Seca: os novos planos para abastecer as regiões sedentas do Algarve e de Huelva com o Guadiana

APA avalia solução que pode custar 61,5 milhões de euros para o envio de água do rio Guadiana através de uma conduta até à albufeira da barragem de Odeleite, no Algarve, um percurso de 36 quilómetros.

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O Sul de Portugal e Espanha está a enfrentar uma situação de seca extrema NFNuno Ferreira Santos
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O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para o Reforço do Abastecimento de Água ao Algarve a partir de uma tomada de água a instalar a montante da confluência do rio Chança e da antiga aldeia mineira do Pomarão, no concelho de Mértola, acaba de ser entregue na Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Entretanto, Espanha também quer tirar mais água do Guadiana para servir a região de Huelva, em seca extrema. A luta pelo caudal do Guadiana continua.

O EIA dá corpo à solução do envio de água do rio Guadiana através de uma conduta adutora até à albufeira da barragem de Odeleite no Algarve, num percurso com cerca de 36 quilómetros de extensão. O traçado da conduta adutora atravessa os concelhos de Mértola, Alcoutim e Castro Marim. O projecto será financiado no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência e implica um investimento de cerca de 61,5 milhões de euros.

Porém, o caudal ecológico do Guadiana terá de abastecer as regiões sedentas do Algarve e de Huelva. A opção de instalar o ponto de captação no Pomarão aproveita um ponto no rio Guadiana onde as águas vindas de montante da barragem de Pedrógão já não são afectadas pela cunha salina que sobe o rio, a partir da sua foz em Vila Real de Santo António.

O EIA apresentado à APA prevê a captação de um caudal de 2 metros cúbicos por segundo (m3/s) durante quatro meses e 1m3/s durante outros quatro meses no ano. José Pedro Salema, presidente da Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas de Alqueva (EDIA) adiantou ao PÚBLICO que o volume médio anual a transferir é de 25 hectómetros cúbicos (hm3), mas poderá chegar a um máximo de 40hm3.

Temos actualmente 26% do território de Portugal continental em seca extrema ou severa – é muito diferente do que se passava no mesmo período há um ano, quando 97% do território estava nessa situação. No entanto, no Algarve, a seca agravou-se em relação ao ano passado.

Se a capacidade total das seis albufeiras que abastecem a região é de 446hm3 de água, neste momento têm armazenados apenas 153hm3. “Em relação a esta altura no ano passado, temos menos 25hm3 no conjunto das albufeiras” do Algarve, contabilizou Pimenta Machado, numa conversa com o Azul, em que apresentou a avaliação feita pela APA da situação da seca em Portugal e algumas acções planeadas para a combater.

Outras medidas para o Algarve

O transvase de água a partir do Guadiana irá reforçar o abastecimento urbano do sistema multimunicipal do Algarve e a rega de culturas intensivas no Sotavento algarvio.

Em complemento da solução “Tomada de Água no Pomarão” estão previstas outras medidas para o reforço do sistema de abastecimento de água do Algarve, em que se incluem a dessalinização, a produção de água para reutilização e a melhoria da capacidade de regularização dos sistemas de armazenamento.

O EIA prevê que, “a par de medidas de contingência de limitações ao aumento da procura e controlo das captações de águas subterrâneas, irão garantir um acréscimo de disponibilidade média anual de água de 17 milhões de metros cúbicos já em 2023”, totalizando um acréscimo anual acumulado de cerca de 62 milhões de metros cúbicos em 2026 em toda região do Algarve.

O reforço de água ao Algarve a partir da aldeia do Pomarão exige um débito anual entre 25 e 40hm3 de água. As autoridades espanholas reclamam a captação entre 75 e 150hm3.

Espanha também quer mais água do Guadiana

No país vizinho, o conselho de ministros espanhol aprovou recentemente o Plano Hidrológico Tinto-Odiel-Piedras-Chança que aprova a política hidráulica para a região de Huelva a desenvolver entre 2022 e 2027.

Este plano, que se encontra em fase de projecto, prevê um aumento da área irrigada na província de Huelva com o horizonte temporal do ano 2039. Passa dos actuais 40.000 hectares de área irrigada para 90.000 hectares.

O documento salienta que é “deixado em aberto o caminho para reconhecer legalmente que o rio Chança é constitucionalmente um rio intracomunitário” e que as suas albufeiras e canais “são propriedade da Junta de Andaluzia e a sua água é consumida em Huelva”.

O presidente da Associação de Promotores de Irrigação de Huelva (Coprehu) e da Associação de Comunidades de Irrigação de Huelva (Corehu), Juan Antonio Millán, já anunciou nas páginas das duas associações que estão a “trabalhar com a Junta de Andaluzia no âmbito de medidas para aliviar os efeitos da seca actual e futura”. E com base na experiência da seca de 1995 “o bom funcionamento das bombas de captação de Boca-Chança é essencial”.

Neste sentido, prossegue o dirigente associativo de Huelva, a Junta de Andaluzia concluiu os trabalhos de manutenção das instalações do sistema de captação de Boca-Chança, para “melhorar o sistema e poder bombear 75hm3/ano em plena capacidade volume de água que em 1971 foi temporariamente autorizado por acordo entre Espanha e Portugal e que foi alargado para situações de escassez e seca”, referiu Juan Millán.

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Imagem de drone da Barragem de Odeleite, bacia hidrografica do Guadiana, concelho de Castro Marim Miguel Manso

[Mais recentemente, com o apoio da Junta de Andaluzia,] encetámos contactos com a empresa pública portuguesa EDIA que gere a barragem de Alqueva, e o diálogo está a decorrer bem [para a assinatura de um acordo de fornecimento de água a Huelva]”, adianta o responsável.

Salema confirmou ao PÚBLICO ter mantido contactos com entidades de Huelva. “Visitámos a associação (Corehu) e eles visitaram-nos, mas não falámos sobre a concessão de caudais. Foram meros contactos de natureza técnica.”

Negociação sobre os caudais

Qualquer negociação para cedência de caudais “terá de passar pela Comissão para a Aplicação e o Desenvolvimento da Convenção de Albufeira (CADC)”, explicou o presidente da EDIA. E deu uma garantia: “Nunca nos meteríamos a negociar os caudais a partir do Pomarão, por não ser matéria que possa competir à EDIA ou às associações de Huelva.”

Seja como for, as autoridades espanholas estão a acelerar as obras do túnel de S. Silvestre que faz parte da infra-estrutura hidráulica para encaminhar as águas da albufeira de Chança e do sistema de captação do Boca-Chança para a rede hidrográfica dos rios Tinto, Odiel e Piedras. Actualmente, este túnel tem uma capacidade de transporte de 10m3/s, enquanto a capacidade de bombeamento do complexo de Chança é de 20m3/s.

As autoridades de Andaluzia têm assumido que o aumento da capacidade de transporte de água através do túnel de S. Silvestre “é uma infra-estrutura fundamental para garantir o abastecimento e os diversos usos da água na província de Huelva”. O investimento programado para a obra é de 58 milhões de euros.

A indefinição que tem marcado as captações de água a partir do Boca-Chança estará associada à “falta de definição de um regime de caudais a lançar no Guadiana internacional”, esclarece Pedro Salema. Lembra que Portugal decidiu “unilateralmente há 20 anos estabelecer um volume mínimo de 2 metros cúbicos por segundo”, para assegurar o caudal ecológico no troço do Guadiana internacional, entre o Pomarão e Vila Real de Santo António.

O presidente da EDIA adianta que nos meses de Junho e Julho, a partir do Pomarão, foram lançados no Guadiana internacional 16 milhões de m3. Para Agosto estão programados 8 milhões de m3. [Em Janeiro e Fevereiro passados,] enviámos 102 milhões de metros cúbicos”, refere Pedro Salema, adiantando que o débito a descarregar está dependente da precipitação atmosférica.

Deste volume de água debitado para garantir o caudal ecológico, a partir da barragem de Pedrógão, desconhece-se o que foi desviado através do Boca-Chança para a região de Huelva.