O Japão começou a libertar no oceano Pacífico, esta quinta-feira, água radioactiva tratada da central nuclear de Fukushima. A empresa que gere a central, a Tokyo Electric Power (Tepco), anunciou que a libertação começou às 13h03 horas locais (5h03 em Lisboa) e que não identificou quaisquer anomalias.
O Governo japonês aprovou o plano há dois anos, tendo recebido luz verde do organismo de controlo nuclear da ONU em Julho. A descarga é um passo fundamental no desmantelamento da Central de Fukushima Daiichi, depois de ter sido destruída por um tsunami em 2011.
Trata-se de uma medida polarizadora, que levou a China a anunciar uma proibição geral imediata de todos os produtos aquáticos provenientes do Japão. A China está “muito preocupada com o risco de contaminação radioactiva provocada pelos produtos alimentares e agrícolas do Japão”, declarou a autoridade alfandegária chinesa em comunicado.
O Japão garante que a libertação de água é segura, referindo que a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) também concluiu que o impacto que teria nas pessoas e no ambiente era “negligenciável”.
Protestos contra libertação
Algumas dezenas de manifestantes reuniram-se em frente à sede da Tepco, em Tóquio, com cartazes que diziam: “Não atirem água contaminada para o mar!”
“O desastre nuclear de Fukushima ainda não terminou. Desta vez, apenas cerca de 1% da água será libertada”, disse à Reuters Jun Iizuka, de 71 anos, que participou no protesto. “A partir de agora, vamos continuar a lutar durante muito tempo para impedir a descarga a longo prazo de água contaminada.”
O Japão irá monitorizar a zona de libertação das águas e publicar os resultados semanalmente a partir de domingo, informou o ministro japonês do Ambiente. Estima-se que a libertação da água dure cerca de 30 anos.
A polícia sul-coreana prendeu pelo menos 16 manifestantes que entraram na Embaixada do Japão em Seul, embora o Governo da Coreia do Sul tenha dito que a sua própria avaliação não encontrou problemas com os aspectos científicos e técnicos da libertação.
Em Hong Kong, Jacay Shum, um activista de 73 anos, segurava uma imagem que retratava o chefe da AIEA, Rafael Grossi, como o diabo.
“As acções do Japão, ao descarregar água contaminada, são muito irresponsáveis, ilegais e imorais”, disse Shum, que fazia parte de um grupo de cerca de 100 manifestantes. “Ninguém pode provar que os resíduos e materiais nucleares são seguros. São completamente inseguros.”
Processo pode durar décadas
A Central de Fukushima Daiichi foi destruída em Março de 2011, depois de um forte sismo de magnitude 9,0 ter gerado fortes ondas de tsunami que provocaram a fusão de três reactores nucleares.
A primeira descarga das águas filtradas, num total de 7800 metros cúbicos — o equivalente a cerca de três piscinas olímpicas de água — demorará cerca de 17 dias e e será diluída 740 vezes em água marinha.
De acordo com os resultados dos testes efectuados pela Tepco, divulgados na quinta-feira e citados pela Reuters, a água continha cerca de 63 becqueréis de trítio por litro, abaixo do limite de 10 mil becqueréis por litro estabelecido pela Organização Mundial de Saúde para a água potável. O becquerel é uma unidade de radioactividade. Na legislação europeia, este isótopo tem de estar abaixo dos 100 becqueréis na água para consumo humano.
A AIEA também divulgou um comunicado em que afirma que a sua análise independente efectuada no local confirmou que a concentração de trítio era muito inferior ao limite.
“Não haverá quaisquer efeitos para a saúde. Não há qualquer razão científica para proibir as importações de alimentos japoneses”, afirmou à Reuters Geraldine Thomas, antiga professora de patologia molecular no Imperial College de Londres.
Ao PÚBLICO, o físico e vice-presidente do Instituto Superior Técnico, José Marques, contextualiza aqueles números com a realidade da indústria nuclear: “Os reactores nucleares nos Estados Unidos libertam trítio a descargas anuais em regime normal que são 68 vezes maiores do que o que se está a propor em Fukushima.”