Foi anunciada a revisão do Plano Nacional Energia e Clima 2030 (PNEC 2030), reforçando ou aumentando as diversas metas ambiciosas para a descarbonização, para a transição energética, e para atingir um balanço net zero de emissões de gases de efeito de estufa (GEE) até 2050. Destas metas destaca-se a intenção de obter cerca de 85% de electricidade através de fontes renováveis. Os objectivos são claros, as motivações evidentes e claramente justificáveis.
No entanto, a realidade mostra-nos recorrentemente que a mudança é sempre mais complexa do que antecipamos. Especialmente no que respeita à reconversão do sistema energético. Portugal tem uma dependência energética das mais elevadas na União Europeia obtendo 67% da sua energia de outros países. Simultaneamente, cerca de 18% da população não tem capacidade para atingir conforto térmico ou iluminar suas casas de forma adequada, e vive em situação de pobreza energética.
Embora a implementação de fontes de energias renováveis tenha vindo a crescer de forma continuada, a energia produzida através de paneis fotovoltaicos ou turbinas eólicas (em terra ou no mar) apresenta barreiras significativas. De entre vários factores, estas decorrem da variabilidade nos ciclos de produção e consumo, diário e sazonal, que dependem da oscilação dos factores climatéricos e encontram-se sob o risco de disrupção com os antecipados efeitos das alterações climáticas. Estas fontes energéticas são tipificadas por períodos de excesso de produção eléctrica, e cujo excedente não é ainda armazenado. Adicionalmente, são expectáveis períodos de seca extrema mais frequentes e mais longos, que limitarão cada vez mais a capacidade das hidroeléctricas em assegurar fluxos contínuos na produção de electricidade. Que soluções temos então disponíveis para mitigar alguns dos problemas decorrentes da ambicionada transição energética?
A resposta assenta, portanto, na utilização sustentável dos nossos georrecursos energéticos, em alternativa à importação de petróleo e gás. O recurso geoenergético mais reconhecido do público é certamente a geotermia. O potencial de utilização do calor produzido naturalmente pela Terra pode e dever ser mais bem utilizado e não apenas nos Açores. A geotermia de baixa entalpia tem de crescer significativamente em território continental, para contribuir para o aquecimento e arrefecimento de edifícios e bairros, e mesmo produção de energia.
Outra fonte de geoenergia digna de nota, mas ainda desconhecida entre nós, é o armazenamento de energia com ar comprimido ("Compressed Air Energy Storage", CAES). Neste caso, a energia eléctrica produzida por fontes renováveis pode ser armazenada em profundidade, em rochas porosas ou cavernas de sal. Este processo funciona como um gigante reservatório subterrâneo onde é injectado ar atmosférico (não tóxico e não explosivo), e cuja libertação posterior permite a geração de electricidade em períodos de carência energética. Este processo permitirá o armazenamento e a produção de energia eléctrica na escala dos gigawatt, e como tal pode permitir o abastecimento de vilas e cidades de forma sustentável.
Existe ainda a possibilidade de armazenar no subsolo o hidrogénio verde, ou expandir a actual capacidade para armazenar gás natural. Finalmente, há ainda a captura de CO2, cujo objectivo não sendo a geração de energia, mas sim, a sua remoção de forma permanente. Depois de capturado, o CO2 pode ser armazenado em sedimentos ou em rochas vulcânicas na subsuperfície, eliminando assim parte dos GEE que não podem ser totalmente excluídos da produção industrial mais intensiva.
O potencial da geoenergia e georrecursos para a transição energética, enquanto ferramenta para enfrentar os efeitos das alterações climáticas na sociedade e meio ambiente é, portanto, elevado. Em Portugal, estão já identificados diversos locais com potencial para uso do subsolo para a produção e armazenamento de energia renováveis. Mas porque o mesmo local na subsuperfície pode ser utilizado para mais do que uma forma de geoenergia, urge estabelecer uma estratégia nacional de avaliação e implementação. Envolver o Estado, a academia e a indústria, para uma estratégia clara e bem comunicada, para um criterioso ordenamento do território e gestão energética socialmente justa, é imperioso. Acredite-se ou não, o futuro da transição energética está debaixo dos nossos pés.