Carta ao Estado Novo
Querido Estado Novo, daqui é a Sãozinha, desvalida do asilo junto ao pinhal.
A Sãozinha, que ainda estava de castigo, desceu a correr do quarto da irmã gorda, quando ouviu as meninas a voltar do passeio de domingo. Sabia que não poderia ser vista ali, exercendo o privilégio de ler poemas e escrever à máquina, podendo isso resultar numa vida futura mais fácil, menos criada, mais São. Nesse dia tinha estado a dactilografar uma carta ao Estado Novo, “Querido Estado Novo, daqui é a Sãozinha, desvalida do asilo junto ao pinhal”, dando a conhecer a essa entidade o problema da ausência de brinquedos no asilo, “vossa excelência não deve saber disto, mas estamos sem brinquedos, a não ser no Natal, o que é muito pouco, mesmo mesmo mesmo muito pouco, preciso de estar mais vezes com a boneca de papel que tem o nome da minha mãezinha, pedia a vossa excelência pelo bem da querida Pátria, do tão amado Portugal, e das outras meninas do asilo, que também não têm brinquedos, ao contrário da Mariazinha do livro de leituras, que fizesse um daqueles seus serviços valiosos, como consertar estradas, mas só que neste caso é brinquedos”.
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