Na Georgia, o feitiço virou-se contra Giuliani

Antigo advogado de Donald Trump e ex-presidente da Câmara de Nova Iorque foi acusado ao abrigo de uma lei que ajudou a promover, na década de 1980, na qualidade de procurador em Nova Iorque.

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Rudolph Giuliani foi acusado de 13 crimes na Georgia Reuters/EDUARDO MUNOZ
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Durante os anos 1980, nos seus tempos como procurador do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, o advogado Rudolph Giuliani ficou célebre por ser um dos primeiros no país a usar uma lei anticorrupção da década anterior — conhecida pela sigla RICO — para vergar as máfias de Nova Iorque e alguma da criminalidade financeira de Wall Street. Quatro décadas depois, é com base na mesma lei federal, adaptada pelos legisladores da Georgia, que Giuliani se vê acusado de 13 crimes num esquema para subverter o resultado da eleição presidencial de 2020.

Giuliani, de 79 anos, disse na terça-feira que o despacho de acusação contra Trump e 18 colaboradores do ex-Presidente dos EUA é “uma afronta à democracia americana”, e afirmou que “os verdadeiros criminosos são as pessoas que conduziram o processo judicial na Georgia, directa e indirectamente”.

No despacho, que é partilhado com Trump e com todos os outros implicados, Giuliani é acusado de violar a versão da Georgia da lei anticorrupção RICO, aprovada pelo Congresso dos EUA em 1970 para contornar dificuldades na condenação de pessoas envolvidas em organizações criminosas.

Nas décadas anteriores, as autoridades judiciais tinham sofrido para garantirem a condenação de criminosos célebres e violentos como o gangster Al Capone, muitas vezes condenados por fuga ao pagamento de impostos.

Com a aprovação da lei RICO, o Departamento de Justiça dos EUA e os procuradores dos vários estados norte-americanos passaram a ter uma ferramenta importante para acusarem os líderes de organizações criminosas — principalmente os das máfias norte-americanas — com o crime de conspiração, o que afastava a necessidade de ligar esses suspeitos a crimes como assassínios e extorsão, geralmente executados por membros menos importantes.

De todos os procuradores que fizeram uso da lei RICO nos anos a seguir à sua aprovação, Giuliani foi o que mais se destacou. Em meados da década de 1980, o então procurador do Departamento de Justiça em Manhattan, Nova Iorque, obteve a condenação de 11 líderes mafiosos de todas as cinco famílias da cidade, com penas a rondar os 100 anos de prisão.

Nos anos seguintes, o advogado usou a sua fama de feroz combatente anticorrupção para se candidatar a presidente da Câmara de Nova Iorque, tendo sido eleito em 1993. Quando concluiu o seu segundo e último mandato, a 31 de Dezembro de 2001, Giuliani era tratado como um herói — “o mayor da América” — devido ao seu papel de liderança após os atentados terroristas na cidade, três meses antes.

“O Rudy Giuliani da era Trump é muito diferente do Rudy Giuliani dos anos 80 e 90”, diz Fred Kaplan, um escritor e jornalista que entrevistou o antigo presidente da Câmara de Nova Iorque, num artigo publicado nesta quarta-feira no site Slate. “Ele era um republicano liberal, no tempo em que esse tipo de criaturas ainda existia.”

Segundo Kaplan, Giuliani sofreu uma grande desilusão em 2008, quando percebeu que não tinha hipóteses de vir a ser Presidente dos EUA, ao contrário do que sempre acreditara. Depois dessa “humilhação”, o advogado terá decidido que a melhor hipótese de se manter relevante na política do país, e de manter o acesso a um estilo de vida luxuoso, era renunciar ao seu passado relativamente liberal e juntar-se às facções mais conservadoras do Partido Republicano, que estavam em ascensão.

“Guiado por um desejo insaciável de dinheiro e de poder”, diz Kaplan, “Giuliani perdeu de vista muitas coisas do seu passado — os seus valores políticos e gostos pessoais, e também, ao que parece, a sua convicção de que a cumplicidade com corruptos pode levar uma pessoa a ser destruída pelo seu velho amigo, o RICO.”

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