O Império do Meio visto pelo “ocidental” Conde de Arnoso

Jornadas pelo Mundo (Quetzal) é a visão de Conde de Arnoso da viagem a Macau e China no final do século XIX.

Foto
Conde de Arnoso discursa na sessão de inauguração do monumento a Eça de Queirós, 1903 wikicommons images
Ouça este artigo
00:00
02:46

Bernardo Pinheiro Correia de Melo (1855-1911) –​ que ficaria conhecido por Conde de Arnoso, título que lhe foi atribuído pelo rei D. Carlos em 1895, de quem foi secretário particular e amigo) – fez parte do grupo dos Vencidos da Vida. Bernardo Pindela – como também era conhecido no meio literário – esteve ligado a algumas missões e encargos diplomáticos. Integrou, nomeadamente, a delegação que em 1887 foi a Pequim negociar o tratado sobre a posse e administração de Macau, chefiada então pelo antigo governador do território. A comitiva portuguesa podia deslocar-se à capital do Império do Meio – governado a partir da Cidade Proibida pela imperatriz viúva Cixi – para assinar o Tratado de Amizade e Comércio Sino-Português, "pelo qual se reconheceria a administração portuguesa de Macau". O documento foi assinado a 1 de Dezembro de 1877.

É dessa viagem, e da vontade que o Conde de Arnoso tinha de informar os seus contemporâneos sobre o Império do Meio, que surge Jornadas pelo Mundo, o livro que a Quetzal acaba de publicar na sua colecção de livros de viagens, Terra Incógnita.

Referindo a ideia do editor, Francisco José Viegas, no muito informado texto que abre o livro, o Conde de Arnoso poderia "ser uma personagem de Eça" (de quem, aliás, foi muito amigo): seria um dos elegantes do reino, afável, cultíssimo, "cheio de monde", de curiosidade, sempre com roupas adequadas, e com "vontade de literatura". Diz ainda Francisco José Viegas, que Jornadas pelo Mundo é um livro de viagens "relativamente pioneiro", e o relativamente porque Wenceslau de Moraes publicara dois anos antes os primeiros textos sobre o "Oriente".

A primeira parte do livro leva o leitor de Marselha a Macau num retrato colorido. Em Port Said, Arnoso descreve o fervilhar dos mercados (que, curiosamente, compara com a Praça da Figueira). Mais adiante vai tomando notas das sensações que as paisagens lhe deixam: "No largo horizonte descobrimos as costas do Egipto e, depois de passar o trópico de Câncer, as da Núbia e da Abíssinia. Só nas proximidades do estreito de Babelmândebe é que também se avistam as costas do Iéman. Não esqueceremos esse dia, primeiro de Junho, em que, pelas cinco horas da tarde, saímos do estreito. Que lúgrube quadro! O céu pardacento, toldado de grossas nuvens de trovoada, tornava ainda mais sombrias e escalvadas e calcinadas montanhas de Babelmândebe, que em enormes massas disformes se elevam no espaço."

Depois de Macau, o Conde de Arnoso embrenha-se na desconhecida China de que anota a "crueldade das condições de vida". "Os seus olhos são os de um ocidental vagamente emprestado ao exotismo", escreve Viegas. Lido com os olhos de hoje, o livro é "o retrato de um ocidental que visita o prometido esplendor dos impérios onde 'a civilização' se estabelece como única direcção da História".

Sugerir correcção
Ler 1 comentários