TikTok: pessoas alienadas a ver pequenos vídeos no telemóvel

O TikTok é extremamente viciante e torna-se difícil abandonar a aplicação. Com cada vídeo, o cérebro reage quase inconscientemente à possibilidade de o próximo ser melhor ou mais interessante.

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Ainda me lembro do mecanismo necessário para tirar fotos ou gravar vídeos com o telemóvel: ligar a câmara e colocar o equipamento na horizontal. Algumas plataformas como o Vine, Instagram ou TikTok mudaram completamente a forma como gravamos conteúdo. Tudo se tornou mais “caseiro”, mais imediato e espontâneo. Isto levou a que o mecanismo tivesse sido alterado.

Já não metemos o telemóvel na horizontal. Até o YouTube, a maior plataforma de upload de vídeos, criou a possibilidade de gravar pequenos vídeos verticais, chamados shorts. O TikTok invadiu as nossas vidas, desde as crianças até aos mais velhos. Não só se tornou numas das redes sociais mais utilizadas, como alterou a forma como consumimos conteúdo online.

A sociedade estava a mudar e os criadores do TikTok perceberam-no e refinaram a sua ideia. O Instagram foi atrás e copiou (outra vez) a receita ideal para ter pessoas alienadas com os olhos no ecrã a aumentar os lucros das empresas: pequenos vídeos fáceis de ver.

Shou Chew, CEO do TikTok, numa Ted Talk em que foi entrevistado por Chris Anderson, mostrou a razão do sucesso do TikTok — o seu algoritmo.

Shou começa por explicar a missão da sua empresa: "Inspirar a criatividade e trazer alegria". É verdade que é muito mais fácil alguém tornar-se viral no TikTok do que em qualquer outro sítio, mas muitas vezes essa viralidade vem da cópia de mecanismos utilizados por outros. Vídeos e vídeos de pessoas a replicarem-se umas às outras, desde danças a pequenos sketches de humor. Isto dá aos criadores destes vídeos uma sensação de criatividade que, na realidade, não têm.

"Se tiveres talento, é muito fácil seres encontrado no TikTok." O problema é que também é fácil mesmo que não se tenha talento. Qualquer um, com sorte, poderá ser visto por milhares de pessoas. Mas será que toda a gente merece ter esse espaço?

Uma das razões do sucesso do TikTok é o facto de mostrar coisas de que podemos gostar, ao contrário do Facebook, que mostra coisas de que os nossos amigos gostam. Em primeiro lugar, parte-se do princípio de que as pessoas que gostam de determinadas coisas têm mais probabilidades de partilhar os mesmos interesses noutros domínios. Em segundo lugar, um grupo de pessoas que se identifica com um determinado tipo de persona, verá os mesmos vídeos, absorverá a mesma informação e será "educado" da mesma forma.

Ao dividir as pessoas em grupos e comunidades, cada uma delas só verá coisas de que gosta e com as quais concorda. Não haverá interacção com ideias opostas às suas. Cada pessoa encontrará as suas próprias comunidades de pensamento, levando a que não se saiba reagir a uma opinião contrária à nossa. Deixa de haver uma forma equilibrada de pensar e os extremos passam a ser o centro das nossas ideias.

A verdade é que o TikTok é extremamente viciante e torna-se difícil abandonar a aplicação. Com cada vídeo, o cérebro reage quase inconscientemente à possibilidade de o próximo, a apenas um swipe de distância, ser melhor ou mais interessante. Como Enrico Tartarotti diz no seu vídeo "Short Form Content Is Broken. Can We Fix It?", depois de uma sessão de scroll no TikTok e de ver vídeos interessantes, pensou para si próprio: "Quanto é que me lembro do que vi? A resposta é: basicamente nada".

Este mundo está cheio de estímulos e já não queremos (ou podemos) ver um filme de três horas, ler uma longa notícia ou simplesmente sentarmo-nos calmamente sem qualquer forma de entretenimento. A nossa capacidade de atenção está a diminuir e as pessoas já não conseguem manter-se concentradas durante um longo período de tempo.

Com formas de entretenimento mais viciantes, estamos a matar a criatividade e o pensamento reflexivo. Em 2019, o escritor português Gonçalo M. Tavares afirmou que "já não há espaços vazios para as crianças, elas já têm brinquedos e estruturas que lhes dizem o que têm de fazer". "Esta ideia de que a criança não se pode aborrecer... A primeira parte da criatividade é o aborrecimento. "

É verdade que também se aprendem coisas interessantes no TikTok, descobrem-se restaurantes e locais a visitar, ou até nos tornamos leitores ávidos, como aconteceu a muitos jovens. Também é verdade que, depois de dois anos em casa durante uma pandemia, as pessoas procuram ligações humanas e actividades que desaceleram as suas vidas, como ioga ou workshops de cerâmica. Talvez a nossa sociedade ainda possa recusar isto. Ou talvez iremos evoluir para um ser mais aperfeiçoado.

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