Trump acusado de conspirar para reverter a eleição de 2020

Ex-Presidente dos Estados Unidos foi formalmente acusado de quatro crimes pelo seu papel nos acontecimentos que culminaram com a invasão do Capitólio.

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É a terceira acusação criminal contra Trump nos últimos quatro meses Reuters/LINDSAY DEDARIO
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Um grande júri de Washington aprovou, na terça-feira, uma acusação criminal contra o ex-Presidente dos Estados Unidos Donald Trump no processo relacionado com as queixas infundadas de fraude nas eleições de 2020 e com a invasão do Capitólio. Trump foi intimado a comparecer em tribunal na quinta-feira, às 16h (hora local, 21h em Portugal continental).

Segundo o despacho de acusação, conhecido na noite de terça-feira, Trump é acusado de quatro crimes: conspiração para defraudar os Estados Unidos; conspiração para obstruir um procedimento oficial; obstrução ou tentativa de obstrução de um procedimento oficial; e conspiração contra direitos.

"A finalidade da conspiração era a reversão dos resultados legítimos da eleição presidencial de 2020, através de um uso consciente de falsas queixas de fraude eleitoral para obstruir a forma como o Governo federal recolhe, conta e certifica os resultados", lê-se no despacho, num resumo que antecede a explicação pormenorizada das provas recolhidas pelo Departamento de Justiça relativas à primeira das quatro acusações, detalhas numa lista com 124 alíneas ao longo de 39 páginas.

Na noite da eleição presidencial de 2020, a 3 de Novembro desse ano, Trump surgiu perante as câmaras de televisão a afirmar que os resultados provisórios — que apontavam nessa altura para uma vantagem do candidato do Partido Democrata, Joe Biden, depois de uma liderança inicial de Trump — provavam a existência de fraude eleitoral em larga escala.

Meses antes da eleição de 2020, já depois do início da pandemia de covid-19, vários especialistas em eleições nos EUA alertaram que seria expectável uma liderança inicial de Trump na contagem dos votos, devido à maior resistência do seu eleitorado às quarentenas impostas por vários governos estaduais norte-americanos.

No dia da eleição, o número de eleitores republicanos que se deslocou às urnas foi muito superior ao do eleitorado democrata, que recorreu mais ao voto por correspondência e à votação antecipada, em boletins que só começaram a ser contados depois dos votos presenciais, o que explicava a liderança inicial de Trump.

"Durante mais de dois meses, a seguir ao dia da eleição, a 3 de Novembro de 2020, o réu espalhou mentiras sobre uma suposta fraude eleitoral e apresentou-se como o vencedor", diz o despacho de acusação.

"Essas alegações eram falsas, e o réu sabia que eram falsas. Mesmo assim, o réu disseminou-as — para fazer crer que eram legítimas, para criar uma intensa atmosfera de desconfiança e de raiva, e para corroer a confiança pública na administração das eleições."

Plano em quatro fases

Entre Novembro de 2020 e Janeiro de 2021, Trump e os seus colaboradores mais próximos, com destaque para o advogado Rudolph Giuliani, disseram aos seus eleitores que a vitória de Biden era ilegítima, apesar de terem perdido todas as queixas submetidas aos tribunais nessa altura — incluindo no Supremo Tribunal dos EUA, onde seis dos nove juízes são conservadores e três deles foram nomeados pelo ex-Presidente dos EUA.

Ao mesmo tempo, Trump tentou pressionar responsáveis eleitorais em estados como a Georgia — onde Biden tinha recebido mais votos — a reverterem o resultado da eleição.

Numa conversa telefónica com o responsável pela certificação dos resultados na Georgia, o republicano Brad Raffensperger, o então Presidente dos EUA pediu-lhe que "encontrasse" 11.780 votos — mais um do que os 11.779 que o separavam de Biden.

Numa terceira fase do plano que, segundo o despacho divulgado nesta terça-feira pelo Departamento de Justiça, tinha como objectivo a reversão dos resultados eleitorais de 2020, vários congressistas estaduais republicanos e outros membros do partido tentaram entregar certificados falsos de vitória em nome de Trump em estados como a Georgia, o Michigan, a Pensilvânia, o Arizona e o Wisconsin.

O objectivo, segundo a acusação, era confrontar o Congresso dos EUA com certificados eleitorais conflituantes no decorrer da cerimónia de confirmação dos resultados, marcada para 6 de Janeiro de 2021.

A invasão do Capitólio por apoiantes de Trump, nesse dia, está na base da segunda acusação contra o ex-Presidente dos EUA: "Em conluio com outros conspiradores, Donald J. Trump conspirou para obstruir e impedir um procedimento oficial, neste caso a certificação da votação do Colégio Eleitoral."

Além da conspiração para sabotar a cerimónia de 6 de Janeiro de 2021, Trump é acusado de ter efectivamente obstruído o procedimento.

Por último, o ex-Presidente dos EUA (e grande favorito a ser o candidato do Partido Republicano na eleição de 2024) é acusado de "oprimir, ameaçar e intimidar uma ou mais pessoas no livre exercício de um direito e um privilégio garantido pela Constituição e pelas leis — o direito a votar e a ter esse voto contado".

Acusação "patética"

Pouco depois da divulgação da nova acusação, Trump publicou um comunicado na rede social Truth Social, onde se refere ao despacho do procurador especial Jack Smith como "o mais recente capítulo na patética tentativa da família criminosa Biden e do seu Departamento de Justiça de interferir na eleição de 2024".

"Porque é que não fizeram estas acusações ridículas há dois anos e meio? Eles queriam que isto acontecesse no meio da minha campanha!", disse o ex-Presidente dos EUA numa outra mensagem publicada na rede social.

Trump foi destituído do cargo numa votação na Câmara dos Representantes por causa do seu envolvimento na invasão do Capitólio, num processo que seria travado no Senado pela maioria do Partido Republicano apesar de sete senadores republicanos terem votado a favor da condenação do ex-Presidente dos EUA — um número recorde de votos a favor da destituição de um Presidente na bancada do seu partido.

Nos meses seguintes, em 2021, o Partido Republicano opôs-se à criação de uma comissão especial de inquérito bipartidária no Congresso, e afastou-se da criação de uma comissão constituída apenas pela Câmara dos Representantes e sem o envolvimento do Senado.

Os trabalhos desta comissão — onde só participaram dois republicanos, contra a vontade da liderança do seu partido — resultaram num relatório, divulgado em finais de 2022, que atribuía total responsabilidade a Trump nos acontecimentos que levaram à invasão do Capitólio.

A partir do início de 2023, e já com o procurador especial Jack Smith a liderar a investigação criminal que corria paralelamente aos trabalhos da comissão de inquérito, o Departamento de Justiça começou finalmente a centrar-se no papel de Trump, depois de dois anos a obter acusações e condenações de vários executantes da invasão.

Três (ou quatro) acusações criminais

Esta é a terceira acusação criminal contra Trump desde finais de Março, quando o procurador distrital de Manhattan, Alvin Bragg, obteve a aprovação de um grande júri para acusar o ex-Presidente dos EUA de 34 crimes financeiros, relacionados com o processo do pagamento pelo silêncio de uma actriz de filmes pornográficos no final da campanha eleitoral de 2016.

Neste processo, Trump não é acusado por ter ordenado o pagamento à actriz Stormy Daniels (um crime de violação da leis de campanha pelo qual o advogado Michael Cohen foi condenado a três anos de prisão, em 2018); em vez disso, o ex-Presidente dos EUA foi acusado, e vai começar a ser julgado em Março de 2024, por ter tentado esconder nas contas da sua empresa os reembolsos feitos a Cohen pelo pagamento à actriz.

Em Junho, Trump foi alvo de uma acusação numa segunda investigação criminal — a primeira a nível federal —, sobre a retenção ilegal de documentos secretos da Casa Branca na sua mansão na Florida.

Neste processo, o ex-Presidente dos EUA foi acusado de 40 crimes, incluindo obstrução da Justiça, tentativa de destruição de provas e violação da Lei de Espionagem, e tem julgamento marcado para Maio de 2024.

Nos próximos dias, Trump poderá ser alvo de uma quarta acusação criminal, no processo das suspeitas de pressão sobre responsáveis eleitorais na Georgia.

Nas últimas semanas, os tribunais do estado bloquearam duas tentativas dos advogados de Trump para obterem o arquivamento do processo, reforçando a ideia de que a procuradora responsável pelo caso, Fani Willis, irá divulgar um despacho de acusação até meados de Agosto.

Candidato na prisão

No caso da retenção ilegal de documentos secretos da Casa Branca, Trump e outros acusados podem vir a ser condenados a penas de 20 anos de prisão.

Mesmo que o ex-Presidente dos EUA seja condenado a uma pena de prisão, não poderá ser impedido de se candidatar à eleição presidencial de 2024; segundo uma decisão do Supremo Tribunal do país, de finais da década de 1960, o Congresso não pode acrescentar critérios de elegibilidade aos que se encontram na Constituição: ser um cidadão natural dos EUA, ter 35 anos de idade e ter vivido pelo menos 14 anos no território dos EUA.

Na eleição presidencial de 1920, Eugene V. Debs, do Partido Socialista, que estava a cumprir uma pena de prisão por se ter posicionado contra o alistamento de soldados norte-americanos para a Guerra de 1914-18, candidatou-se à Casa Branca e recebeu 3,4% dos votos.

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