“O mundo não vai acabar” se superarmos os 1,5 graus, diz novo presidente do IPCC
O clima está a colocar-nos num território desconhecido onde há muita incerteza sobre os impactos, diz Jim Skea, numa entrevista ao El País, em que fala de “um Verão excepcional”.
Algumas mudanças que a Terra está a viver estão “a chegar mais rápido do que o esperado”. Quem o diz é o Jim Skea, o novo presidente do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, sigla em inglês), numa entrevista dada ao jornal espanhol El País, publicada nesta quinta-feira.
Um dos exemplos são os recordes de temperatura. Para o escocês, e professor na área de energia sustentável, do Imperial College de Londres, estamos a viver “um Verão excepcional” e refere os números do mês de Julho: “A temperatura média à escala mundial foi 0,3 graus mais alta do que em qualquer mês que já tenhamos visto.”
A média da temperatura à superfície da Terra foi de 16,95 graus Celsius no último mês de Julho, de acordo com a informação divulgada pela Organização Mundial de Meteorologia (OMM) na terça-feira. Este recorde torna Julho o mês mais quente desde que há registo, 1,5 graus acima da média das temperaturas para os meses de Julho de 1850 a 1900, 0,72 graus acima da média entre 1991 e 2000 e 0,33 graus acima do anterior recorde, atingido em Julho de 2019.
As elevadas temperaturas traduziram-se em vagas de calor na Europa e nos Estados Unidos, e ainda no registo de temperaturas altas em regiões como a Antárctida e a América do Sul, que deveriam estar a viver o frio do Inverno. Para Jim Skea, o que ocorreu traduz a ideia de estarmos já a caminhar em território desconhecido. “Há muitas incertezas sobre alguns impactos de este aquecimento. Por exemplo, nos efeitos da produção de alimentos e da agricultura”, explica.
No entanto, o responsável prevê que uma das consequências deste mundo desconhecido será na saúde das pessoas. “Teremos dias em que a combinação de calor e humidade farão com que seja impossível trabalhar ao ar livre ou simplesmente funcionar ao ar livre em algumas partes do mundo”, diz. Este condicionamento em relação ao mundo do trabalho começa a ser cada vez mais discutido. Além disso, o perito diz que haverá mais eventos climáticos extremos, incêndios florestais mais intensos e um risco acrescido para a biodiversidade.
Ao mesmo tempo, o presidente do IPCC não acha importante pôr a ênfase no limite climático de 1,5 graus Celsius. O Acordo de Paris, de 2015, definiu como objectivo impedir que o aquecimento global ultrapasse o aumento de dois graus Celsius em relação à média das temperaturas do mundo pré-industrial e, preferencialmente, ficasse abaixo dos 1,5 graus. Estes objectivos estão directamente ligados às metas da diminuição de gases com efeito de estufa, como o dióxido de carbono (CO2), responsáveis pelo aquecimento global e pelas alterações climáticas.
Teme-se que, já nos próximos anos, com a ajuda do fenómeno climático do El Niño, se atinja o patamar dos 1,5 graus ao longo da média de todo o ano, e não apenas em alguns meses específicos, como foi o caso do mês de Julho e também de Junho.
Mas para Jim Skea “os riscos das alterações climáticas são muito maiores com dois graus do que com 1,5 graus”, adianta. “Não há uma mudança brusca com 1,5 graus, como se chegássemos a um precipício. Os riscos aumentam de forma gradual à medida que sobem as temperaturas e cada fracção de grau importa.” O especialista reconhece que o limite de 1,5 graus apresenta um risco existencial para algumas populações do planeta, como os povos que vivem em algumas ilhas do oceano Pacífico, que ficarão submersas com o aumento do nível médio do mar. “Mas o mundo não vai acabar se se superar o limite de 1,5 graus, dizer isso é um exagero”, afirma.
Um IPCC relevante
Perante aquele cenário, Jim Skea defende que a prioridade passa pelo aumento do uso das energias eólica e solar, e por evitar a desflorestação – sobre esta questão, aproveita para dizer que o Governo brasileiro de Lula da Silva “poderá dar aqui um grande contributo”. Algumas medidas mais pequenas passarão por práticas agrícolas que ajudem na incorporação de carbono no solo e o aumento do uso de transportes públicos, da bicicleta e de caminhar a pé.
Sobre a exploração de energia nuclear, o presidente do painel distancia-se e diz que essa é uma escolha dos países. “O IPCC nunca teve opiniões sobre nenhuma forma particular de energia”, garante. “Os países deverão decidir sobre a energia nuclear e, provavelmente, tomarão essas decisões por razões que não são específicas das alterações climáticas.”
De qualquer forma, para se evitar a rejeição popular às medidas contra as alterações climáticas, que alguns países estão a viver mais intensamente nos últimos tempos, como os Países Baixos e a Espanha, Jim Skea afirma que é importante ter em conta as pessoas.
“É necessário o consentimento social para haver políticas climáticas ambiciosas”, diz, falando com base em resultados obtidos em estudos feitos na Escócia sobre aquele tema. “Temos que prestar atenção à distribuição dos custos e dos benefícios da transição. E é incrivelmente importante assegurar-se que os cidadãos participam no processo e o entendam.”
Já em relação ao IPCC, o responsável defende que o painel deverá manter a sua relevância através da sua importância política. “O IPCC deve centrar-se muito mais nas acções que se podem tomar tanto para a adaptação como para a mitigação das alterações climáticas”, refere. Além disso, será necessário “pensar” nas anuais cimeiras do clima das Nações Unidas, diz o responsável, para que o trabalho que o IPCC produz possa ser “uma contribuição útil”.
Nesse contexto, Jim Skea anuncia que estão “a terminar o primeiro balanço mundial do Acordo de Paris”. Os resultados serão também um bom indicador sobre o rumo que os países estão a escolher em relação às alterações climáticas.