Marcelo veta pacote Mais Habitação
O Presidente considera que o diploma “confirma” os “riscos” de “irrealismo nos resultados projectados” e critica o facto de não se ter conseguido alcançar um acordo de regime entre os partidos.
Um mês depois de ter sido aprovado pelo Parlamento, o Presidente da República decidiu devolver à Assembleia da República, sem promulgar, o pacote Mais Habitação por considerar que este não é "suficientemente credível quanto à sua execução a curto prazo" nem "mobilizador". Ainda assim, promulgou o decreto que autoriza o Governo a simplificar os procedimentos urbanísticos e de ordenamento do território.
Na mensagem publicada esta segunda-feira no site da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa deixa fortes críticas a este pacote que foi anunciado pelo Governo em Fevereiro e, depois de um período de consulta pública, entregue ao Parlamento em Abril, acabando por ser aprovado apenas com o voto favorável do PS (e a abstenção do Livre e do PAN) em Julho.
Segundo o Presidente, o diploma "confirma" os "riscos" já levantados em Março, após a apresentação da proposta de lei do executivo, "de discurso excessivamente optimista, de expectativas elevadas para o prazo, os meios e a máquina administrativa disponíveis e, portanto, de possível irrealismo nos resultados projectados".
Trata-se, por isso, de um "mau arranque de resposta a uma carência que o tempo tornou dramática, crucial e muito urgente", que não se afigura "suficientemente credível quanto à sua execução a curto prazo" nem "mobilizador para o desafio a enfrentar", afirma o chefe de Estado.
Os sete problemas invocados por Marcelo
Essencialmente, são sete as insuficiências apontadas pelo chefe de Estado, que critica a falta de investimento público ou a incapacidade do PS de chegar a um consenso com a oposição e a sociedade, pedido uma "mudança de percurso".
Para Marcelo, o "Estado não vai assumir responsabilidade directa na construção de habitação", excepto de "forma limitada e com fundos europeus"; os apoios às cooperativas e o recurso a imóveis públicos devolutos ou privados para arrendamento acessível "implicam uma burocracia lenta e o recurso a entidades assoberbadas com outras tarefas"; não existem medidas "de efeito imediato" para responder ao "sufoco" das famílias perante o aumento dos juros e das rendas; e não se chegou a um "acordo de regime" entre os partidos, nem tal parece que vá acontecer até 2026 sem uma "mudança de percurso".
Além disso, no centro das críticas do Presidente estão duas das medidas mais polémicas do diploma: o arrendamento forçado das casas devolutas e as alterações ao regime do alojamento local. Em relação ao primeiro ponto, o Presidente considera que este se tornou num "emblema meramente simbólico" que terá um "custo político superior ao benefício social palpável" por ficar "tão limitado e moroso". Em relação ao segundo, assinala que a "complexidade do regime" torna "duvidoso" que as medidas venham a ter efeitos "com rapidez".
Marcelo admite que houve "correcções" nestas duas áreas, mas que, ainda assim, "dificilmente" vão permitir "recuperar alguma confiança perdida por parte do investimento privado, sendo certo que o investimento público e social, nele previsto, é contido e lento".
O Presidente sinaliza mesmo que o diploma "polarizou o debate" em torno destes dois temas, o que levou a que se apagassem da lei "outras propostas e medidas" e se tornasse "muito difícil um desejável acordo de regime sobre Habitação, fora e dentro da Assembleia da República".
Este é o principal problema político apontado pelo chefe de Estado, que critica o facto de o diploma ter radicalizado "posições no Parlamento, deixando a maioria absoluta quase isolada, atacada". Por um lado, pelos partidos de direita, que criticaram o PS pelo "estilo proclamatório, irrealista e, porventura, inconstitucional, por recair, em excesso, sobre a iniciativa privada" e, por outro, pela esquerda, devido à "insuficiência e timidez na intervenção do Estado".
Além disso, Marcelo Rebelo de Sousa assinala que o diploma "deu uma razão – justa ou injusta – para a perplexidade e compasso de espera de algum investimento privado, sem o qual qualquer solução global é insuficiente".
O Presidente termina a mensagem reconhecendo que o PS, por ter maioria absoluta, poderá aprovar novamente o diploma, mas, em jeito de justificação do seu veto, aponta que "não é isso que pode ou deve impedir a expressão de uma funda convicção e de um sereno juízo analítico negativos".
Depois de em Março ter considerado que o diploma era "inoperacional", ainda este mês Marcelo afastou a existência de dúvidas de inconstitucionalidade que se levantaram a propósito do arrendamento coercivo e ao alojamento local, excluindo assim o envio da lei para o Tribunal Constitucional, mas não o veto político, como agora se veio a verificar.
Presidente pede um "Código da Edificação"
Apesar de ter vetado o pacote Mais Habitação, o Presidente da República promulgou o decreto do Parlamento que autoriza o Governo a simplificar os procedimentos urbanísticos e de ordenamento do território. Mas não sem deixar um recado e uma sugestão aos socialistas sobre esta matéria.
Em primeiro lugar, indica que na apreciação do decreto-lei terá "presente" a necessidade de "compatibilização" deste diploma com "outros valores a preservar" tais como a "segurança e qualidade das edificações, a responsabilização dos intervenientes no processo de construção e o importante papel da Administração Local em matéria de habitação e de ordenamento do território".
Em segundo, sugere ao Governo reunir "num único diploma", isto é, num "Código da Edificação", toda a "legislação dispersa" que diz ser "imensa e, em alguns casos, contraditória", de forma a acabar com "normas obsoletas" e melhorar a "acessibilidade da legislação do sector".
Também o diploma que define os objectivos, prioridades e orientações da política criminal para o biénio de 2023-2025, com destaque para o combate à delinquência juvenil ou à criminalidade grupal, foi promulgado, mas sem uma nota adicional do Presidente.
Do alojamento local aos limites às rendas
Com 95 páginas, o pacote Mais Habitação prevê limites às novas rendas, o congelamento de contratos antigos, alterações sobre o alojamento local, o arrendamento forçado de casas devolutas, apoios fiscais aos senhorios ou a simplificação dos despejos.
O diploma mais controverso prevê o arrendamento forçado de casas devolutas que estejam sinalizadas pelas autarquias há mais de dois anos e que não se encontrem no interior do país. Os municípios só poderão recorrer a este mecanismo "sempre que se revele necessário para garantir a função social da habitação" e de forma "excepcional e supletiva". Mas, caso não o façam, não serão sancionados.
O pacote, aprovado em Julho passado no Parlamento, introduziu várias alterações ao regime do alojamento local (AL). Entre elas está a obrigação de os apartamentos pagarem uma contribuição extraordinária de 15% (ficando isentos os imóveis no interior e onde não haja pressão urbanística) e as novas unidades terem de obter autorização prévia e unânime do condomínio para exercer a actividade.
Ao mesmo tempo, um registo de AL já existente num prédio destinado a habitação poderá ser cancelado por decisão de uma maioria de dois terços do condomínio.
Para incentivar o aumento da oferta no mercado de arrendamento, foram introduzidos vários benefícios fiscais. Quem vender imóveis habitacionais ao Estado ficará isento de tributação de mais-valias em sede de IRS e IRC. Ficam excluídos desta isenção aqueles que tenham domicílio fiscal em territórios considerados paraísos fiscais.
A taxa autónoma sobre os rendimentos prediais, em sede de IRS, vai reduzir-se de 28% para 25%. Esta taxa será sucessivamente mais baixa consoante o prazo de arrendamento seja maior: será de 15% para contratos com um prazo entre cinco e dez anos; de 10% para contratos com prazos entre dez e 20 anos; e de 5% para contratos com um prazo superior a 20 anos.
Foram também criados limites às rendas de novos contratos de arrendamento, ao mesmo tempo que os inquilinos com contratos antigos são protegidos de forma definitiva. Em contrapartida, os processos de despejo tornam-se mais simples e céleres.
O diploma acaba ainda com o regime da autorização de residência para investimento, os chamados vistos gold, para os investimentos no sector imobiliário.