EUA: “É a decisão mais forte sobre as alterações climáticas tomada por um tribunal”

A decisão da juíza Kathy Seeley, em Helena, nos EUA, marcou uma grande vitória no primeiro caso climático liderado por jovens a chegar a julgamento nos EUA. O Estado de Montana vai recorrer.

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Os 16 jovens e crianças que processaram o estado do Montana, nos EUA DR OUR CHILDREN’S TRUST

Montana está a violar os direitos dos jovens com políticas que proíbem o Estado de considerar os efeitos das alterações climáticas quando analisa projectos de extracção de carvão, gás natural e outros combustíveis fósseis, afirmou um juiz estadual na segunda-feira.

A decisão da juíza Kathy Seeley, em Helena, marcou uma grande vitória no primeiro caso climático liderado por jovens a chegar a julgamento nos EUA e pode influenciar casos semelhantes em todo o país.

Na decisão, Seeley concordou que as emissões de gases de efeito estufa de Montana provaram ser "um factor substancial" na causa dos impactos climáticos no meio ambiente de Montana, prejudicando os jovens queixosos.

Os 16 jovens processaram Montana em 2020, quando tinham idades entre 2 e 18 anos, alegando que o licenciamento do estado de projectos como a produção de carvão e gás natural exacerbou a crise climática, apesar de uma emenda de 1972 à constituição de Montana exigindo que o estado protegesse e melhorasse o meio ambiente.

Seeley afirmou que os queixosos têm um "direito constitucional fundamental a um ambiente limpo e saudável". Afirmou que as políticas que proíbem as agências estatais de considerar os impactos climáticos e de emissões quando aprovam projectos de combustíveis fósseis são inconstitucionais.

Num julgamento realizado em Junho, os jovens argumentaram que, apesar da sua escassa população, o Montana é responsável por uma parte desproporcionada das emissões globais. O Estado é um grande produtor de carvão, petróleo e gás que é transportado para outros locais e é também o local onde se encontram os oleodutos e outras infra-estruturas necessárias para transportar esses combustíveis.

Durante o julgamento, vários dos jovens queixosos explicaram em pormenor como as alterações climáticas afectaram as suas vidas.

A queixosa principal, Rikki Held, de 22 anos, testemunhou que as secas deixaram "vacas magras e gado morto" no rancho da sua família no leste do Montana e que os incêndios florestais fizeram cair cinzas do céu.

Rikki Held, que dá nome à acção, é a jovem mais velha do grupo e tinha 18 anos quando o processo foi interposto. O mais novo é o pequeno Nathaniel K., na altura com apenas dois anos, uma criança com problemas respiratórios e com a saúde ameaçada pelos incêndios florestais agravados pelas alterações climáticas, como explicaram os seus pais ao The New York Times.

O Estado argumentou que a política climática não deve ser definida pelos tribunais e que os queixosos não provaram que a crise global pudesse ser atribuída às emissões relativamente pequenas do Montana.

Na segunda-feira, um porta-voz do gabinete do procurador-geral do Montana classificou a decisão de "absurda" e Seeley de "juiz ideológico que cedeu para permitir que o caso avançasse". O Estado planeia recorrer, disse o porta-voz.

Julia Olson, advogada da Our Children's Trust, que representou os jovens, considerou a decisão uma "grande vitória para o Montana" e disse que é provável que se sigam decisões semelhantes em diferentes estados.

Michael Gerrard, director do Centro Sabin para a Lei das Alterações Climáticas da Faculdade de Direito da Universidade de Columbia, afirmou que as conclusões de Seeley, incluindo o facto de as alterações climáticas constituírem uma séria ameaça para a saúde e para o ambiente, podem "tornar-se uma inspiração" para acções judiciais em Estados com disposições constitucionais semelhantes e tornar mais difícil para os arguidos afastarem as preocupações com o clima.

"É a decisão mais forte sobre as alterações climáticas jamais tomada por qualquer tribunal", afirmou.

Montana é um dos seis estados norte-americanos cuja constituição integra direitos ambientais. Numa acção climática histórica, estes jovens alegaram que o estado de Montana também está a violar o direito constitucional de “procurar segurança, saúde e felicidade; e a dignidade individual e igualdade de protecção pela lei”.

Os jovens começaram por tentar pedir uma ordem judicial que obrigasse o Estado a desenvolver um plano de reparação de danos e a aplicação de políticas para reduzir as emissões. Mas Seeley rejeitou essa proposta em 2021, pois disse que isso exigiria que o tribunal tomasse decisões políticas que deveriam ser deixadas para outros ramos do Governo.

O Estado, pque procurou repetidamente atrasar ou rejeitar o caso, encara esta acção judicial como um golpe publicitário “sem mérito” com o objectivo de “impedir o progresso responsável de energia” naquele estado.

O caso de Montana foi um dos vários processos climáticos liderados por jovens nos EUA. Um processo movido por jovens do Havai contra o Departamento de Transportes deverá ir a julgamento no próximo ano, tornando-se o segundo no país a fazê-lo. Um processo contra o governo dos Estados Unidos foi reactivado em Junho, depois de ter sido rejeitado pelo Tribunal da Relação em 2020.

No final de Março, vimos pela primeira vez o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos a ouvir casos ligados ao clima. No mesmo dia, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou uma resolução, promovida por Estados do Pacífico-Sul liderados pela república de Vanuatu, para pedir ao Tribunal Internacional de Justiça um parecer que clarifique as obrigações legais dos Estados no combate às alterações climáticas.