Árvore nacional, uma farsa em Portugal

Apesar de protegidos, praticamente desde 1565 (Lei das Árvores), os sobreiros e azinheiras continuaram a diminuir em número e área, em particular após terem sido consagrados como espécies protegidas.

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A devastação das nossas florestas nativas (carvalhais) foi particularmente intensa durante as Descobertas, pois eram necessários três a quatro mil carvalhos para a construção de uma nau. Durante a Expansão dos Descobrimentos (séculos XVI e XVII) foram construídas cerca de duas mil naus, ou seja, cerca de 8x106 carvalhos.

Inicialmente, foi utilizada madeira de azinheira e de sobreiro, pela abundância destas árvores nas proximidades dos estaleiros da Ribeira das Naus, em Lisboa. Porém, devido à utilidade destas duas espécies de carvalhos, foi proibida a utilização da madeira destas espécies de árvores, tendo sido substituída pela madeira do carvalho-alvarinho, o carvalho de maior porte que temos.

Apesar de protegidos, praticamente desde 1565 (Lei das Árvores), os sobreiros e azinheiras continuaram a diminuir em número e área, particularmente depois terem sido consagrados como espécies protegidas pelo Decreto-Lei 169/2001, posteriormente alterado pelo Decreto-Lei 155/2004, que estabelece medidas de proteção para estas duas espécies e respetivos ecossistemas onde habitam.

Por vezes, conseguiu-se travar a devastação desses preciosos ecossistemas (azinhais e sobreirais). Assim, há cerca de 35 anos estive presente no Congresso Mundial sobre Bosques e Matagais Mediterrâneos, em Cáceres, Espanha (21-25 de setembro de 1988), onde participei, com três colegas espanhóis e dois portugueses (J. Malato-Beliz e Maria João Botelho), numa mesa-redonda sobre “O futuro do bosque e matagal mediterrâneo na Península Ibérica”.

Neste congresso não só se demonstrou a relevância destes ecossistemas, como se conseguiu que a União Europeia proibisse a devastação de parte destes ecossistemas no Alentejo para a implantação, por empresa espanhola, do cultivo intensivo de beterraba.

Mas a maior desgraça do sobreiro foi ter sido consagrado como Árvore Nacional (Resolução da Assembleia da República 15/2012). Desde esta data foram já derrubados cerca de 35.000 sobreiros, grande parte destes abates autorizada por Declarações de Imprescindível Utilidade Pública. Basta recordar duas dessas autorizações bem recentes e de dois ministros do Ambiente. Do ministro João P. Matos Fernandes, cerca de 700 sobreiros para instalação de painéis solares. Não sei se foi por ter conferido essa autorização “ambiental”, se por ser engenheiro civil, depois de deixar de ser ministro, foi para professor catedrático convidado do Departamento do Ambiente de uma universidade portuguesa. O actual ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, economista, conseguiu ultrapassar o seu colega e autorizou o abate de cerca de 1800 sobreiros, por Utilidade Pública, para a instalação de aerogeradores.

O que me espanta ainda mais é não ouvir nenhuma contestação a estes atropelos, por parte de qualquer deputado. Isso só testemunha que os nossos deputados e governantes não se preocupam nada com os problemas ambientais e apenas preferem vociferar uns contra os outros, em vez de tentarem resolver os problemas do país.

Conheço países com respetivas “Árvore Nacional”. São árvores protegidíssimas. A da Costa Rica (Enterolobium cyclocarpum, conhecida pelo vernáculo “guanacaste”) até dá o nome a uma província (Guanacaste). Também conheço países com “Flor Nacional”. Cheguei a consultar colegas sobre que flor escolheríamos para “Flor Nacional”. Mas, depois do que está a acontecer com a nossa “Árvore Nacional”, desisti, pois correríamos o risco de a planta desaparecer por Utilidade Pública.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Biólogo

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