Conviver com animais diminui a solidão dos idosos — e neste lar da Maia os cães são bem-vindos

No Centro Social Paroquial de Águas Santas, os idosos recebem visitas dos cães do projecto Ladra Comigo para se manterem activos. Desta vez, Pitanga foi lá receber festinhas e muito colo.

ANIMAIS EM SESSAO DE TERAPIA PARA IDOSOS NO CENTRO  SOCIAL PAROQUIAL DE AGUAS SANTES NA MAIA
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Os idosos do Centro Paroquial de Águas Santas fazem terapia com cães mensalmente ADRIANO MIRANDA / PUBLICO?
ANIMAIS EM SESSAO DE TERAPIA PARA IDOSOS NO CENTRO  SOCIAL PAROQUIAL DE AGUAS SANTES NA MAIA
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Os idosos do Centro Paroquial de Águas Santas fazem terapia com cães mensalmente ADRIANO MIRANDA / PUBLICO?
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A poucos minutos das 11h15, os idosos do Centro Social Paroquial de Águas Santas, na Maia, já estão prontos para receber uma visita especial. Esta manhã, Pitanga, uma das cadelas do Ladra Comigo, projecto de terapia assistida com cães, vai procurar festinhas e — se tudo correr bem — o colo de alguns dos residentes.

Domingos Antunes, de 74 anos, é o primeiro a reparar na chegada do animal que já há muito conhece. Pitanga, cadela de porte pequeno, entra na sala acompanhada pela tutora e terapeuta Clara Cardoso e decide sentar-se no meio da sala enquanto a dona conversa com os idosos. Está devidamente identificada: no colete que traz vestido lê-se “cão de intervenção”.

“Hoje trouxe a Pitanga, que faz três anos. Está uma crescida”, anuncia Clara Cardoso, ao mesmo tempo em que retira os objectos que vão ser usados nos exercícios com o animal: um dado de esponja colorido, um pequeno tapete vermelho, outro amarelo, espuma de banho, uma escova e pasta de dentes canina e três copos de cores diferentes. Preso à cintura da treinadora está também um saco com biscoitos para a cadela.

Durante as visitas, que acontecem duas vezes por mês, o principal objectivo é trabalhar a motricidade fina dos 16 residentes através de gestos simples como tocar nas patas dos cães. Para a grande maioria dos idosos, é uma tarefa simples, mas também há quem tenha dificuldade em segurar objectos leves ou levantar a mão.

“Para eles, limpar o cão, dar biscoitos, escovar os dentes é uma coisa lúdica e sentem-se úteis. Trabalham sem saberem que estão a trabalhar”, explica ao P3 Clara Cardoso.

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Domingos Antunes é um dos 16 residentes do lar ADRIANO MIRANDA

Pitanga e o seu pêlo macio são a motivação. As mãos mexem-se e acariciam a cabeça da cadela ou pegam em biscoitos para lhe dar. A treinadora deixa escapar uma confidência: há sempre alguém que tira uma bolacha do bolso para oferecer aos cães quando pensa que ninguém está a ver. “Temos de estar atentos”, reforça, entre risos.

À vez, os idosos vão atirando o dado que vai ditar a tarefa que vão executar. Armanda Pedrosa, uma das residentes, lavou os dentes a Pitanga, que aproveita para se sentar ao colo. No fim, para dar uma ajuda, a cadela lambe os restos de pasta de dentes que ficaram nos cantos da boca — e mostra uma certa resistência em sair do colo.

“Que querida! Ela está muito bem aqui. É porque se sente bem”, diz a idosa de 75 anos, que também não se quer separar do animal.

Do outro lado da sala, há quem chame Pitanga para junto de si, mas sem sucesso. A cadela já voltou ao trabalho e, de orelhas em sentido, dirige-se para João Mendes, que tem como missão esconder biscoitos no tapete vermelho.

Neste lar, todos gostam de animais ao ponto de pedirem a Clara e às duas responsáveis pelos idosos, Sónia Esteves e Tânia Moreira, para ficarem com os cães do Ladra Comigo durante uns tempos. “É um pedido frequente, principalmente quando a Clara traz cães mais pequenos que vão para o colo”, adianta Tânia.

Mas como o lar não aceita animais de companhia dos utentes, ter um cão ou gato está fora de questão, uma vez que nem todos os idosos serão capazes de cuidar do animal e “teria de ser uma colaboradora a fazê-lo, coisa que não é fácil”, explica Sónia.

No entanto, salienta a terapeuta ocupacional, o desejo dos residentes não foi totalmente ignorado. Além das sessões de terapia com cães, o lar adoptou recentemente um canário que se tornou na mascote do espaço.

“Interagir com cães diminui estados depressivos”

O lar Clave de Sol, no Porto, também teve canários durante alguns anos. Os pássaros eram de Vergílio Pereira, avô da fundadora Ana Magalhães, que decidiu criar, em 2014, uma casa de repouso para receber o idoso e “outros avôs” que tivessem animais.

Vergílio já não foi a tempo de viver no lar, mas os 30 canários ainda fizeram companhia às oito residentes que entretanto se instalaram no espaço. “Nunca me opus à ideia de receber animais de estimação dos utentes. Aliás, peço sempre que os tragam, mas que, de preferência, sejam cães”, os animais preferidos das residentes, explica a fundadora. Só ainda não aconteceu porque as idosas que aqui vivem não têm animais de companhia.

Margarida Saraiva, do Lar Quinta de São José, em Oliveira do Hospital, Coimbra, também está aberta à ideia. Explica que o lar tem quartos e apartamentos T1, pelo que os animais poderiam ficar tanto no interior das instalações como no grande espaço exterior, se o dono assim preferir. Além disso, a equipa ajudaria a cuidar do cão ou gato sempre que necessário.

Por enquanto, Mel e Windy, as cadelas de Margarida, são os únicos animais que frequentam o lar — e, segundo a tutora, os idosos adoram estar com elas.

Segundo a directora do lar, a convivência com animais traz vários benefícios, especialmente aos mais velhos, como a melhoria da qualidade de vida, diminuição dos níveis de stress ou estimulação cognitiva. Clara Cardoso, terapeuta do projecto Ladra Comigo, partilha da mesma opinião.

“Interagir com um cão ajuda a diminuir os estados depressivos”, diz, reforçando que também contribui para a boa disposição das pessoas e dos animais. Durante os 40 minutos de visita, Pitanga põe todos os idosos a mexer (nem que seja quando toma a iniciativa de se encostar às pernas de alguém).

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Os idosos costumam pedir para ficarem com os cães ADRIANO MIRANDA
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Dar banho seco a Pitanga foi uma das tarefas dos idosos ADRIANO MIRANDA

Domingos Vasconcelos, mais conhecido como “professor”, é prova disso. Durante a sessão, o antigo professor do ensino primário observa a interacção dos colegas com a cadela e, por defeito de profissão, explica o que têm que fazer para conseguirem que Pitanga lhes dê um beijo. “Encosta o teu nariz ao focinho dela”, diz à idosa sentada ao lado.

Domingos está habituado ao contacto com animais desde criança. Quando vivia com os pais, cães e gatos não faltavam para lhe ocupar o tempo e, em adulto, recorda os anos em que partilhou a casa com uma pastora-alemã que a filha lhe trouxe. Hoje, com 78 anos, diz que não ter nenhum animal faz uma certa falta.

“Acho estas terapias interessantes. O contacto com os animais faz-nos bem e rimo-nos um bocado. Às vezes lembro-me que podíamos ter um cão lá fora, já que isto é tudo fechado. Como um cão de guarda”, expõe. Ainda não aconteceu. Por enquanto, tem apenas a companhia do canário.

Lares sem animais estão abertos a mudanças

Segundo dados oficiais de 2020, Portugal continental conta com 2561 lares registados nos 18 distritos, no entanto, é impossível determinar quantos aceitam ou não os animais de companhia dos idosos. Para Marina Lopes, directora executiva e fundadora da plataforma Lares Online, que ajuda as famílias a escolherem o lar que mais se adequa às necessidades de cada idoso, todas as residências seniores deveriam permitir animais de pequeno porte, e, por isso, apela à criação de legislação sobre a matéria.

“Reconheço que aceitar um animal de estimação exige um conjunto de requisitos e cuidados que nem todos os lares conseguem cumprir, mas também é verdade que os lares não estão pensados para receber idosos com animais”, defende.

A Lares Online tenta ajudar casos destes, mas a verdade é que em 13 anos de existência contam-se pelos dedos os casos de sucesso. Marina acredita que, para um idoso que vive num lar, “o animal tem o papel substituto da família” e ajuda na estabilidade emocional, contudo, a falta de regulação sobre o tema leva a que muitos lares partam do princípio de que aceitar animais é proibido. Na verdade, revela, até há um documento que diz o contrário.

Segundo o Manual de Boas Práticas Para o Acolhimento de Pessoas Mais Velhas, redigido pela Segurança Social, o idoso pode levar os seus pertences para o lar sempre que possível, incluindo mobiliário ou animais de companhia.

E mesmo que os animais não vivam em permanência com os idosos, já vários lares arranjaram estratégias para permitir o contacto. É o caso da Fundação AFID Diferença, em Alfragide, Lisboa, que diz não ter capacidade física para receber permanentemente os animais dos idosos, contudo, permite que as famílias se façam acompanhar dos seus cães nas visitas e, há cerca de um ano, adoptou um coelho que se tornou na mascote do lar. Já a Clínica Ibervita, em Anadia, distrito de Aveiro, está aberta à possibilidade de ter cães ou gatos, mas apenas no exterior da unidade geriátrica, uma vez que alguns dos 58 residentes são alérgicos ao pêlo, adianta ao P3 fonte do lar.

De regresso ao Centro Paroquial de Águas Santas, a visita de Pitanga está a chegar ao fim. Os idosos despedem-se da cadela que só vão voltar a ver em Setembro. Pitanga, que demora a sair da sala, parece satisfeita com a quantidade de biscoitos, mimo e colo que tanto procurou em cada um dos idosos.

Faltam poucos minutos para as 12h, mas antes de ir, e como é dia de festa, reservam-se uns minutos para todos lhe cantarem os parabéns.

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