A terceira onda de calor do Verão de 2023 em Espanha não está dar tréguas. Nesta quinta-feira, no Mediterrâneo e nas ilhas Canárias, as temperaturas ultrapassaram as previsões, com o aeroporto de Valência a atingir os 46,6 graus Celsius, o valor mais elevado alguma vez registado neste observatório desde o início dos registos em 1966. Em Portugal, a situação não é tão grave, mas também a seca extrema conquistou território durante o mês de Julho, alastrando-se do Algarve para o Alentejo.
Num artigo do El País, os dados da Greenpeace indicavam que quase nove milhões de pessoas já estão a sofrer restrições de água devido à seca em Espanha. O Diari Oficial de la Generalitat (Dogc) publicou nesta quarta-feira o decreto que declara o estado de emergência devido à seca hidrológica nas unidades de exploração do aquífero Fluvia Muga e Riudecanyes, uma medida que implica reduções no uso da água e que afectará um total de 24 municípios de Girona e Tarragona.
A notícia do El País foi publicada no início desta semana e se, desde essa altura, a situação se alterou terá sido para pior. Na segunda-feira, citando dados da Greenpeace, o diário espanhol fazia um retrato do impacto da seca identificando a Catalunha e a Andaluzia como as regiões mais afectadas: "Pelo menos 600 municípios têm o consumo limitado e sofrem mesmo cortes no abastecimento durante a madrugada." A notícia sobre o que se passa mesmo aqui ao lado no país vizinho confirmava ainda que as dificuldades são maiores no Sul de Espanha, mas também afectam outras regiões.
E o calor não abranda. Num comunicado divulgado nesta sexta-feira, o sistema europeu de monitorização do clima e da atmosfera Copérnico divulgou uma imagem de satélite da Península Ibérica assolada pelo calor. "Entre as regiões afectadas, a Espanha é a que mais sofre com os efeitos das altas temperaturas", sublinhavam os cientistas, adiantando que a Agência Meteorológica Espanhola (AEMET) emitiu para esta sexta-feira alertas vermelhos, indicando um risco extremo, devido às temperaturas elevadas em Castela-Mancha, Múrcia e Valência.
"Além disso, foram emitidos alertas laranja para a Andaluzia, Aragão, Catalunha e Madrid. As ilhas Canárias também estão a enfrentar quantidades substanciais de poeira do Sara, levando a um declínio na qualidade do ar", acrescentava o comunicado. Numa notícia da RTVE, refere-se que "o calor intenso coincidiu com um dia de neblina em muitas cidades, tanto no interior como no litoral, o que não melhorou a sensação na rua para os peões ou trabalhadores ao ar livre, que não puderam aliviar-se, como muitos outros durante o período de férias, nas praias e nas piscinas".
Enquanto as temperaturas extremas sufocam o território, cresce o impacto da seca na Península Ibérica. Em Portugal, a situação de seca afecta actualmente o Sul do país e muito especialmente a região do Algarve. Já no início do mês de Junho, o Ministério do Ambiente e da Acção Climática anunciou uma série de medidas restritivas ao consumo de água no sotavento algarvio e que pretendia reduzir em 15% o consumo da água das massas subterrâneas no Algarve. O anúncio foi feito pelo ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, após uma reunião da comissão de acompanhamento dos efeitos da seca, quando um terço do país, especialmente Alentejo e Algarve, já estava em seca severa e extrema.
Nos mapas sobre a monitorização da seca divulgados pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), é possível ver nos dados de Julho claramente a "mancha" mais escura da seca extrema a alastrar-se. Apesar de ainda ter não sido publicado o boletim mais detalhado referente ao mês de Julho, a imagem permite concluir que a área afectada por seca extrema aumentou saindo definitivamente do território do Algarve e invadindo a região do Alentejo. No centro do país também se observa uma transição evidente da situação de seca fraca (em Junho) para moderada (em Julho).
Proibido lavar o carro e os lava-pés na praia; as torneiras secam à noite
Porém, em Espanha, o impacto da seca extrema chegou mais cedo e levou à adopção de várias medidas de emergência para controlar o abastecimento de água. "Os milhares de habitantes da cidade de El Borge (Málaga) sofrem cortes de água todas as manhãs desde há um mês. A torneira não abre entre a meia-noite e as sete da manhã, para dar tempo ao reservatório municipal de recuperar e abastecer os habitantes durante todo o dia", relata a notícia do El País publicada no início desta semana. "Isto é uma ruína, não é um aviso, o lobo já cá está", referia o presidente da câmara Raúl Vallejo, citado na mesma notícia, que alertava para o facto de o reservatório de onde bebem, La Viñuela, estar apenas a 8,6% da sua capacidade, o seu mínimo histórico.
Apoiado em dados fornecidos pela Greenpeace sobre a situação em Espanha, o diário detalhava ainda que havia mais de uma centena de povoações na Andaluzia com algum tipo de restrição no abastecimento de água. "No total, mais de 8,7 milhões de pessoas já são afectadas por algum tipo de restrição ao consumo de água devido à seca. A maioria encontra-se na Catalunha (cerca de 6,6 milhões) e na Andaluzia (cerca de dois milhões), mas também há restrições em municípios da Extremadura e em municípios da Galiza, das ilhas Baleares e de Aragão (mais 150.000)." Na Catalunha, acrescentava a notícia, contavam-se nessa altura 495 municípios desta comunidade a sofrer algum tipo de restrição de água.
A opção mais drástica foi, de facto, cortar o abastecimento durante várias horas todas as manhãs em algumas localidades. "Os cortes começaram em Vélez no início de Julho, por ordem da Junta de Andaluzia e com o objectivo de reduzir o consumo de água em 20%." Málaga também aderiu às restrições fechando todos os chuveiros das praias desde terça-feira.
Na Galiza, há municípios que "proibiram a utilização de água potável para actividades não essenciais, como a rega de jardins, o enchimento de piscinas ou a lavagem de automóveis". Na Extremadura, há cortes no fornecimento de água potável durante a noite e também vigora a proibição de regar jardins e zonas verdes, encher fontes ou limpar ruas. "Também não se pode lavar veículos nem encher piscinas públicas ou privadas, uma medida que já há algum tempo afecta os 21 municípios da Mancomunidad de Llerena (Badajoz), onde o consumo de água foi limitado a 189 litros por pessoa e por dia", refere o El País.
Nas ilhas baleares, em Maiorca, houve corte de abastecimento de água aos grandes consumidores, como hotéis e habitações afastadas da zona urbana, e há mesmo dificuldades com o abastecimento de água através de camiões-cisterna. Em Menorca, a Câmara Municipal de Ciutadella interrompeu temporariamente o serviço de duches e lava-pés nas praias do município.
Além do impacto no dia-a-dia dos habitantes, a seca afecta perigosamente a agricultura e a vida selvagem. "As alterações climáticas e a má gestão da água estão a causar estragos, não só nos campos e ecossistemas do país, mas também entre as pessoas", afirma a Greenpeace.
As altas temperaturas e a baixa (ou nenhuma) precipitação têm levado muitas regiões a adoptar medidas restritivas do uso da água. "Cerca de 90% do território já tem algum tipo de restrição, com uma grande variedade: desde a limitação da descarga de água potável nas ruas até à rega de jardins ou à proibição de actividades como a lavagem de automóveis, passando pela redução da quota para o campo", refere a mesma notícia do El País.
Porém, ao que tudo indica, algumas regiões de Espanha poderão ter um pouco de alívio do calor extremo neste fim-de-semana. "Depois de o pico da onda de calor ter sido atingido na quarta-feira, com temperaturas superiores a 44 graus Celsius em algumas zonas da península, será na sexta-feira que os termómetros começarão a descer na zona mediterrânica, mas manter-se-ão inalterados ou até subirão no resto da península, pelo que durante esse dia o calor continuará a ser muito intenso em grande parte de Espanha", refere a RTVE. A partir de domingo, espera-se que as temperaturas comecem a baixar para valores dentro da média para a época do ano, retirando o país desta terceira vaga de calor intenso.