Valezim, em Seia, pega nas velgas abandonadas para construir o seu palco
Até sábado, aldeia serrana recebe programação cultural com circo, música, teatro dança e cinema.
Há 30 anos, a aldeia de Valezim, no concelho de Seia, tinha três ou quatro vezes os 200 habitantes que hoje tem. O dado demográfico que partilha com milhares de outras aldeias do interior do país é avançado logo à cabeça por Filipe Metelo, que programa o Ocupar a Velga, um projecto que leva circo, música, teatro dança e cinema a Valezim, até sábado, dia 19. O dado é importante para compreender as origens deste encontro que tem neste ano a sua segunda edição.
Se muita da actividade cultural nas aldeias do entorno da Serra da Estrela estavam ligadas ao trabalho no campo, o declínio populacional e o abandono das terras de cultivo tornou o hábito mais incipiente, explica o responsável. Daí que esta programação, que teve início na segunda-feira, dia 14, parta do princípio de ocupação da velga, uma palavra que designa “os pequenos campos cultivados que se distribuem” pelas encostas da Estrela, “onde outrora se plantavam batatas e se semeava centeio e milho”, refere a organização.
É fazer da cultura uma forma de ocupar esse espaço que ficou ao abandono, explica Filipe Metelo. O Ocupar a Velga incorre na mesma vontade que tem contagiado vários pequenos festivais que têm nascido nos últimos anos: mais do que produzir eventos de massas, há uma preocupação em promover o acesso à cultura de quem ali vive.
A ideia é ajudar a “colmatar esta falta de [acesso à] cultura e a arte contemporânea”, explica o responsável, que nota que o centro mais próximo é Seia, onde as pessoas têm de se deslocar para o fazer. Há um espectáculo em particular, de Margarida Montenÿ e Carminda Soares, que levam “Simulacro” ao ringue de futebol da aldeia, que conta com uma conversa com a comunidade no final, também para tentar quebrar resistências que muitas vezes existem em relação a criações mais contemporâneas.
O mesmo ringue recebeu as apresentações de “Ai de Mim, Ai do eu…”, da Trupe Fandanga, no dia 15, de “Mutabilia”, do Teatro do Mar, no dia 16, e receberá o concerto de Catapulta, no dia 18. Pelo meio, o salão paroquial abre as portas para mostrar o filme de animação Os demónios do meu avô, do realizador Nuno Beato. A longa-metragem foi escolhida em conjunto com a comunidade, refere Filipe Metelo.
Essa é, aliás, uma das preocupações do Ocupar a Velga. A organização trabalhou com “um grupo de pessoas de espectros diferentes” da aldeia – desde os mais novos, a trabalhadores da indústria, ao último sapateiro de Valezim – para chegar “ao que fazia sentido programar”, descreve.
A programação está a cargo da Produção d’Fusão, uma associação que trabalha com artistas portugueses (como Beatriz Soares Dias, Diana Niepce, Lewis Gillon & Joana Mário e Rui Paixão), desenvolve projectos próprios e está sediada, desde 2019, em Valezim, que é também a terra natal de Filipe Metelo. A associação é igualmente gerida por Patrícia Soares.
A iniciativa, que este ano passa a incluir dança e cinema, não ocupa literalmente as velgas. Mas passa por vários espaços da aldeia, como o salão paroquial e a escola primária, onde decorre o mini-laboratório de artes performativas para crianças dos 3 aos 13 anos, que começou na segunda-feira, com condução de Bernardo Chatillon e Adriana Neves.
No sábado, o Ocupar a Velga termina com dois concertos, no Terreiro Dona Luzia: primeiro de Ana Lua Caiano, depois é Soluna quem sobe ao palco. A programação, que é de entrada gratuita, propõe também caminhadas, sessões de pilates, um piquenique, sessões colectivas de leitura e música e dj sets.