Protestos em Itália contra fim do “rendimento de cidadania”

Autoridades comunicaram, por SMS, o fim do subsídio considerado pouco eficaz pelo Governo. Foram afectadas 200 mil pessoas.

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O Governo de Giorgia Meloni argumenta que o subsídio não era eficaz porque não fomentava a procura de trabalho EPA/FABIO FRUSTACI
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A notícia chegou brutal num SMS de 24 palavras em italiano, e levou a dezenas de telefonemas para a Segurança Social e a manifestações mais ou menos espontâneas no Sul de Itália, onde a taxa de desemprego é maior: o rendimento de cidadania não ia ser mais entregue.

O “rendimento de cidadania”, uma medida de luta contra a pobreza do anterior executivo liderado pelo Movimento 5 Estrelas de Giuseppe Conte, começa assim o seu fim, que tinha já sido anunciado pela actual primeira-ministra de Itália, Giorgia Meloni, no início do seu mandato (escolheu o dia 1 de Maio, Dia do Trabalhador, para o fazer). O fim iria acontecer de modo faseado, e em 2024 já não iria existir.

O Governo mais à direita de Itália desde a II Guerra Mundial argumenta que o subsídio não era eficaz porque não fomentava a procura de trabalho. Também diz que a mudança no subsídio – o “rendimento de cidadania” passa a ser substituído por outras duas prestações sociais – irá afectar apenas quem “pode trabalhar” e não quem tem limitações que o impede, como pessoas com deficiência, ou que tenham mais de 60 anos. No total, afirmou nesta quarta-feira a ministra do Trabalho, Marina Calderone, à emissora estatal RAI, serão afectadas 200 mil pessoas pelo fim do subsídio.

Conte criticou a “guerra contra os pobres e não contra a pobreza”, que, acusa, está a ser levada a cabo pelo Governo de Meloni.

Nas ruas, houve protestos logo após os primeiros SMS no fim de Julho, e a cada semana voltam a acontecer manifestações em cidades do Sul, como esta semana em Nápoles.

Dois homens com mais de 50 anos que se manifestaram contaram que sem este rendimento vão ter problemas. Antonio, 53 anos, tem uma renda de 400 euros e com um apoio de apenas 350 euros não sabe como conseguirá continuar a pagá-la. Luigi diz que gostaria de ter um emprego, mas isso é impossível em Nápoles: há anos que trabalha esporadicamente, mas não consegue nada fixo. A taxa de desemprego na cidade é de 20%.

Antonio e Luigi irão direito a um valor mínimo de apoio. “Vivemos num mundo onde, para nós, se trata apenas de sobreviver”, declarou Luigi, citado pela televisão pública alemã ARD.

O rendimento de cidadania – não era um rendimento incondicional, já que era preciso cumprir uma série de critérios – podia chegar a um máximo de 780 euros (o montante médio era de 571 euros, segundo a Segurança Social italiana, citada pela Euronews), e os dois subsídios que o substituem são muito diferentes – há rendimento de inclusão, até a um máximo de 500 euros, ou o apoio a formação e trabalho, máximo de 350 euros, condicionado a inscrição numa formação. O primeiro será dado em cartão, com que poderão ser comprados alguns produtos, mas outros não – álcool e tabaco são excluídos, como são ainda compotas de fruta ou alimentos congelados, e é ainda destinado a lares com um mínimo de três pessoas (ou a pessoas com deficiência ou mais de 60 anos).

Também têm condições mais apertadas: a partir do próximo ano, os beneficiários perderão o direito ao subsídio se recusarem uma oferta de emprego num outro local de Itália.

A divisão Norte/Sul em termos de mercado de trabalho e ofertas de emprego é precisamente algo que está ausente nas novas propostas do executivo de Meloni, comentou a especialista em ciência política Paola Mattei à emissora alemã DW (Deutsche Welle). “Penso que a visão ideológica deles [do Governo] é que a pobreza é uma escolha: se és jovem, se és capaz, se és saudável, vais encontrar emprego, mas sabemos que não é assim em algumas partes do país.”

Filippo Barbera, professor de Sociologia na Universidade de Turim, também criticou a medida: “Ter dificuldades já não é suficiente, agora é preciso ter dificuldades e ser também um tipo de pessoa que seja considerada merecedora de ajuda”, disse Barbera, citado pela Reuters.

O analista do Centre for European Policy Studies (CEPS) Francesco Corti disse à DW que a mudança de paradigma é “problemática” por assentar na “ideia de que se pode dividir as pessoas entre quem é empregável e quem não é”.

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