Narcotráfico deixa um rasto de morte no Equador

Lutas muito violentas entre gangs saltaram das prisões para as ruas e vitimaram um candidato à presidência do país. Posição geográfica privilegiada é apetecível para os cartéis.

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Presidente Guillermo Lasso atribuiu homicídio de Fernando Villavicencio ao crime organizado, que era um dos alvos da candidatura KAREN TORO/Reuters
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Participantes no comício de Fernando Villavicencio abrigam-se durante o tiroteio em que o candidato foi assassinado EPA/STRINGER
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Um polícia ferido durante o tiroteio recebe ajuda de participantes no comício EPA/STRINGER
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Operação de busca na penitenciária do litoral, em Guayaquil, a maior do Equador, no início deste mês EPA/Ecuadorian Armed Forces / HANDOUT
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O epicentro da violência extrema que tomou conta do Equador, e que culminou nesta quarta-feira com o assassínio do candidato presidencial Fernando Villavicencio, começou por ser a penitenciária de Guayaquil, uma cidade costeira que os cartéis de droga usam para escoar cocaína para os Estados Unidos e para a Europa.

Durante a pandemia de covid-19, os membros de um dos principais gangs equatorianos, Los Choneros, desentenderam-se e da cisão nasceram outros dois grupos criminosos, Los Lobos e Los Tiguerones. Em Setembro de 2021, prisioneiros da penitenciária que estavam ligados a estes dois últimos gangs abriram um buraco na parede que os separava dos membros do primeiro.

Seguiu-se uma matança. Perante a impotência dos guardas prisionais e da polícia, que só várias horas depois conseguiu entrar na prisão, foram assassinados 118 reclusos em execuções com contornos macabros: cabeças decapitadas, peitos abertos à machadada, corpos incendiados. “Um deles levava na mão um coração a bombear”, recordou ao El País, pouco depois dos acontecimentos, o responsável pelo perímetro exterior da prisão, Santiago Jacome.

Os estabelecimentos prisionais equatorianos são controlados inteiramente pelos gangs ligados ao narcotráfico, como constatou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que produziu um relatório específico sobre violência nas prisões do país em 2022. A polícia toma conta dos acessos e da parte exterior, mas lá dentro são os criminosos que ditam regras.

Os recém-chegados, por exemplo, ficam em solitária até que as famílias paguem uma espécie de resgate, sob ameaças de que os reclusos serão espancados, electrocutados ou executados se não o fizerem. Durante o tempo em que estiverem presos, têm também de ir pagando uma quantia mensal para ter um catre para dormir e outras regalias, como tabaco ou champô.

“O Equador atravessa uma grave crise penitenciária de natureza estrutural”, escreveu a CIDH, apontando como causas para a subida da violência a “ausência de controlo efectivo por parte do Estado”, a existência de “sistemas de autogoverno”, a “corrupção e a insuficiência de pessoal de segurança”.

Os primeiros episódios graves de violência nas prisões deram-se em 2019, durante a presidência de Lenín Moreno, um sucessor de Rafael Correa com quem este acabou por se incompatibilizar.

Em 2021, pouco depois de Guillermo Lasso assumir o poder, quatro massacres em penitenciárias chocaram o país, e o Governo respondeu com a mobilização das Forças Armadas e sucessivos estados de emergência. Em Novembro morreriam pelo menos mais 68 reclusos na mesma prisão de Guayaquil, engrossando uma lista que desde 2019 já conta com mais de 600 nomes. “Nos enfrentamentos [de 2021] utilizaram-se armas de fogo de diferentes calibres, armas cortantes e lâminas, explosivos e até um drone”, descreve a CIDH.

Relações externas

“Estamos numa crise terrível, tanto nas prisões como nas ruas”, dizia ao The New York Times uma mãe cujo filho foi detido por roubar um telemóvel e acabou morto no fogo cruzado entre gangs.

A violência saltou das prisões para as ruas ainda em meados de 2021, quando começaram a verificar-se execuções sumárias à luz do dia e confrontos entre a polícia e os traficantes. Os cartéis lutam entre si pelo controlo do território, mas também chantageiam lojistas e adolescentes, obrigando-os a pagar por protecção ou a integrarem as suas actividades. No ano passado foram assassinadas mais de 4539 pessoas – a taxa de homicídios saltou de 13,7 para 25,5 por 100 mil habitantes, face a 2021.

No centro desta escalada de brutalidade parecem estar, segundo o Governo equatoriano, as associações internacionais dos gangs locais, que aproveitam o aumento da procura por cocaína em países europeus e na América do Norte. O grupo Los Choneros, dirigido por Adolfo Macías – acusado por Fernando Villavicencio de lhe ter feito ameaças de morte –, estará relacionado com o cartel mexicano de Sinaloa. Já Los Lobos e Los Tiguerones operam no Equador em nome do também mexicano Jalisco Nueva Generación. Além disso, também há máfias albanesas presentes no país.

A posição geográfica do Equador torna-o apetecível para o tráfico de droga. Vizinho de dois grandes produtores de cocaína, Colômbia e Peru, tem acesso ao oceano Pacífico e à Amazónia, duas rotas privilegiadas de escoamento. “As pessoas consomem no estrangeiro, mas não entendem as consequências que estão a causar aqui”, lamentava ao The New York Times um oficial da polícia, Edison Núñez. Em 2022 foram apreendidas 210 toneladas de droga no país, mais do que em 2021 e mais do dobro do que em 2019.

“As máfias que mataram Fernando Villavicencio querem semear o terror no país. As respostas não podem ser tíbias, os cidadãos não estão a pedir contundência, exigem-na, gritam por ela”, lia-se nesta quinta-feira no editorial do jornal El Universo, que terminava com um apelo: “Não deixem que os criminosos continuem a apoderar-se do Equador.”

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