As norte-americanas abriram caminho e foram ultrapassadas
Terá sido assim uma surpresa tão grande a eliminação dos EUA no Mundial de futebol feminino? A opinião consensual é: nem por isso.
Há pouco mais de uma semana, na antecipação do confronto entre Portugal e os EUA no Mundial, o PÚBLICO tinha um texto que procurava responder à seguinte pergunta: “Porque é que as norte-americanas são as melhores do mundo no futebol?” Mais praticantes, maior igualdade no acesso ao desporto e menos estigma para as raparigas que queriam jogar à bola, ao contrário do que acontecia nos países em que o futebol está no centro das atenções. Basicamente, as norte-americanas chegaram primeiro e mantiveram-se no topo nos últimos 30 anos. Mas nada dura para sempre. Sim, abriram caminho. Mas foram ultrapassadas.
Sempre que foi a um Mundial, o Team USA chegou sempre, pelo menos, às meias-finais, e nunca ficaram abaixo do terceiro lugar – quatro títulos, um segundo lugar e três terceiros. Mas não neste Mundial, onde até fizeram o seu melhor jogo nos “oitavos” com a Suécia, mas, como escreveu o The Guardian, “foi pouco e foi demasiado tarde”, e tudo filmado por uma equipa da Netflix, que documentava o caminho das norte-americanas rumo ao “tri”. A fase de grupos já tinha sido a sua pior de sempre em Mundiais – uma vitória e dois empates, quando, no conjunto de todos os mundiais anteriores, tinha tido 20 vitórias, três empates e uma derrota. E não fosse o poste a devolver o remate de Ana Capeta nos últimos minutos do jogo com Portugal e os alarmes da crise no “soccer” feminino teriam soado mais cedo.
Há múltiplas explicações que se cruzam para esta eliminação precoce de uma selecção apontada como a maior favorita à conquista do torneio. Uma delas será estagnação na competitividade da principal liga feminina dos EUA, onde jogam quase todas as jogadoras americanas, e uma estrutura de formação que deixou de resultar, como escreveu o jornalista Rory Smith no The New York Times. “Há problemas na forma como os EUA produzem jogadoras, um sistema fragmentado que depende de equipas jovens onde se paga para jogar, sem relação com equipas seniores, e que, depois, alimentam as equipas universitárias”, escreve o jornalista.
E isso, reforça Smith, já não é suficiente para estar a par, em termos competitivos, com as melhores selecções europeias e sul-americanas: “Servia quando os EUA tinham o monopólio do futebol feminino profissional, antes das grandes equipas da Europa e América do Sul decidirem que talvez as mulheres também pudessem gostar de jogar futebol.” Das 23 jogadoras da selecção norte-americana, apenas uma joga fora dos EUA – a avançada Lindsey Horan, do Lyon. Entre as selecções favoritas, são poucas as que joga na liga americana: zero na Inglaterra, zero na Espanha, zero nos Países Baixos, duas no Japão.
O outro problema estrutural apontado para este fracasso anunciado tem a ver com o tipo de talento que é privilegiado no futebol de formação. Como escreveu Dan Wetzel, colunista do Yahoo Sports, “são as raparigas com maior capacidade física que são promovidas” e isso pode fazer com que “a selecção seja unidimensional”, mais assente na capacidade física e menos no talento criativo. Voltando à análise de Rory Smith no Times, “não é coincidência que os EUA tenham sido eliminados do torneio sem ter Rose Lavelle, a única jogadora verdadeiramente insubstituível”.
Lavelle viu cartão amarelo no jogo com Portugal e falhou o embate com as suecas. Sem ela, as norte-americanas perderam uma média com capacidade para fazer a diferença pela sua habilidade e não pelo físico – tem 1,63m e, por isto, em início de carreira, foi ignorada pelas universidades de elite nos EUA.
Esta parte da explicação cruza com as dificuldades no render da guarda no Team USA, que teve uma geração ganhadora como poucas na última década. Jogadoras como Alex Morgan, Megan Rapinoe ou Kelly O’Hara ganharam tudo o que havia para ganhar no futebol internacional a nível de selecções, e esperava-se que elas passassem a chama das vitórias às mais novas, como Trinity Rodman ou Sophia Smith, “estrelas” emergentes da liga americana. Mas talvez fosse esperar demasiado, tendo em conta que 14 das 23 jogadoras dos EUA estavam a fazer a sua estreia em fases finais de mundiais.
Mas, diga-se, os EUA não estão sozinhos na crise. Que o diga a Alemanha, também uma selecção histórica e candidata ao título, que nem sequer passou da fase de grupos. O mesmo aconteceu ao Brasil, que também não conseguiu dar a Marta uma última campanha digna do seu estatuto, e continua sem vencer um Mundial feminino. E enquanto uns descem, outros sobem, como Portugal, que ficou a centímetros de passar aos “oitavos”, Marrocos, Jamaica (uma selecção financiada através de “crowdfunding), Colômbia e a maravilhosa Linda Caicedo. O futebol, como todas as outras modalidades em ambos os géneros, é assim. Ninguém fica no topo para sempre.