Ambientalistas apreensivos com águas de Fukushima irem parar ao Pacífico
Decisão está a ser criticada pela China, por ambientalistas e por grupos de pescadores locais. Mas físico do Instituto Superior Técnico (Lisboa) está “descansado” com avaliação feita ao plano japonês.
O Governo japonês anunciou nesta terça-feira de manhã que irá começar a lançar para o mar, a partir de quinta-feira, águas radioactivas tratadas vindas da Central Nuclear de Fukushima, armazenadas desde o acidente nuclear de 11 de Março de 2011, devido aos poderosos sismo e tsunami que abalaram o Japão. “Espero que a libertação de água comece a 24 de Agosto”, disse o primeiro-ministro japonês Fumio Kishida, citado pela Reuters. Mas há críticos.
Há dois anos que o Governo japonês aprovou um plano de desmantelamento daquela central nuclear e que assegura que os 1,3 milhões de toneladas de água radioactiva – que poderiam encher 500 piscinas olímpicas – podem ser libertados em segurança para o oceano. O argumento para se despejar a água no oceano é que já não havia mais espaço para a armazenar. Para isso, as águas têm de ser descontaminadas por uma técnica chamada sistema de tratamento avançado de líquido (APLS, sigla em inglês) até que a maioria dos elementos radioactivos fiquem abaixo de concentrações consideradas perigosas.
Em Julho passado, a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) publicou um relatório sobre o assunto, dando um parecer positivo. “A AIEA concluiu que a abordagem para a descarga de água tratada pelo APLS, e as actividades associadas pela Tepco [nome da empresa que gere a central nuclear] (…) são consistentes com os padrões de segurança internacionais”, lê-se no documento.
Durante o ano de 2023, a Tepco prevê despejar 31.200 metros cúbicos de água radioactiva tratada. O primeiro lote que vai começar a ser libertado será de 7800 metros cúbicos. No entanto, esta água radioactiva será diluída 740 vezes em água marinha e demorará cerca de 17 dias a ser lançada para o mar.
Esta diluição vai permitir, segundo a empresa, a diminuição da concentração do principal elemento que não foi possível descontaminar, o trítio. Este elemento radioactivo é um isótopo do hidrogénio (o seu núcleo tem um protão e dois neutrões) e é gerado a partir das reacções químicas que ocorrem ao longo do processo de produção de energia nuclear.
Segundo a Tepco, a concentração da radiação de trítio lançada para o mar será aproximadamente de 190 becqueréis por litro. Na legislação europeia, este isótopo tem de estar abaixo dos 100 becqueréis na água para consumo humano. “Mas aquela água é uma descarga para o oceano Pacífico”, explica ao PÚBLICO José Marques, físico e vice-presidente do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, acrescentando que os estudos mostram que a circulação da água oceânica vai “baixar essa concentração muito rapidamente”.
A única dúvida do físico é se existem organismos que podem acumular o trítio no seu organismo, aumentando a sua concentração. “Os japoneses têm dito que os organismos que estudaram não apresentam concentrações superiores à da água circundante”, adianta. Por outro lado, contextualiza aqueles números com a realidade da indústria nuclear: “Os reactores nucleares nos Estados Unidos libertam trítio a descargas anuais em regime normal que são 68 vezes maiores do que o que se está a propor em Fukushima.”
Responsabilização total?
Na segunda-feira, as autoridades nipónicas disseram ter recebido da indústria pesqueira nacional “um grau de compreensão” sobre a necessidade da libertação da água para o oceano, adianta a Reuters. Na reunião desta terça-feira, o primeiro-ministro japonês prometeu que iria fazer o necessário para o processo ocorrer em segurança. “O Governo vai-se responsabilizar inteiramente, mesmo que leve décadas”, afirmou Fumio Kishida, citado pela Kyodo News.
Mas esta decisão foi contestada quer nacionalmente, por alguns grupos de pescadores, que temem que a reputação dos lotes pescados baixem e que não consigam vender o peixe, quer ao nível internacional.
Da China, vieram acusações de o Japão estar a ser “extremamente egoísta”, disse Wang Wenbin, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros. A China “vai tomar todas as medidas necessárias para proteger o ambiente marinho, a segurança alimentar e a saúde pública”, acrescentou, citado pela Reuters. Tanto Macau como Hong Kong querem banir alimentos do mar vindos de certas regiões do Japão.
Outro importante bastião de críticas vem de ambientalistas e investigadores. “Estamos profundamente desapontados e indignados com o anúncio do Governo japonês de libertar água contendo substâncias radioactivas no oceano”, afirmou Hisayo Takada, da Greenpeace no Japão, num comunicado. O documento cita a informação divulgada pela própria Tepco, de que 70% da água terá de ser tratada de novo, para atingir o grau de descontaminação necessário. “Os cientistas avisaram do risco radiológico de as descargas não terem sido totalmente avaliadas, e os impactos biológicos do trítio, do carbono-14, do estrôncio-90 e do iodo-120, que irão ser libertados naquelas descargas, terem sido ignorados”, lê-se. “A AIEA falhou em investigar a operação dos ALPS.”
José Marques explica que o relatório da AIEA diz apenas que “só poderão seguir o caminho das descargas as águas que se conformarem aos limites de concentração de isótopos radioactivos estabelecidos”. Por outro lado, a técnica ALPS pode ser usada mais do que uma vez, até a água ficar descontaminada de elementos como o estrôncio-90, diz. Já para o carbono-14 e o iodo-120, “os valores são muito pequenos em relação ao que já existe na atmosfera e no mar por meios naturais”, assegura.
“Enquanto técnico, o relatório da AIEA deixa-me descansado”, diz o físico. “Estamos no limite do que a ciência e a tecnologia actual podem fazer.”
Mas Francisco Ferreira, da Zero, está de acordo com a posição da Greenpeace. “Não foi feito um estudo de impacto ambiental suficientemente integrado, para eu tirar conclusões mais definitivas e sérias”, argumenta, defendendo que a Tepco tinha a opção de armazenar durante mais tempo as águas radioactivas. Isso iria permitir “mais tempo para fazer esse tipo de avaliação e estudo”, diz ao PÚBLICO.
O ambientalista recorda que o oceano acaba por ser o sistema que, mais uma vez, absorve todo o tipo de poluição: produtos químicos, plásticos e também o nuclear. “O oceano atravessa fronteiras e tem uma expressão à escala do planeta que não é compatível com este tipo de acções. Nem que seja do ponto de vista ético, não há um risco nulo [no lançamento das águas de Fukushima] e, por precaução, deveria evitar-se este tipo de situações.”
E aponta para o longo caminho dos impactos de um acidente nuclear, que neste caso não só destruiu o quotidiano de uma região do Japão, gerando também um problema de décadas a um custo monetário altíssimo: “O nuclear, depois do acidente do Fukushima, tornou-se muito mais caro. Veja-se a mais recente central finlandesa: previa-se um gasto de 3000 milhões de euros e acabou em 11.000 milhões...”