Tribunal dos EUA restringe venda da pílula abortiva mifepristone

Decisão em segunda instância leva o caso para o Supremo Tribunal dos EUA, cuja maioria conservadora reverteu o direito constitucional ao aborto em 2022.

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As decisões ficam sem efeito até o caso chegar ao Supremo Tribunal Reuters/EVELYN HOCKSTEIN
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Um tribunal de recurso dos Estados Unidos impôs restrições no acesso ao medicamento mifepristone, que é usado no aborto não cirúrgico em quase 100 países, incluindo em Portugal. A decisão, anunciada na quarta-feira, remete o caso para o Supremo Tribunal norte-americano, que reverteu o direito constitucional ao aborto em 2022.

A nova decisão judicial não proíbe a venda do mifepristone, mas anula uma série de decisões da autoridade do medicamento norte-americana (FDA, na sigla original), de 2016 e 2021, que foram essenciais para que milhões de mulheres tivessem acesso a um aborto não cirúrgico e em segurança, com particular incidência nas camadas mais desfavorecidas da população.

Em 2016, a FDA autorizou a prescrição do mifepristone por outros profissionais de saúde além dos médicos; alargou o prazo para a toma do medicamento, de sete para dez semanas; e passou a exigir apenas uma consulta presencial, quando até então as mulheres tinham de se deslocar a um consultório em três ocasiões distintas.

Depois disso, em 2021, a FDA autorizou a prescrição do mifepristone por teleconsulta e a venda do medicamento através dos correios.

Na decisão de quarta-feira, um painel de três juízes do tribunal da relação que decide recursos em três estados do Sul dos EUA — Texas, Louisiana e Mississípi, todos de tendência conservadora — disse que a FDA não avaliou de forma responsável as possíveis consequências de tantas alterações em poucos anos e ordenou a reversão das medidas posteriores a 2016.

Segundo os críticos da decisão, o desfecho deste caso poderá também ter consequências para futuras autorizações da FDA em relação a outros medicamentos e prejudicar o financiamento de investigações, devido ao risco de os tribunais se sobreporem às decisões científicas da autoridade do medicamento.

"Cientistas também erram"

A decisão de segunda instância — que fica automaticamente suspensa, sem efeitos na venda do mifepristone, até o caso chegar ao Supremo Tribunal — concorda com parte de uma decisão de primeira instância, conhecida em Abril, que proibiu a venda do mifepristone em todo o país e sem nenhuma excepção.

Essa decisão, tomada pelo juiz do Texas Matthew Kacsmaryk — nomeado pelo ex-Presidente dos EUA Donald Trump e conhecido pelas suas posições contra o aborto —, deu razão a um grupo de médicos que exige a proibição total da venda do medicamento.

Segundo o grupo de médicos antiaborto, a FDA autorizou de forma ilegal a venda do mifespristone nos EUA em 2000, uma posição que não foi validada pelo tribunal de segunda instância; segundo os juízes, os queixosos deixaram passar demasiado tempo para poderem exigir uma reversão de uma ordem da FDA com mais de duas décadas.

Também em Abril, um outro painel de juízes do mesmo tribunal de recurso, que foi chamado a intervir com carácter de urgência, anulou a proibição total do juiz Kacsmaryk, mas validou uma parte da queixa dos médicos antiaborto.

Essa decisão de emergência foi mantida na quarta-feira por um novo painel de três juízes, todos nomeados por antigos Presidentes do Partido Republicano.

A decisão de quarta-feira teve a oposição do juiz James C. Ho, nomeado por Trump em 2018. Segundo Ho, o painel devia ter validado a decisão do juiz Kacsmaryk, que proibiu a venda do mifepristone sem nenhuma excepção.

"Os cientistas têm contribuído muito para a melhoria das nossas vidas", disse o juiz. "Mas os cientistas são seres humanos como nós. Todos nós cometemos erros e a FDA já cometeu muitos."

Segundo as indicações da Direcção-Geral de Saúde portuguesa (DGS), o mifepristone é tomado sob a forma de comprimido para bloquear a hormona responsável pela manutenção da gravidez, a progesterona; num segundo momento, 36 horas ou 48 horas após a toma do mifepristone, a toma de um outro medicamento, o misoprostol, "irá provocar contracções no útero, causando hemorragia e a expulsão do conteúdo uterino".

Mais de metade dos abortos nos EUA são feitos com recurso ao regime mifepristone/misoprostol e o risco de efeitos secundários graves é inferior a 1%.

Segundo uma análise feita pela CNN em Abril, o mifepristone causou cinco mortes por cada milhão de pacientes desde 2000, o que se traduz numa taxa de mortalidade de 0,0005% — inferior a medicamentos como a penicilina e o Viagra, segundo a CNN.

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