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A Bluesky, questões técnicas e outros equívocos
Uma newsletter de João Pedro Pereira sobre inovação, tecnologia e o futuro.
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Quando o motor de busca Google foi lançado, os dois co-fundadores divulgaram profusamente ao público o algoritmo PageRank, a forma de hierarquização de páginas Web criada por Larry Page. Foi uma jogada brilhante: entusiasmadas com a forma engenhosa como o novo site conseguia determinar que páginas eram mais importantes, as pessoas passaram a usar cada vez mais o Google. A concorrência eclipsou-se e o resto é história.
A história, claro, não se passou assim.
O Google fazia bem aquilo que fazia (mostrar páginas relevantes para as pesquisas do utilizador) e isso foi uma das razões do sucesso. Outras razões foram a simplicidade da página principal; a forma como integrou publicidade não intrusiva e sem imagens; e outras boas estratégias de negócio, incluindo ter-se tornado o motor de busca do portal Yahoo, à época um gigante.
Sim, o algoritmo PageRank, em que a pesquisa assentava, foi crucial. Mas nem a empresa fez disso uma bandeira, nem a esmagadora maioria dos utilizadores tinha qualquer interesse no assunto (como ainda hoje não tem). As questões técnicas não costumam entusiasmar o público em geral. Os geeks são geeks por alguma razão.
Não vem isto a propósito de o Google (a empresa) estar a uma semana de fazer 25 anos. Vem a propósito da Bluesky, mais uma rede social (chamemos-lhe, por ora, rede social) que pretende ocupar o lugar que o X/Twitter, na verdade, ainda não deixou vago.
Há várias particularidades nesta Bluesky. Uma delas é ter nascido a partir do Twitter, nos tempos pré-Elon Musk, e ter ainda hoje o apoio de um dos co-fundadores daquela rede, Jack Dorsey. Outra é apresentar-se ao público sobretudo com argumentos técnicos, o que tende a ser um caminho difícil.
É que a Bluesky não está apenas a construir uma mera rede social: também está a criar um protocolo aberto de conversação na Internet (chamado protocolo AT, numa referência ao símbolo @). Eis nada menos do que o primeiro parágrafo na primeira página do site da Bluesky:
"A Web. Email. Feeds RSS. Chats XMPP. O que todas estas tecnologias tinham em comum é que permitiam às pessoas interagir livremente e criar conteúdo, sem um único intermediário."
Quantos leitores – nesta newsletter e no site da Bluesky – terão continuado a ler aquele parágrafo após "Chats XMPP"?
Na prática, o que isto significa é que a Bluesky não quer ser uma plataforma centralizada como o Twitter ou o Instagram. Em vez disso, está a desenvolver um protocolo, como o email.
Os utilizadores no Twitter ou no Instagram só podem usar cada uma destas plataformas para comunicar com outros utilizadores que também lá estejam; e uma não é compatível com a outra: não é possível publicar uma fotografia no Instagram que fique imediatamente visível para os utilizadores no Twitter.
O email funciona de forma diferente. É possível enviar um email de um serviço como o Gmail para um serviço como o Outlook.com, e de qualquer um destes para um email corporativo, por exemplo. Além disso, qualquer pessoa pode fornecer um serviço de email. E há uma imensidão de aplicações compatíveis com estes serviços.
Em traços muito largos e pouco técnicos, é isto que significa ser um protocolo: uma base na qual é possível construir aplicações e serviços.
A distinção é relevante. Se o Twitter fosse um protocolo e não apenas uma rede social, o impacto de Elon Musk teria sido menor. Regressemos à analogia com o email: serviços outrora populares já desapareceram (ou transformaram-se) e a comunicação por email continuou sem percalços. A ideia de um protocolo é meritória; mas achar que esta é uma ideia, por si, capaz de convencer utilizadores é provavelmente um dos equívocos da Bluesky. Não será, porém, uma falha fatal.
A Bluesky é também uma organização sem fins lucrativos. Já nesta newsletter se notou a utopia que é criar uma rede social sem fins lucrativos, então a propósito do Mastodon, outro dos candidatos a substituto do Twitter. O Mastodon é uma plataforma montada e mantida por apenas uma pessoa, e que teve uma popularidade que durou um piscar de olhos, alimentada por um entusiasmo maior nos media do que havia no mundo real.
Vencer os efeitos de rede de uma plataforma rival é algo que requer muito investimento e este só aparece quando há um potencial de recompensa no horizonte. É o capitalismo tecnológico que tem criado novas ferramentas digitais de sucesso, não as boas intenções.
Neste campo, o projecto Bluesky é mais sólido do que o Mastodon. Tem mais pessoas, mais investimento e mais experiência. Mas, como o Threads da Meta acaba de demonstrar, a capacidade de montar a tecnologia não basta.
Por fim, a Bluesky criou a Bluesky Social, que é a sua própria rede social construída sobre o protocolo AT. Em muitos aspectos, esta plataforma é semelhante ao Twitter. E está aqui outro equívoco que parece grassar nos tempos recentes: a ideia de que é possível semi-clonar uma rede e capitalizar o descontentamento de alguns utilizadores, movendo-os para uma rede que faz mais ou menos o mesmo. Nunca aconteceu nos cerca de 20 anos de história das redes sociais online.
Apesar de tudo isto, a iniciativa Bluesky é a mais bem posicionada para vir a ser alguma coisa de relevo.
Uma plataforma social acaba por ser aquilo que os utilizadores fazem delas e que escapa sempre ao controlo e visão original dos criadores. O Facebook não nasceu para potenciar genocídios e o Twitter não foi inventado para deputados espalharem notícias falsas. E, no entanto, foi aqui que chegámos. Mesmo as funcionalidades mais populares muitas vezes não são uma invenção de quem gere as plataformas. As hashtags, que do Twitter se espalharam para todas as redes sociais, nasceram da inspiração de um utilizador.
O X/Twitter não está perto do fim. Acreditar nisso não é apenas subestimar aquilo que a plataforma ainda oferece. É, sobretudo, subestimar o que os milhões de utilizadores ainda oferecem uns aos outros.
Mas um protocolo sobre o qual se possam construir aplicações sociais aumenta a probabilidade de surgirem aplicações diferentes para as quais os utilizadores, por sua vez, encontrarão novos usos. O degradar do Twitter não abriu portas a clones instantâneos. Pode é ter dado abertura suficiente para que um novo conceito vingue.