Um “parágrafo pela Terra”. De Marcelo a Maria Filomena Molder, 11 testemunhos

Pedimos a várias personalidades que nos digam o que pensam nestes dias de todos os recordes. Pedimos-lhes “um parágrafo pela Terra”.

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Nuno Ferreira Santos
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Umas vezes um parágrafo, noutras vezes vários, todos com o mesmo sentido de urgência. O medo cresce, escreve a filósofa Maria Filomena Molder. A humanidade tem de invocar o seu instinto biológico de sobrevivência, afirma Denis Hayes, o homem que organizou o primeiro Dia da Terra em 1970. Arriscamo-nos a perder tudo, resume o cientista da NASA Peter Kalmus. O PÚBLICO desafiou personalidades de diferentes pontos do globo a escrever um parágrafo pela Terra. Este é o resultado.

Marcelo Rebelo de Sousa: "Ninguém pode faltar"

Presidente da República

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Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República Portuguesa Nuno Ferreira Santos

Pela Terra. Pela Humanidade. Pela Esperança. Pelo Futuro. Pela Emergência no Presente. Pelo tempo perdido no Passado. Todos somos necessários. Ninguém pode faltar.

Maria Filomena Molder: “Apressa-te, ó tempo hesitante” *

Filósofa

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Maria Filomena Molder, filósofa Rui Gaudêncio

1. Benjamin assinalou o duplo uso nas línguas latinas da palavra tempo, tanto referindo-se ao deus predador, que se tornou medidor dos dias e dos anos, a senhora cronologia, como ao tempo que faz, próprio da atmosfera terrestre, o tempo meteorológico.

Que o tempo esteja fora dos gonzos já não se aplica apenas ao tempo que esguicha e se dobra sobre si mesmo, temporalidade caótica, dramática, que ameaça a ordem humana, mas também ao tempo que faz, e que já foi matéria de conversa quando não havia outra. Agora não há outra e o medo cresce.

2. Parece que todas as nossas patologias advêm de morrermos, sabendo que sim. É o caso do racionalismo analítico, que, para fugir da morte, reduz a existência de tudo quanto existe, existiu e existirá aos finalismos inventados por si próprio. A IA é a sua última máscara.

3. Os versos de Herberto Helder e de Hölderlin que se seguem acompanham-me há anos, citá-los aqui é um dever. Os primeiros anunciam aquele deserto de onde nunca mais se torna; os segundos exigem a decifração do enigma:

“Os grandes animais selvagens extinguem-se na terra, /os grandes poemas desaparecem nas grandes línguas que desaparecem, /homens e mulheres perdem a aura / na usura, /na política, / no comércio, /na indústria” (A faca não corta o fogo).

“A Terra está morta, quem quer agradecer-lhe?” (Os poetas hipócritas, trad. P. Quintela).

4. Num ano de extrema secura como este de 2023, as copas das amoreiras, à sombra das quais caminho todos os dias, expandiram-se de tal modo que os ramos carregados de folhas quase chegam ao chão. Alguém há-de saber porquê. Para uma leiga, como eu, é um paradoxo inquietante. Desde meados de Julho que volteiam no chão folhas e folhas secas, um Outono precoce. Em contrapartida, na Primavera todos os anos se agrava a confusão: já os rebentos estão a nascer e as antigas folhas meio-verdes, amarelas ou castanhas ainda se agarram aos ramos.

5. Nunca foi tão urgente uma guerra sem quartel por um tempo cheio, o tempo da espera e da expectativa, contra o tempo vazio da previsão, tão perdulário como ganancioso. O que se observa, porém, é o limpar das armas.

* Hölderlin, Oração pelos incuráveis (trad. J. Barrento).

Peter Kalmus: "Arriscamo-nos a perder tudo"

Activista norte-americano e cientista do clima da NASA

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Peter Kalmus, cientista do clima da NASA Joe Scarnici/Getty Images

O dano que está a ser feito pelos combustíveis fósseis na nossa Terra é efectivamente irreversível. Não há nada mais importante neste momento para a humanidade do que pôr fim à indústria dos combustíveis fósseis, a principal impulsionadora do aquecimento global. Todas as outras soluções propostas são apenas distracções se não se concentrarem nessa tarefa central. Mas os líderes políticos e das corporações ainda estão a fazer tudo o que conseguem para expandir os combustíveis fósseis. Arriscamo-nos a perder tudo. As pessoas em todos os sítios precisam de se aperceber disso, e de se insurgirem, de verdade. Quanto mais cedo fizermos isso, mais vamos conseguir salvar a habitabilidade da Terra e o nosso futuro colectivo. É tão simples quanto isso.

Denis Hayes: "Desejo de morte"

Organizador do primeiro Dia da Terra em 1970 e director executivo da Fundação Bullitt, nos EUA

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Denis Allen Hayes, director executivo da Fundação Bullitt, nos EUA Mark Von Holden/GettyImages

Em 1980, aqueles de nós que falavam sobre a destruição climática mostrávamos com frequência gráficos com linhas que situavam pontos sem retorno que ocorreriam por volta de 2020. Estávamos a avisar sobre o que o futuro nos reservava se a humanidade não mudasse o seu rumo. Na altura, evitar uma disrupção climática extensiva teria sido fácil e barato. Liderei uma tentativa em nome da Administração de [Jimmy] Carter para mostrar como é que os Estados Unidos poderiam obter 20% de toda a sua energia a partir de renováveis por volta do ano 2000, e poupar dinheiro nesse processo! Mas o surgimento de Ronald Regan, o “fracking”, a ascensão de uma China alimentada a carvão, as guerras no Médio Oriente e outros acontecimentos mundiais conduziram o planeta numa direcção diferente.

Agora, essas linhas de gráficos começaram a ser atravessadas. Phoenix, no Arizona, acabou de viver 31 dias seguidos com temperaturas acima dos 43,3 graus Celsius. Os incêndios florestais que ocorreram a nível nacional no Canadá inundaram a América do Norte de fumo (e despejaram enormes volumes de carbono na atmosfera). O supertufão Egay forçou a retirada de 300.000 filipinos. Mas, mesmo hoje, a indústria dos combustíveis fósseis está a abrir novos campos petrolíferos, novas minas de carvão, novos gasodutos de gás natural. Os governos que permitem isto, que até encorajam isto, devem ter um desejo de morte!

A humanidade tem de invocar o seu instinto biológico de sobrevivência. Temos de exigir zero novos campos de petróleo, zero novas minas de carvão e acabar imediatamente com a economia de carbono. Temos tecnologias limpas e acessíveis para garantir todas as nossas necessidades energéticas. Não há outra explicação, além da ganância, da inércia e da corrupção, para o nosso falhanço em as usarmos.

Bill McKibben​: "O ano 2023 pode ser o último aviso"

Jornalista norte-americano, um dos fundadores da organização ambientalista 350, autor de The End of Nature (1989)

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Bill McKibben, fundador da 350.org Erik McGregor/LightRocket via Getty Images

Escrevo sobre a crise climática desde a década de 1980, quando publiquei aquele que é considerado o primeiro livro sobre o assunto. Mesmo assim, este Verão de calor abrasador foi um choque: conseguimos realmente levar o planeta a um ponto em que ele não estava há centenas de milhares de anos e ameaçamos levá-lo até onde ele não estava há milhões de anos, por isso, entre o luto e o medo, temos de dar passos para introduzir mudanças. A energia solar e eólica barata e confiável é um caminho a seguir, mas temos de percorrer esse caminho, e não passear por esse caminho, que é o que estamos a fazer. O ano 2023 pode ser o último aviso para agir com verdadeira convicção.

Luísa Schmidt: "Resta-nos a ciência, o conhecimento e a educação"

​Socióloga, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

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Luisa Schmidt, investigadora do Instituto de Ciências Sociais miguel madeira

Estamos em tempos de rupturas, ambientais, sociais e morais. São a demonstração dos erros de uma era, e não foi à falta de avisos que chegámos a isto: incêndios explosivos; ondas de calor mortíferas; cheias súbitas e incontroláveis; multidões em fuga dos lugares onde não é mais possível a vida humana, e as outras.

A um mundo insuportável não resta alternativa senão a mudança, e rápida. Sabemos pela pandemia que é possível mudar depressa, e sabemos pelas guerras que o dinheiro abunda. E sabemos também que só haverá solução se for para todos, mesmo que alguns delirem com o seu salvamento privativo.

Nenhum monstro galáctico veio atacar-nos. Foi daqui e das sociedades que as rupturas se prepararam e fizeram, sem dar ouvidos à ciência e ao pensamento que desde há muito vinha alertando para o inevitável a que levava o caminho voraz do nosso sistema abusivo.

Resta-nos hoje a ciência, o conhecimento e a educação para alimentar a esperança e a acção.

E resta o vigor moral da revolta dos jovens que se recusam a ser recusados pelo futuro que lhes vamos tirando.

Estamos em tempos de rupturas, ambientais, sociais e morais. Só restaurando a solidariedade intergeracional passaremos destas rupturas a um futuro humano.

Patrícia Portela: "A arte como prática ecológica"

Escritora portuguesa e autora de diversos projectos artísticos transdisciplinares

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Patricia Portela, escritora, dramaturga, cineasta Adriano Miranda

As coisas, quando acontecem e não incomodam, não se vêem. Não sabemos muitas vezes de que é feito o chão que pisamos a não ser quando tropeçamos no caminho. Não compreendemos a força excessiva do mar a não ser na presença de um tsunami.

No dia-a-dia, quando percorremos o nosso quotidiano, não sentimos a tempestade que se avizinha. Vivemos num mundo distorcido que, contra todas as evidências, nos parece arrumado, organizado, “normal”, à excepção de um ou outro acidente. As prateleiras dos supermercados continuam cheias, os caminhos continuam a ser desbravados, os lugares aparentemente sempre acessíveis. Não vemos a calamidade a acontecer porque ela é contínua. E continua. Sem a nossa disrupção. Até derretermos o planeta por inteiro enquanto recriamos metodologias originais para manter os mesmos hábitos, mesmo quando estes se revelam inconsistentes com as nossas crenças, com os nossos valores, ou com necessidade urgente de um futuro melhor.

A arte tem sido, nestes últimos tempos, uma espécie de cúmplice desta distracção compulsiva com o que nos rodeia. Abraçou-se a uma ideia de si própria como um acto criativo independente, romântico e descendente de uma filosofia neoliberal. Um gesto comercial numa época decadente em que, por podermos comprar feito, ligar ou desligar um equipamento com um simples gesto ou assinar com o nosso nome uma obra que foi realizada por dezenas ou mesmo centenas de seres (vivos ou artificiais), acreditamos que construímos tudo sozinhos e que as nossas ideias nascem só da nossa cabeça e, pior, podem sobreviver a qualquer intempérie ou ter significado em qualquer contexto.

A arte pratica-se hoje como se fosse um produto embalado como outro qualquer e, no entanto, é uma sede humana estruturalmente ecológica.

Para ver melhor ou para tornarmos o invisível visível, é preciso ampliar a sua acção ou retirar as coisas do seu contexto, e é isso que um objecto artístico faz: retira as coisas do seu lugar habitual para as colocar noutro sítio onde podem ser observadas em detalhe. Onde podem ser ensaiadas. Transformadas. Testadas vezes sem conta. Ou simplesmente admiradas e reproduzidas.

A arte é uma forma de despertar outros sentidos, físicos e intelectuais, sobre o que nos rodeia. Cada criação artística é uma tentativa de aceder ao princípio mais elementar de tudo, enquanto é simultaneamente o exercício de desenhar o futuro, colocando as peças que todos conhecemos numa outra posição, e, com essa arrumação, surpreender-nos. Ensinar-nos. Tirar-nos o tapete. A arte é uma forma de renovar o encontro com o mistério, prestando-lhe atenção sem o querer desvendar. Um encontro com a beleza sem vontade de a medir. A arte, em suma, é uma forma de cuidar. Das coisas, das pessoas, dos bichos, dos espaços, dos encontros, apenas porque sim, sem olhar os outros como imigrantes ou intrusos, mas como personagens principais de uma história, sem olhar a natureza como recurso, mas como casa ou contemplação, sem precisar de uma afirmação declarada de utilidade, assumindo-se como uma existência transcendente mesmo que singela.

A arte é uma forma de colaboração com os dias. Com os tempos. Com aquilo que achamos ter verdade. Com o chão que pisamos. E nesse sentido, nesse processo de compreensão, releitura e fascínio pelo mundo, é também um manifesto intrinsecamente ecológico, proporcionando um encontro entre a realidade que se vive e aquela que ainda se deseja acrescentar.

Como nos diz Timothy Morton, em Toda a Arte É Ecológica, “a arte é um lugar que procuramos habitar para tentar perceber o que significa ser humano em relação com o não-humano: o mundo, as coisas, os elementos”. E talvez seja essa uma forma urgente de sermos, de estarmos e de pensarmos no e o mundo, disponibilizando-nos para transformações desejáveis, mas inesperadas. Não só entre nós mas, e sobretudo, reflectindo em que medida o mecanismo da fruição estética de um projecto artístico pode ser o mesmo que espoleta uma atitude ecológica transformadora.

Vivemos na era do Antropoceno, numa era em que o ser humano é a força geofísica maior, capaz de criar a sua própria extinção. Porque se isola mais do que sociabiliza, porque destrói mais do que colabora. A colaboração entre pares, entre seres humanos e natureza, entre espaço e tempo, entre tempo e acção, entre o gesto da arte e o gesto do quotidiano é um dos caminhos possíveis para sairmos deste vórtice de um crescimento linear sem limites para onde nos atirámos e do qual não parecemos querer ou conseguir sair.

Afinal de contas, é no encontro com o belo que nos fascina que nos impelimos para algo: para o amor, para a construção, para o cuidado com o que se aprecia. E será sempre esse cuidado por algo apenas porque é belo e fascinante e não porque é um recurso, porque nos é útil ou garantido, o único gesto que nos proporcionará uma entrada num novo ciclo.

Quando uma obra de arte e uma paisagem se misturarem na mesma experiência, quando uma caminhada e uma coreografia se identificarem, estar no mundo e ser o seu voraz consumidor poderão ser duas forças irreconciliáveis de forma irreversível. Nesse exacto primeiro minuto em que isso acontecer, iniciaremos uma nova era: a da atenção!

Joanna D. Haigh: "Temos de PARAR de queimar combustíveis fósseis"

Professora emérita do Imperial College, co-directora do Instituto Grantham para as Alterações Climáticas e de Ambiente do Imperial College de Londres, de 2014 até à sua reforma, em 2019

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Joanna Haigh, professora emérita do Imperial College London Thomas Angus/Imperial College London'

A temperatura à superfície da Terra aumentou cerca de um grau Celsius ao longo do último século. O aumento é indiscutível, como mostram as muitas bases de dados científicas, independentes e cuidadosamente coligidas: Junho de 2023 foi o Junho mais quente de que há registo histórico. A principal causa deste aquecimento global é o aumento da concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera, em particular o dióxido de carbono (CO2), consequência das actividades humanas. Isto vem em grande parte da combustão de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás), cuja física é conhecida há séculos e cuja relação foi demonstrada pela primeira vez há mais de 80 anos.

O aumento da temperatura à superfície afecta o tempo em todo o mundo. As vagas de calor registadas em 2023 na Europa, na América do Norte e na China teriam sido praticamente impossíveis sem o aquecimento subjacente. As alterações climáticas também contribuíram para fenómenos extremos de precipitação e inundações, como os registados no Paquistão em 2022, e secas, como aconteceu na Europa no mesmo ano.

O CO2 tem um tempo de vida de centenas de anos, portanto acumula-se à medida que lançamos mais para a atmosfera, aumentando inevitavelmente as temperaturas. Para evitar um maior aquecimento, temos de PARAR de queimar combustíveis fósseis. As consequências da inacção estão a tornar-se cada vez mais óbvias e cada vez mais aterradoras.

Ricardo Trigo: "Só existe uma forma de limitarmos o crescimento de fenómenos extremos"

Climatólogo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

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Ricardo Trigo, climatólogo da Universidade de Lisboa Dr

Ao contrário do que muitos poderão pensar, as alterações climáticas podem ser muito distintas para as diferentes regiões da Terra. Por exemplo, de acordo com a Organização Meteorológica Mundial, as temperaturas na Europa aumentaram cerca do dobro da média global nos últimos 40 anos. Recentemente, os efeitos deste aquecimento “acelerado” do continente europeu estão a ser observados e comentados todas as semanas nos media, nomeadamente devido à ocorrência crescente de fenómenos extremos como secas, ondas de calor e incêndios florestais. Apesar da complexidade dos mecanismos físicos responsáveis por este aquecimento acelerado, julgo que vale a pena realçar dois fenómenos de feedback positivo que contribuem de forma decisiva: 1) nas latitudes elevadas da Europa, o desaparecimento cada vez mais cedo do gelo flutuante nos mares implica uma maior absorção da radiação solar incidente que, ao aquecer os oceanos, vai contribuir para uma menor acumulação de gelo nos anos seguintes, 2) na zona do Mediterrâneo sabemos agora que os cada vez mais frequentes eventos de seca resultam da menor precipitação observada, mas também das temperaturas mais elevadas ao longo de todo o ano, favorecendo uma evapotranspiração muito mais intensa, e representam um mecanismo muito importante de amplificação das ondas de calor de verão. No atual estado de conhecimento científico só existe uma forma de garantidamente limitarmos este crescimento da frequência dos fenómenos climáticos extremos na Europa e nos outros continentes: diminuir de forma muito significativa as taxas de emissão anual de gases de efeito de estufa nas próximas duas décadas.

Eliane Brum: "Negacionismo é não viver segundo a emergência do momento"

Escritora, jornalista e documentarista brasileira, directora da plataforma de jornalismo Sumaúma

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Eliana Brum, directora da plataforma de jornalismo Sumaúma

Acabamos provavelmente de viver o julho mais quente dos últimos 125 mil anos. E só estúpidos patológicos ou cretinos de extrema-direita a essa altura duvidam de que a mutação climática foi provocada por ação humana. Quem duvida de uma obviedade fartamente comprovada pela melhor ciência é chamado de negacionista do clima. Mas isso é fácil demais. Se quisermos compreender o momento vivido para agir sobre ele, é necessário ampliar o conceito de negacionismo. Quando nossa casa-planeta se transfigura em modo acelerado, apenas aceitar o óbvio não salva ninguém de ser negacionista. É imperativo viver segundo a emergência do momento para de fato poder afirmar que não é negacionista. E isso é bem mais difícil, porque exige ação no mundo de dentro e no de fora. O capitalismo destruiu não só a casa-planeta como o instinto de sobrevivência da espécie humana. Do contrário acordaríamos e (não) dormiríamos pensando em como barrar o aquecimento global. Afinal, o que pode ser mais importante do que garantir a vida? Mas não é assim que a maioria, mesmo a amplamente esclarecida, está vivendo. Ou encontramos uma maneira de recuperar o instinto de sobrevivência, que é a própria humanidade perdida no processo de alienação dos corpos, ou seguiremos condenando as novas gerações a uma vida ruim num planeta hostil. E muito, muito quente.​

Joana Portugal Pereira: "Vivemos fenómenos sem precedentes"

Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, investigadora visitante do Imperial College de Londres e autora líder do 6.º Ciclo de Avaliação do IPCC

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Joana Portugal Pereira, cientista senior da Imperial College e membro do IPCC NUNO FERREIRA SANTOS

As ondas de calor cada vez mais frequentes e os recordes de temperatura média global recentemente registados suscitam uma profunda reflexão acerca da crescente instabilidade climática que nos aguarda no futuro. Enfrentar estes fenómenos climáticos extremos sem precedentes expõe os desafios urgentes para atenuar os efeitos adversos provenientes dessas transformações. O panorama futuro e a trajetória do aquecimento global nos próximos anos estão intrinsecamente relacionados às decisões que tomarmos agora em relação às emissões de gases de efeito estufa (GEE). Nesse sentido, somente com a neutralização das emissões dos GEE poderemos estabilizar o aumento da temperatura global e minimizar os impactos sobre o clima. Para tal, é essencial adotarmos ações orquestradas na direção de estratégias de eficiência energética, fontes de energia renovável, práticas agrícolas sustentáveis, padrões de consumo de baixo carbono e maior cooperação global. A implementação imediata de soluções inovadoras e medidas concretas hoje será preponderante para definir um caminho sustentável dos próximos anos.

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