Mito: energia renovável é sinónimo de energia limpa?

Energias renováveis, limpas, verdes, sustentáveis: quais são as diferenças? Há alguma solução que seja totalmente equilibrada nas dimensões da sustentabilidade?

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A energia hidroeléctrica é uma fonte de energia renovável e limpa que tem, contudo, algum impacto ambiental na sua produção FRANCISCO ROMÃO PEREIRA
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Energias renováveis, limpas, verdes, sustentáveis – são termos que muitas vezes são utilizados como sinónimos, mas a verdade é que existem muitas diferenças entre eles.

“No discurso corrente, utiliza-se quase como sinónimos energias renováveis e energias verdes ou limpas”, faz notar Carlos Santos Silva, professor em Ambiente e Energia do Instituto Superior Técnico e investigador do Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento (IN+). A probabilidade de acertar é alta, descansa-nos, já que muitas fontes de energia cabem em mais do que uma destas categorias, mas o investigador destaca algumas excepções significativas.

Comecemos por algumas definições. Energia renovável é aquela que se regenera à mesma taxa (ou mais depressa) do que a sua utilização. Energias limpas, por sua vez, são aquelas que não têm emissões de gases com efeito de estufa, em particular de dióxido de carbono. O conceito de energia “verde” é mais elástico, mas poderemos defini-lo como processos com baixo impacto ambiental.

Por fim, falemos também em “energias sustentáveis”. A sustentabilidade tem três pilares: o ambiental, o económico e o social. “Qualquer coisa que façamos tem de ser suficiente para suprir as necessidades das pessoas”, relembra o investigador, que estuda sistemas energéticos.

Renováveis, mas poluentes

A biomassa, produzida a partir da matéria orgânica que existe na Terra, como as árvores, é uma fonte de energia renovável. Mas não se pode dizer que seja uma fonte de energia “limpa” –​ já que emite gases com efeito de estufa –, nem uma energia “verde” – já que o impacto ambiental da sua extracção para produção de energia pode ser elevado.

Do ponto de vista local, o recurso à biomassa como fonte de energia acarreta uma série de problemas de saúde. “Em países em desenvolvimento da Ásia, África, onde utilizam biomassa para cozinhar ou outros usos de energia, há imensas doenças respiratórias”, diz Carlos Santos Silva, assinalando a mortalidade infantil associada a doenças respiratórias. E há ainda outros problemas: a Suécia, que utiliza muito esta fonte de energia, chegou a importar biomassa do Brasil. “Isso, do ponto de vista ambiental, também levanta muitas questões.”

Limpas, mas pouco verdes

A energia nuclear é a excepção contrária. Longe de ser uma energia renovável, é “limpa” do ponto de vista da baixa emissão de gases com efeito de estufa. Aliás, a Agência Internacional de Energia tem argumentado que “vai ser muito difícil atingir as metas de descarbonização para 2050 sem uma parte importante de energia nuclear”, explica.

Existe, é claro, uma série de outros impactos ambientais, não apenas na construção das centrais nucleares, como na gestão dos seus resíduos. Ainda assim, Carlos Santos Silva não estranha que a energia nuclear seja considerada “verde” na taxonomia europeia uma decisão que tem gerado muita controvérsia , tendo em conta a importância deste tipo de energia para garantir a segurança energética através de fontes que emitam poucos gases poluentes.

Renováveis, nem sempre sustentáveis

Mesmo as energias que são simultaneamente renováveis e “limpas” em termos de emissões levantam algumas questões em termos ambientais ou seja, não estritamente climáticos.

O impacto local da energia hídrica tem gerado dúvidas em vários países. No Brasil, por exemplo, o cerco à construção de grandes barragens é cada vez maior, tendo em conta o impacto nas populações, desde a deslocação de comunidades indígenas às consequências na biodiversidade dos territórios.

Cobrir as serras de turbinas eólicas também pode ter impacto nas aves que circulam por determinados territórios. Também a construção desordenada de centrais fotovoltaicas tem suscitado questões em Portugal. “Podemos instalar muita energia fotovoltaica, de que precisamos, mas depois estamos a abater sobreiros”, exemplifica Carlos Santos Silva.

Por fim, a descarbonização de alguns sectores como a mobilidade vai implicar a electrificação da rede. E, para o fabrico de tantas baterias, serão precisas minas, muitas das quais a céu aberto, para extrair o lítio e outros minerais, com grande impacto nos territórios.

Sustentável, mas não renovável

Para Carlos Santos Silva, o hidrogénio verde ou seja, produzido a partir de fontes limpas pode ser uma solução complementar num mix sustentável de energia, podendo ser utilizado como combustível em transportes mais pesados como camiões, navios ou aviões.

É claro que a origem do hidrogénio é importante: o processo actualmente mais utilizado (hidrogénio “cinza”) chama-se steam reforming, um processo de “reformação por vapor” feito à custa da geração de calor com recurso ao gás natural ou a outras fontes fósseis, e que é altamente poluente. Há também outras “colorações de hidrogénio” com menos emissões, como o rosa, de origem nuclear, ou o azul, onde é feita a captura e armazenamento do CO2 libertado.

O hidrogénio verde, por sua vez, é produzido a partir de energias renováveis, através de um processo chamado electrólise, explica o investigador. “O que acho que é importante, independentemente da coloração, é que seja produzido a partir de fontes sustentáveis.”

Sustentabilidade é compromisso

“Não há nenhuma solução que seja totalmente equilibrada nas dimensões da sustentabilidade”, sintetiza o investigador. “O desafio dos políticos e de todos é perceber que não há soluções puras e que, no fundo, o nosso papel consiste em avaliar o que é que, no conjunto destas três dimensões [ambiental, social e económica], o que é que é a melhor solução – ou a menos má.”

A transição energética, ou seja, a alteração da organização dos nossos sistemas energéticos, actualmente baseados em recursos energéticos fósseis, terá de nos conduzir a sistemas baseados em “recursos energéticos sustentáveis”, diz Carlos Santos Silva. “Vou usar a palavra ‘sustentáveis’, não necessariamente renováveis”, sublinha, para incluir outras soluções “limpas”, “verdes” e também as que garantem a sustentabilidade do ponto de vista social e ambiental (e não apenas climático).