Cimeira no Brasil pode ser última oportunidade para salvar a Amazónia

O Brasil e a Colômbia estão à frente da cimeira que decorre esta semana para juntar os oito países amazónicos na luta contra a desflorestação. Povos indígenas esperam ter uma palavra a dizer.

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Desflorestação na Amazónia Bruno Kelly/REUTERS
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Há 20 anos que a líder indígena Nemo Guiquita luta para tentar que os políticos ouçam os apelos para preservar a terra a que chama casa, na floresta Amazónica do Equador, de madeireiros e pesquisadores de ouro ilegais, e das companhias petrolíferas.

Guiquita, de 38 anos, tem esperança de que uma cimeira de líderes dos países da Amazónia que se realiza no Brasil a 8 e 9 de Agosto seja a melhor oportunidade para fazer ouvir os seus apelos. Mas salienta que, para que qualquer pacto regional que venha a ser negociado resulte, os povos indígenas têm de ser incluídos.

Se a desflorestação continuar, é irreversível. O tempo está-se a acabar”, disse.

“É muito importante que o mundo compreenda que chegámos ao ponto sem retrocesso”, disse Guiquita, da comunidade huaorani, com cerca de 2000 pessoas, e que estará presente na cimeira, que se realiza na cidade de Belém, no estado do Pará, na Amazónia.

“Não queremos reuniões à porta fechada. Queremos que as decisões sejam tomadas pelos grupos indígenas que são os donos da Amazónia”, disse Guiquita, que é um dos líderes da Confeniaie, a principal confederação de grupos indígenas da Amazónia no Equador.

A organização diz que a cimeira será “inclusiva”, e garantirá aos povos indígenas um papel, juntamente com os líderes de Governo e cientistas na concepção de políticas de conservação. Os huaoranis são um dos cerca de 400 povos indígenas da floresta amazónica.

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Lula da Silva quer que os países amazónicos se comprometam com o objectivo desflorstação zero ANDRE BORGES/EPA

Um IPCC para a Amazónia

Alguns cientistas dizem que a desflorestação da Amazónia, em conjugação com o aquecimento global, que potencia a seca na região, pode ter feito chegar a floresta ao ponto sem retrocesso. A partir deste ponto, a floresta será incapaz de recuperar e iniciar-se-á o processo de transformação em savana nas próximas décadas.

“Há cientistas que dizem que estamos entre 19% e 20% da remoção da cobertura vegetal [original] da Amazónia, e que não se pode ultrapassar 25%. Não temos como afirmar matematicamente que é 25%, mas não vale a pena arriscar além disso”, disse a ministra do Meio Ambiente e da Acção Climática brasileira, Marina Silva, ao jornal Folha de São Paulo.

Para tentar criar políticas com base científica, um dos objectivos da cimeira é “criar um painel técnico-científico da Amazónia, como o IPCC [Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas]”, adiantou Marina Silva.

Proteger a maior floresta tropical do mundo, um vasto reservatório natural de carbono, que se estende por oito países sul-americanos e pelo território ultramarino da Guiana Francesa, pode ajudar a desacelerar as alterações climáticas. É este processo que está a alimentar as ondas de calor, incêndios florestais, cheias, secas e grandes tempestades que se estão a tornar cada vez mais frequentes e intensas ao nível global.

Na agenda desta cimeira no Brasil está a discussão sobre a melhor maneira de conservar a floresta e promover o seu uso sustentável, travar a perda de biodiversidade e atrair financiamento para que isto possa acontecer.

Guiquita e outros líderes indígenas dizem ter esperança de que o Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, e o da Colômbia, Gustavo Petro, dêem valor à sua experiência na protecção da Amazónia.

“É a primeira vez que um Governo [colombiano] reconhece que desempenhamos um papel importante na protecção do ambiente e da Amazónia, com o nosso conhecimento [tradicional]”, disse Oswaldo Muca, dirigente da Organização dos Povos Indígenas da Amazónia Colombiana (OPIAC), que também estará presente na cimeira de Belém.

Há cada vez mais trabalhos de investigação que demonstram que reconhecer e fazer cumprir os direitos à terra dos povos indígenas, e valorizar os seus conhecimentos e sistemas de governação, são acções vitais para a conservação da natureza.

Dinâmica Brasil-Colômbia

Na Amazónia, a perda da floresta acontece no rasto da apropriação indevida de terras, criação de gado e agricultura, bem como actividade ilegal de mineração e abate de árvores.

O alinhamento dos Presidentes de esquerda do Brasil e da Colômbia e o compromisso partilhado que assumiram de preservar a floresta estão a gerar esperança de que haja uma cooperação regional mais alargada.

Com Lula e Petro, há uma oportunidade de proteger a Amazónia. A aliança entre os dois Presidentes em questões ambientais é benéfica”, disse Manuel Rodriguez Becerra, um ex-ministro do Ambiente colombiano. “Lula é quem pode atrair cooperação internacional para proteger a Amazónia”, acrescentou.

Petro e Lula forjaram a sua parceria quando se encontraram, em Julho, na cidade de Letícia, na Amazónia colombiana, para preparar a cimeira de Belém.

Da agenda da cimeira da Amazónia fará parte criar metas comuns de desmatamento para os países da Organização do Tratado de Cooperação Amazónica, disseram responsáveis do Departamento de Meio Ambiente do Ministério de Relações Exteriores do Brasil esta semana, citados pela Folha de São Paulo. Mas os países têm diferentes posições sobre o tema: nem todos têm o objectivo de chegar à “desflorestação zero”, assumido pelo Brasil, disseram diplomatas.

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Índios Guajajara, que se apresentam como "guardiões da floresta": reconhecer e fazer cumprir os direitos à terra dos povos indígenas é vital para a conservação da natureza Ueslei Marcelino/REUTERS

A exploração de petróleo será outro tema polémico na agenda. A Colômbia propôs travar novos projectos de exploração de petróleo na Amazónia na cimeira de Letícia, diz a Folha de São Paulo, mas o chefe de Estado brasileiro respondeu que a sua prioridade é combater pobreza na região, aliada ao combate à desflorestação. Há uma polémica neste momento sobre a autorização de exploração de petróleo na foz do rio Amazonas, que foi chumbada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Mas, na sua governação, os dois Presidentes, desde que tomaram posse, há menos de um ano, têm tido sucesso na desaceleração da perda de floresta. A desflorestação no Brasil – em cujo território fica a maior porção da Amazónia –, ao reduzir-se em 34% na primeira metade de 2023, atingiu o seu menor valor dos últimos quatro anos, segundo dados oficiais, mas ainda preliminares.

“A expectativa é que os povos indígenas possam contribuir e participar na definição de políticas desde o início”, disse Oswaldo Muca. “Temos grandes esperanças de que com estes dois Governos o discurso político se torne realidade”, acrescentou.

Kleber Karipuna, líder da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a maior organização do género no país, sublinhou como positiva a criação do primeiro Ministério dos Povos Indígenas e a operação contra os mineiros ilegais nas terras dos índios ianomâmis.

“O tráfico de droga e a actividade mineira ilegal de pequena escala aumentaram muito nos territórios indígenas e em regiões de fronteira no Brasil e em outros países nos últimos quatro anos”, disse Karipuna.

“Desflorestação zero”

Lula prometeu eliminar a desflorestação ilegal até 2030, depois de ter atingido um máximo de 15 anos na Amazónia, durante a governação do seu antecessor de extrema-direita Jair Bolsonaro, que não participou na última grande cimeira regional de protecção da Amazónia, realizada na Colômbia, em 2019.

As declarações dessa cimeira tiveram pouco impacto.

Henrique Pereira, professor de Agronomia e conselheiro especial de Relações Exteriores na Universidade Federal do Amazonas, disse que Lula pretende usar a cimeira de Belém “para levar os países que ainda não o fizeram a comprometerem-se com a ‘desflorestação zero’” na Amazónia, e reforçar os compromissos que já assumiram.

Lula pretende apresentar essa visão partilhada na Assembleia Geral das Nações Unidas em Setembro, onde o combate às alterações climáticas deverá ser um tema central do seu discurso.

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Belém do Pará é a cidade amazónica que receberá a cimeira NELSON GARRIDO

O Presidente brasileiro também quer consolidar um consenso entre as nações amazónicas e países como a Indonésia, Congo e República Democrática do Congo – que têm grandes florestas tropicais – antes da próxima Cimeira do Clima das Nações Unidas (COP28), no fim de Novembro.

Outros países amazónicos, no entanto, enfrentam problemas sociais, como motins prisionais que causaram vários mortos e vagas de violência nas ruas no Equador, e protestos populares no Peru, que podem desviar a atenção desta cimeira.

“O Equador e o Peru estão num caos político. Não é claro se proteger a Amazónia será uma prioridade para eles”, disse Manuel Rodriguez Becerra.

Arranjar financiamento

A cimeira pretende ainda reanimar a Organização do Tratado de Cooperação da Amazónia (OTCA) – um organismo intergovernamental das oito nações amazónicas criado em 1995. O objectivo é poderem actuar em conjunto e tornar-se a principal organização de coordenação de políticas e financiamento.

Em Julho, a OTCA recebeu pela primeira vez o apoio do Fundo Verde para o Clima (uma iniciativa global que financia necessidades de mitigação e adaptação ao aquecimento global, constituída por agências das Nações Unidas, bancos multilaterais e comerciais e organizações da sociedade civil, entre outras). Trata-se de um projecto que poderá receber 420 milhões de dólares (384 milhões de euros) para melhorar a segurança do abastecimento de água na bacia amazónica, numa parceria com o Banco de Desenvolvimento Interamericano.

Espera-se que o Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, esteja presente na cimeira de Belém, depois de ter faltado a várias reuniões regionais nos últimos anos, num contexto de relações diplomáticas tensas com vários países da América do Sul. Maduro deve tentar aproveitar o facto de os dois Presidentes que estão a liderar este processo, a Colômbia e o Brasil, serem de esquerda, e tentará estar activo na OTCA, de acordo com o grupo ambientalista venezuelano SOS Orinoco.

“Com Petro na Colômbia e Lula no Brasil, a Venezuela parece novamente interessada na OTCA, porque agora tem dois poderosos aliados que antes Maduro não tinha”, disse um porta-voz da SOS Orinoco, que não quis dar o seu nome por motivos de segurança.

Uma questão fundamental é se a cimeira conseguirá angariar novas linhas de financiamento das nações mais ricas para proteger a Amazónia. Espera-se que o Presidente francês, Emmanuel Macron, esteja presente, em nome da Guiana Francesa, bem como o enviado especial para as alterações climáticas dos Estados Unidos, John Kerry.

“Se os países amazónicos, e também a comunidade internacional, aumentarem os recursos económicos para proteger a Amazónia, isso significará que a cimeira teve um resultado positivo”, disse Manuel Rodriguez Becerra.

Com PÚBLICO