“Quando não se conhece o padre a confissão até é melhor, podemos contar tudo”
O Parque do Perdão, onde estão centena e meia de confessionários, é um dos sítos mais concorridos da Jornada Mundial da Juventude.
Pedro percorre o relvado do Jardim Vasco da Gama, em Lisboa, de mãos nos bolsos e ar descontraído. Acaba de sair do confessionário B12, que em nada se distingue dos 149 que lhe fazem companhia. São como pequenas cabanas em madeira com espaço para duas pessoas e ao fim da manhã não há nenhum que fique muito tempo livre.
O B12 foi o confessionário em que o Papa Francisco ouviu três jovens umas horas antes, mas este português na casa dos 40 anos está longe de o saber. “Hoje acordei, estava de folga, alguma coisa me chamou para aqui”, conta. Antigo escuteiro e afastado há anos da prática religiosa, diz ter ficado “sensibilizado” com as imagens que tem visto na televisão e decidiu conhecer o espaço a que a organização da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) chamou Cidade da Alegria, na zona lisboeta de Belém.
“A JMJ passou-me ao lado este tempo todo, mas ontem [quinta-feira] quando vi aquele ajuntamento, a chegada do Papa ao Parque Eduardo VII, tocou-me”, relata. “Trabalho no aeroporto por turnos, tenho dois miúdos, preciso de tempo sozinho. Em vez de ir à praia, decidi apanhar o barco [em Almada, na margem sul do Tejo] e vir.”
A decisão de se ir confessar foi tomada já ali – embora entre o querer e o fazer tenha passado “uma hora e um quarto” nas longas filas de peregrinos que tiveram a mesma ideia. “Mas na boa, estive a falar com um espanhol, um italiano e uns putos que têm a idade da minha filha.”
Para os católicos, a confissão é um sacramento, o momento em que expõem os seus pecados a um padre e obtêm o perdão de Deus. “É como estarmos a falar com Jesus”, ri-se Mauricio Cardós, um mexicano de 23 anos que chegou a Lisboa no domingo e desde então “sentia necessidade” de vir confessar-se. “É como se tivesses correntes e um cadeado à tua volta e ninguém pode libertar-te senão Ele”, descreve.
O chamado Parque do Perdão ocupa todo o relvado central do Jardim Vasco da Gama e é por estes dias um mar branco, a cor dominante dos confessionários construídos por reclusos de estabelecimentos prisionais portugueses. As filas de peregrinos começam a formar-se logo à abertura de portas, às 9h, e ao fim da manhã são milhares os que aguentam o sol tórrido para poder aceder a uma das cabines.
“Cristo é multitasking”, brinca Mauricio. “Pode haver muitas línguas, muitos países, mas para Ele não há barreiras.” Na JMJ, segundo a organização, há sacerdotes de 50 idiomas a confessar.
Jessica Alexandra, de 16 anos, oscilou entre o inglês e o castelhano. Nascida e criada nos Estados Unidos, os pais são colombianos e a sua vida faz-se sobretudo entre as comunidades latinas. Aliás, no grupo de 70 pessoas com que veio a Lisboa há colombianos, salvadorenhos, porto-riquenhos, uruguaios e paraguaios. Traz as bandeiras americana e colombiana amarradas ao pescoço.
Não tinha em mente confessar-se durante a JMJ, mas diz ter-se apercebido desde a chegada “quanto uma pessoa pode pecar em tão pouco tempo”. E por isso lá se foi pôr na longa fila, onde os peregrinos acabam por ser divididos consoante a língua que falam. Depois, um ecrã indica-lhes a que confessionário se hão-de dirigir — um sistema parecido com as caixas de alguns hipermercados.
“Quando não se conhece o padre a confissão até é melhor, podemos contar tudo”, diz ela, admitindo com uma gargalhada: “Ao meu pároco nunca me confesso, vou sempre a outro.”
Pedro, que não se confessava “desde miúdo”, descreve o momento desta sexta-feira mais como uma conversa do que como uma espécie de sermão, que é a experiência que recorda de quando andava na catequese e nos escuteiros. Terminada a confissão, tem todo o dia pela frente. “Agora vou apanhar o barco de volta. Hoje está um mar porreiro.” Talvez ainda vá apanhar umas ondas.