O alarmismo climático e a consequente desacreditação (parte 2)
Na parte 1 deste artigo levantei suspeitas sobre quatro assuntos que foram objecto de notícias, cuja forma e conteúdo me levantam muitas dúvidas. Foram eles: em 2022 morreram mais de 61 mil pessoas devido às ondas de calor na Europa e mais de 2200 em Portugal; as alterações climáticas no final do século poderão causar mais de 85 mil mortes em Portugal; aumentou a mortalidade infantil em Portugal em 2022 e 2023; e a Corrente Meridional do Oceano Atlântico pode entrar em colapso já a partir de 2025. Nesta parte 2 do artigo irei, do meu ponto de vista, escrutinar essas notícias para explicar, em parte, como o alarmismo pode levar ao descrédito das ciências e do jornalismo científico.
As 61 mil mortes na Europa causadas pelas ondas de calor em 2022 levantam muitas dúvidas. Primeiro, porque, embora associadas a um período de ondas de calor nos países do Sul da Europa, ainda tínhamos a covid-19 com números substanciais de letalidade. Segundo, porque, estatisticamente, podemos obter, por diferentes métodos e diferentes critérios e pressupostos, números bem diferentes, logo, os resultados são sensíveis ao método aplicado. Terceiro, foram divulgados outros estudos no ano passado por instituições internacionais credíveis que apresentaram resultados de 15 a 22 mil mortes na Europa devido às ondas de calor de 2022. E por último, os autores, e principalmente os jornalistas, não divulgaram publicamente as incertezas associadas a essas estimativas. Fiz os mesmos cálculos de estimativa para a mortalidade associada às ondas de calor de Junho e Julho de 2022 em Portugal e obtive, por diferentes critérios de avaliação de excesso de mortalidade, valores ente 500 e 950 óbitos. Sabemos que nenhuma destas mortes é confirmada pelo certificado de óbito, pelo que os números são pura estatística inferida a partir dos dados de registo de mortalidade.
E, a partir destes resultados alarmistas, começam depois a aparecer outros estudos sobre mortalidade associada às alterações climáticas, sem que se estabeleça a relação causa-efeito. Ora, se somarmos essas projecções às supostas mortes por doenças respiratórias devido à poluição do ar, poderíamos chegar à conclusão de que as alterações climáticas e as questões ambientais passarão a ser as maiores causas de mortalidade no futuro. O que contraria a OMS, que refere as doenças cardiovasculares e oncológicas (doenças crónicas não transmissíveis) como as maiores causas de morte, com tendência de aumento.
Em Portugal morrem actualmente, em média, cerca de 120 mil pessoas por ano, correspondendo a 1,1% de taxa de mortalidade. Em 2050 prevê-se que a população se reduza para a ordem dos sete milhões, e pouco mais de cinco milhões em 2100 (com elevada incerteza). Ora, 1,1% de taxa mortalidade no final do século (no pressuposto de que esta se mantém), para uma população na ordem dos cinco milhões, corresponde a 55 mil óbitos/ano. Pelo que, 85 mil mortes anuais em 2100 por causa das alterações climáticas é absurdo. A não ser que sejam 85 mil mortes por um período de 30 anos, o que corresponderia a cerca de 2800 mortes por ano, mas nada disso foi explicado.
Sobre a mortalidade infantil, as mesmas notícias esqueceram-se de referir que os anos de confinamento devido à pandemia de covid-19 foram os de mais baixa mortalidade infantil de sempre. Que 2021 foi o ano em que morreram menos crianças com menos de um ano, não só porque houve menos nascimentos, mas porque, devido às medidas sanitárias, houve menos casos de doença respiratória grave e, consequentemente, menor mortalidade infantil. Logo, quando se compara um período posterior, em particular, já sem medidas sanitárias, com um período em pandemia no qual se verificou a mais baixa mortalidade infantil, é natural que se observe um aumento que até pode ser significativo. Mas estas variações anuais demonstram ser pequenas anomalias que estão dentro da variabilidade normal, sem qualquer necessidade de alarme.
Sobre o colapso da AMOC [circulação termossalina meridional do Atlântico, no acrónimo em inglês], é também preocupante a forma como é dada a notícia e como, pelos autores, foi comunicada. A circulação termossalina nos oceanos resulta de processos complexos e muito lentos associados às variações de salinidade e temperatura da água do mar, ou seja, de elevada inércia, e ainda pouco conhecidos. Por essa razão, por ser um processo não linear e de muito longo período, ele pode sofrer diferentes mecanismos de perturbação que lhe conferem diferentes períodos de oscilação. Ou seja, pode-se verificar durante um longo período uma desaceleração, para depois se verificar uma aceleração, sem se compreender bem ao certo o que está por detrás desse mecanismo. No entanto, não quero desmentir que os dados, quer de curto período (provenientes de satélite) quer de longo período (temperatura à superfície do mar e sedimentos do fundo marinho), demonstram uma redução na velocidade da corrente AMOC no último século, que é já da ordem dos 30%.
Os autores desse estudo, por análise estatística dos dados de observação, mais concretamente, por um processo estocástico, e dados dos modelos climáticos, desenvolveram uma metodologia de “aviso” (warning of critical transition) e fazem projecções com significância estatística do tipping point (ponto de não retorno). Mas sem ter a certeza de que essa metodologia descreve a totalidade dos processos que envolvem a respectiva complexidade. Com isso concluem que, com a tendência actual de emissões de carbono, pode verificar-se o tipping point em meados do século. Ou seja, têm uma estimativa média do ponto de não retorno por volta da década de 2060, com um intervalo de confiança a 95% que vai de 2025 a 2095. Contudo, afirmam nas conclusões que se estima um colapso em meados do século. E ainda, passo a citar: “Estes resultados assumem que o modelo está aproximadamente correcto e, é claro, não podemos descartar que outros mecanismos estejam em jogo e, portanto, a incerteza é maior”. Daqui, nada nos diz que isto ou o seu contrário venha a ser verdade.
Certamente que estes resultados irão gerar muita discussão na comunidade científica, com uma grande dose de cepticismo e critica. Mas aí, certamente, será uma discussão que passará ao lado da maior parte dos meios de comunicação social que já deram a notícia bombástica.
As instituições internacionais, particularmente o IPCC [Intergovernmental Panel On Climate Change], terão exagerado nas projecções climáticas até aos anos 1990. E isso terá levado depois a um certo conservadorismo e moderação nas décadas seguintes, reduzindo a magnitude das projecções, por omissão ou exclusão de condições mais gravosas. Creio que esse facto está a custar caro a essas instituições que agora, a correr atrás do prejuízo, estão a lançar sistematicamente alertas de “catástrofe” devido aos extremos climáticos que se têm verificado recentemente.
Contudo, o novo presidente do IPCC recentemente eleito, Jim Skea, já deu nota de que “o mundo não vai acabar”, se superarmos os 1,5 graus Celsius de aquecimento global. Claro que não, o mundo (leia-se o planeta) não vai acabar, o que pode acabar é a sociedade e a economia tal como as conhecemos.