Morreu a soprano Renata Scotto, a “última diva” do bel canto

Ao longo de uma carreira internacional de meio século, actuou nos principais palcos operáticos do mundo, e também em Lisboa. Tinha 89 anos.

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Renata Scotto em 1981, numa produção da Norma de Bellini pela Metropolitan Opera de Nova Iorque Jack Mitchell/Getty Images
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A soprano italiana Renata Scotto, para alguns a última diva do bel canto, e uma cantora que marcou a cena operática mundial da segunda metade do século XX, morreu esta quarta-feira na sua cidade natal, Savona, na costa da Ligúria, aos 89 anos. A morte foi confirmada pelo seu agente em Nova Iorque, Robert Lombardo, que não explicitou as causas.

Nascida a 24 de Fevereiro de 1934, filha de um polícia e de uma costureira, começou a exercitar a voz em criança, a partir da sua janela, apaziguando o drama dos vizinhos que então sofriam as vicissitudes da Segunda Guerra Mundial. Logo a seguir ao fim do conflito, tinha ela apenas 12 anos, um tio levou-a a assistir ao Rigoletto, de Giuseppe Verdi, no teatro de ópera de Savona.

Essa experiência, confessaria Renata Scotto mais tarde, levou-a a decidir ser cantora de ópera. Mudou-se para Milão e custeou as primeiras aulas de canto com trabalhos de costura e limpeza num convento. E viu esse esforço depressa recompensado: aos 18 anos, estreou-se em Savona no papel de Violetta, em La Traviata – de novo se atravessava no seu caminho a música de Verdi, de quem se tornaria uma intérprete de eleição.

Um ano depois, em 1953, a soprano estava no mítico La Scala a fazer audições para o papel de Walter, da ópera La Wally, de Alfredo Catalani, tendo a seu lado os já consagrados Renata Tebaldi e Mario Del Monaco.

Foi a ascensão meteórica em direcção a uma carreira que se afirmaria fulgurante, e que nos anos a seguir a levaria aos principais palcos do mundo: a Metropolitan Opera de Nova Iorque, a Royal Opera House de Londres, o Bolshoi de Moscovo – mas também, por exemplo, o Coliseu dos Recreios, em Lisboa, onde participou numa récita popular promovida pelo Teatro Nacional de São Carlos na noite de 26 de Março de 1968, interpretando a protagonista da ópera em três actos de Donizetti Maria de Rohan, em que partilhou o palco com Giorgio Merighi e Vincenzo Sardinero.

Substituta de Callas

O momento talvez mais determinante dessa ascensão meteórica terá sido, no dia 3 de Setembro de 1957, a sua participação no Festival de Edimburgo, onde a companhia do La Scala apresentava a produção La Sonnambula, de Vincenzo Bellini, com a já consagrada Maria Callas no papel de Amina. A popularidade junto do público levou o festival a programar novas apresentações do espectáculo, mas a diva greco-americana recusou-se a fazê-lo nessa noite, alegando razões de saúde. Então com 23 anos, Renata Sotto disse que podia substituí-la, porque conhecia bem o papel. Fê-lo com inesperado sucesso, o que ajudaria a transformá-la numa star de grandeza mundial, e que muitos passaram a considerar mesmo como “a herdeira de Callas”.

Este estatuto ver-se-ia reforçado com a chegada da cantora aos Estados Unidos, em 1960. A sua estreia norte-americana deu-se na Ópera Lírica de Chicago, no papel da Mimi de La Bohème, de Puccini. Neste mesmo ano, a soprano casava-se com o violinista Lorenzo Anselmi, que conhecera na orquestra do La Scala, e que viria a tornar-se também seu manager, até à sua morte em 2021.

Em 1965, acontece a também a bem-sucedida chegada à Metropolitan de Nova Iorque, no papel de Cio-Cio-na em Madama Butterfly, de Pucinni (outro dos seus compositores de cabeceira). Neste mesmo palco – onde Scotto actuaria mais de três centenas de vezes, interpretando 26 dos mais de cem papéis que personificou em toda a sua carreira de cinco décadas –, a soprano inaugurou com La Bohème, ao lado de Luciano Pavarotti, a série de espectáculos televisivos Ao Vivo no Met, que viria a ampliar a sua notoriedade junto do público melómano americano.

Tinha “um poder dramático electrizante”, sublinha Emily Langer no obituário do Washington Post, recordando uma das mais celebradas carreiras operáticas do século XX. Além de ter sido uma intérprete de excepção, Scotto experimentou também a encenação – dirigiu no Met uma Madama Butterfly, em 1986, e La Traviata, em 1995 –, a direcção de casas de ópera e o ensino, nomeadamente na prestigiada Juilliard School of Music, em Nova Iorque.

Reagindo ao desaparecimento da soprano, Placido Domingo, seu parceiro assíduo em palco, citado pela agência Ansa, disse-se de “coração partido”. “Foi uma das maiores cantoras de ópera de todos os tempos, uma professora dedicada aos jovens cantores e a mim, pessoalmente”, declarou o tenor espanhol.

Já o prefeito da cidade natal de Renata, Marco Russo, lamentou também o desaparecimento daquela que considerou “uma cantora ímpar e uma grande artista, mulher e savonesa”; uma personalidade “culta, requintada, generosa e simples”, cujo amor pela música era “contagiante”.

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