Sempre que há uma onda de calor, surgem avisos relativos aos riscos para a saúde. Isto, porque, apesar de o corpo humano conseguir adaptar-se à variação climática, existe um limite fisiológico a partir do qual as altas temperaturas podem ser perigosas, ou mesmo fatais. Numa altura em que Portugal enfrenta temperaturas elevadas (em muitas regiões superiores a 40 graus Celsius) e em que a crise climática expõe os seres humanos a recordes de temperatura cada vez mais frequentes, explicamos o que ocorre no nosso organismo, quando os termómetros disparam.
Quando fazemos exercício físico intenso, ou estamos expostos ao calor intenso, a temperatura corporal sobe e o organismo humano precisa de accionar mecanismos de arrefecimento. Num esforço de termorregulação, o sistema circulatório redistribui o fluxo sanguíneo, fazendo chegar sangue a uma temperatura mais baixa aos órgãos internos e, paralelamente, mais alta a regiões periféricas.
“O coração está continuamente a garantir a circulação do sangue pelo corpo para tentar manter o corpo mais fresco. À medida que a temperatura central de uma pessoa começa a subir, mais sangue sai directamente do núcleo do corpo em direcção à pele para mover esse calor para longe dos órgãos internos e ser dissipado para o ambiente exterior”, explica ao PÚBLICO Daniel Vecellio, investigador do Virginia Climate Center da Universidade de George Mason, nos Estados Unidos.
Durante a redistribuição do fluxo sanguíneo, os vasos mais delicados (os capilares) enchem-se de sangue ao nível epidérmico, permitindo que parte do calor corporal seja dissipado através da pele. É por isso que ficamos corados após uma corrida, por exemplo – é sinal de que os nossos mecanismos biológicos de arrefecimento estão em plena actividade.
A transpiração é outra estratégia do corpo humano para fazer diminuir o calor corporal. Quando o suor se evapora, baixa a temperatura do sangue nos capilares abaixo da pele. Esse fluxo ao nível epidérmico é reencaminhado para o centro do corpo, contribuindo para o arrefecimento dos órgãos internos. Este mecanismo tende a ser eficaz, desde que a temperatura do ar não exceda a da pele, que gira em torno dos 32 graus Celsius, e que a humidade relativa do ar não seja muito alta, o que dificulta a evaporação do suor.
Os rins, o coração e o cérebro são alguns dos órgãos que sofrem maior impactado do calor extremo. “Quanto maior o stress térmico, mais o coração tentará trabalhar para bombear o sangue através do sistema, o que pode ser desgastante. É por isso que a maior parte do excesso de mortalidade durante as ondas de calor pode ser atribuída a problemas cardiovasculares”, precisa Daniel Vecellio. Idosos, crianças e pessoas com doenças crónicas são considerados grupos vulneráveis e que, portanto, devem redobrar cuidados durante uma vaga de calor.
As vagas de calor que assolaram a Europa no Verão do ano passado, por exemplo, podem ter provocado mais de 61 mil mortes, estima um estudo publicado em Julho na revista científica Nature Medicine. Desse total, 2212 terão ocorrido em Portugal.
Os órgãos associados ao sistema renal também ficam sobrecarregados. “Como precisamos de suar para refrescar durante uma onda de calor, se não bebermos água suficiente para repor os líquidos, pode ocorrer uma desidratação. Isto dificulta o desempenho dos rins no que toca à remoção de resíduos do sangue”, acrescenta o investigador. Por outro lado, para ajudar a arrefecer os órgãos internos, uma parte do fluxo sanguíneo é deslocado para a região epidérmica, “o que pode afectar a pressão sanguínea nos rins e também diminuir a capacidade renal”.
As ondas de calor também estão associadas ao aumento da poluição do ar (sobretudo o ozono troposférico). “Os pulmões podem ser outro órgão afectado negativamente devido à inalação de partículas que inflamam os tecidos pulmonares. Obviamente, quando as ondas de calor estão associadas a incêndios florestais e há fumo na atmosfera, isso também desempenha um papel prejudicial”, acrescenta Daniel Vecellio.
O investigador norte-americano publicou, em 2022, o primeiro estudo científico que recorre a dados empíricos para avaliar a tolerância humana a temperaturas extremas. Nesse artigo, Daniel Vecellio e outros cientistas estabeleciam que os limites de adaptabilidade do organismo humano ao calor estariam algures à volta dos 31 graus Celsius da temperatura de bulbo húmido (uma medida que considera não só os valores do termómetro, mas também a humidade relativa do ar). Numa situação real, este valor equivaleria a estarmos num ambiente com a temperatura do ar de 38 graus Celsius e 60% de humidade relativa do ar, por exemplo.