
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“A massa não tem de ficar lisa, mas deve ficar a romper”, explica Vítor, “e vai repousar duas a três horas dentro da masseira, coberta por um cobertor”. Antes disso, contudo, é necessário fazer a oração nelson garrido
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Vítor Adão e a sua madrinha nelson garrido
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O folar feito pela madrinha do chef Vítor Adão nelson garrido
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Vítor Adão e a sua madrinha nelson garrido
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Mais do que uma receita, o folar da Páscoa é um ritual — que inclui reza e tudo. Por isso, quando pedimos a Vítor Adão, o chef do Plano, em Lisboa, para escolher uma receita de família que lhe diga muito, ele hesita um pouco o borrego assado e a cabidela de coelho estiveram em cima da mesa, o primeiro ainda mais, por a sua ser uma família de pastores —, mas acabou por ser o folar a vencer.

É este que lhe dá mais prazer fazer, da escolha dos enchidos, todos caseiros, ao amassar, “numa masseira, à antiga”, ao fazer a reza e, por fim, ao acender o forno. Tudo isto se passa na Carvela, a aldeia do Alto Tâmega onde Vítor nasceu, e aonde volta sempre, à casa dos seus padrinhos que o criaram, para os reencontros com a família e os amigos.

Quando era pequeno, já se preocupava com a possibilidade de as receitas de família se perderem, por isso tomava nota de tudo, mesmo não conseguindo que a madrinha e a irmã dela lhe dessem as quantidades exactas. “Pesava as coisas antes e nem lhes dizia nada...”, conta.

Agora, sabe de cor cada passo e as coisas que são “as mais importantes”, a começar pela escolha dos enchidos (os porcos são produção própria, o que torna tudo mais fácil), salpicão do cachaço, bacon, lardo, que devem ter pedaços generosos de gordura, para esta derreter na massa, deixando-a cheia de sabor. Depois, continua, arranja boa farinha” e os ovos, “sempre caseiros”, com uma concentração de sabor e pigmentação que dá o tom meio alaranjado à massa.

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Parecendo que não, há outro produto de extrema importância para o sucesso da receita: a água. O Alto Tâmega e o Barroso são terras de boas águas, por isso está garantido que a receita vai resultar. São precisos “bons braços” para bater os ovos com a farinha e o fermento, com água morna e, atenção, só se adiciona o sal depois, “para o fermento não perder a intensidade”.

“A massa não tem de ficar lisa, mas deve ficar a romper”, explica Vítor, “e vai repousar duas a três horas dentro da masseira, coberta por um cobertor”. Antes disso, contudo, é necessário fazer a oração, que ele dispara sem hesitar:

“São Mamede te levede

São João te faça bom pão

São Vicente te acrescente

Em nome da Virgem Maria

Um pai-nosso e uma ave-maria.”

Depois de a massa repousar, corta-se em pedaços e vão-se colocando os enchidos. Finalmente, vai a cozer no forno de lenha, em cima de uma forma, um prato ou, à antiga, sobre uma folha de couve, para evitar que se agarre à pedra quente.

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A temperatura do forno também tem o seu saber: “As paredes têm de ficar brancas, nem alaranjadas nem pretas.” Lança-se um pouco de farinha sobre a pedra e, quando esta começa a arder, é sinal de que está pronto. As brasas são retiradas – usa-se geralmente giesta ou eucalipto, que ardem mais rápido porque o que interessa aqui é apenas que o forno esteja bem quente. Depois é colocar os folares no interior e esperar que o calor faça o seu trabalho.

Quando saem, conta o chef, pega “logo num dos que não têm carne, e põe-lhe azeite e açúcar”. E isso é só para começo de conversa, que os outros virão depois.

Se a receita, que segue em baixo, parece trabalhosa, é porque é um bocadinho, mas, para quem não tiver paciência (ou não tiver ovos caseiros, ou tiver esquecido a reza), há uma boa notícia: na Páscoa, Vítor Adão vende os folares no Plano, e para o Natal faz “bolo-rei de enchidos”, para que ninguém fique com saudades por muito tempo.

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