Alforrecas: houve um boom de avistamentos das fascinantes medusas que causam urticária
Num oceano cada vez mais quente, há mais organismos gelatinosos a dar à costa portuguesa neste Verão: foram mais de 100 avistamentos por dia em Julho. As medusas-tambor estão entre as mais avistadas.
As medusas podem evocar emoções contraditórias em muitos de nós. Há, por um lado, um fascínio pela beleza destes animais em forma de cogumelo, que se movimentam ao sabor das correntes oceânicas. Por outro, existe o medo de um contacto físico com os tentáculos urticantes, que pode causar dor e queimaduras. Com um oceano cada vez mais quente, é provável que encontremos neste Verão ainda mais alforrecas, como também são conhecidas.
“A informação ajuda a tirar o medo. A medusa-tambor, que durante o mês de Julho apareceu muito no Algarve, por exemplo, é apenas ligeiramente urticante, muito menos do que a caravela-portuguesa. Mas é evidente que as pessoas ficam assustadas quando vêem um animal desses na areia, é uma reacção natural”, explica ao PÚBLICO Antonina dos Santos, investigadora do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) e responsável pelo projecto GelAvista.
A cientista acredita que é preciso conhecer melhor as diferentes espécies para, aos poucos, conseguirmos sentir mais fascínio do que medo. Comecemos então pela nomenclatura: alforreca não é uma designação precisa. “Quando dizemos alforreca, em termos científicos não estamos a falar de nada”, diz Antonina dos Santos.
De um modo genérico, quando usamos a palavra “alforrecas” referimo-nos a cifozoários, ou seja, a uma classe dos celenterados cujo aspecto predominante é uma medusa destituída de véu e em forma de campânula. “Adoptamos muitas vezes os nomes mais comuns – como alforreca – para poder comunicar ciência às pessoas”, explica a investigadora do IPMA.
Entre os cifozoários que ocorrem com frequência em Portugal estão a medusa-tambor (Rhizostoma luteum), a medusa-do-tejo (Catostylus tagi), a medusa-compasso (Chrysoara hysosecella) e a água-viva (Pelagia noctiluca), esta última especialmente nos arquipélagos dos Açores e da Madeira.
Boom de avistamentos em Julho
A medusa-tambor esteve no topo dos avistamentos na costa portuguesa em Julho, ocorrendo com particular incidência no Algarve. Trata-se de uma espécie de grandes dimensões, cuja campânula pode ter mais de meio metro de diâmetro. Apesar de não ser muito urticante, se compararmos à toxicidade de organismos gelatinosos como a caravela-portuguesa, não é aconselhável tocar no animal, nem mesmo para tentar devolvê-lo ao mar.
“As alterações climáticas estão a fazer aumentar o número de ocorrências. Tem sido um boom de avistamentos neste Verão, recebemos informação de mais de 100 avistamentos por dia no passado mês de Julho”, refere a responsável pelo projecto GelAvista. O aquecimento do oceano e mudanças nas correntes têm contribuído para os arrojamentos, que é o nome que se dá às situações em que animais marinhos ficam encalhados na costa.
Ir parar ao areal acaba por ser um fim trágico para os cifozoários, que usam as células urticantes para imobilizar presas que flutuam na água. “As medusas não querem dar à costa nem incomodar os humanos”, recorda Antonina dos Santos. A toxicidade que tanto amedronta os humanos consiste num mecanismo, aprimorado pela evolução, não só para a defesa, mas sobretudo para a captura de alimento.
Uma vez em contacto com medusas urticantes, a recomendação genérica é lavar a área com água do mar e jamais esfregar. Se for utilizada água doce para lavar a zona afectada, existe uma diferença osmótica que pode potenciar o veneno. Cada espécie possui uma toxicidade distinta, mas como a literatura científica nessa área é limitada, os conselhos acabam por valer para todas as medusas.
“Há muito pouca coisa publicada nessa área, os trabalhos sobre efeitos em humanos são limitados. Compreendemos que os venenos possam ter toxicidade diferente porque cada espécie evoluiu num sentido, criando mecanismos distintos de captura de alimento”, refere Antonina Santos.
Outro conselho importante é remover com uma pinça os pedacinhos do animal que possam ficar agarrados à pele. Sabendo que não se trata de um instrumento que as pessoas levem com frequência no saco de praia, Antonina dos Santos sugere que o kit de primeiros socorros passe a incluir este objecto.
“As pinças são objectos simples que poderiam ser dados a todos os nadadores-salvadores nas zonas balneares do país. As alforrecas vão ser cada vez mais frequentes nas nossas praias, é algo que realmente temos de considerar em Portugal”, defende a cientista do IPMA.
Animais de Verão é uma minissérie do Azul sobre animais que podemos ver em Portugal na época estival. Sai um artigo por semana