Ministério da Cultura repõe quota de música portuguesa na rádio em 30% durante um ano

A portaria, assinada por Adão e Silva na passada sexta-feira, entrará em vigor a 1 de Setembro, “produzindo efeitos pelo período de um ano”.

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No início do mês, o ministro já tinha demonstrado disponibilidade para fixar a quota mínima nos 30% Matilde Fieschi
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O ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, assinou na passada sexta-feira a portaria que, durante um ano, repõe a quota mínima obrigatória de música portuguesa na rádio nos 30%. O diploma seguiu para publicação em Diário da República, anunciou nesta segunda-feira a tutela.

“A programação musical dos serviços de programas de radiodifusão sonora é obrigatoriamente preenchida com a quota mínima de 30 % de música portuguesa”, lê-se no texto da portaria, à qual a agência Lusa teve acesso. A portaria “entra em vigor no dia 1 de Setembro de 2023, produzindo efeitos pelo período de um ano”.

A rádio por via hertziana terrestre continua a ser o principal meio de escuta de música para um número elevado de pessoas, refere o Ministério da Cultura, justificando a medida. A tutela argumenta também que a emissão radiofónica, apoiada por um sistema de quotas, contribui para a diversidade da oferta musical.

“Sendo o espectro radioeléctrico um recurso público e limitado, o Estado tem legitimidade para determinar o cumprimento de obrigações específicas, em nome do interesse colectivo”, acrescenta o ministério.

No início do mês, no Parlamento, Pedro Adão e Silva demonstrara disponibilidade para fixar a quota mínima obrigatória de música portuguesa nas rádios em 30%, enquanto se aguardava pela proposta de revisão da Lei da Rádio, a apresentar pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

O ministro falava na altura numa audição destinada à apreciação na especialidade de projectos de lei do PCP, do Bloco de Esquerda (BE) e do PAN, para fixar a quota mínima obrigatória em 35%, no caso da primeira proposta, e 30%, nos casos das restantes.

Pedro Adão e Silva sugeriu então que o Parlamento aguardasse “pela proposta de revisão da Lei da Rádio”, já que o processo legislativo que se tinha iniciado dificilmente terminaria este mês, em que encerrou a actual sessão legislativa.

“O Governo, nos termos que a lei prevê, isto é, ouvindo e consultando o sector, pode fixar por portaria, e essa é a minha disponibilidade, os 30% [de quota mínima obrigatória de música portuguesa nas rádios]”, adiantou então o responsável.

Quota mínima tem estado quase sempre nos 25%

A Lei da Rádio, aprovada em 2010, determina uma quota mínima obrigatória de música portuguesa nas rádios, variável de 25% a 40%. Cabe ao Governo estipular, através de portaria e por períodos de 12 meses, a quota para cada ano.

Desde 2010 que o valor tem-se mantido, quase sempre, na percentagem mínima permitida. A única excepção registou-se em 2021, ano de crise pandémica em que a então ministra da Cultura Graça Fonseca anunciou uma subida para os 30%. No ano seguinte, a quota caiu de novo para os 25%. Esta decisão do Governo acabou por ser criticada publicamente pelo sector, nomeadamente por dezenas de artistas portugueses.

A 23 de Março desde ano, Pedro Adão e Silva defendeu uma “reflexão ponderada e informada” quanto à definição da quota mínima obrigatória, e disse ter pedido informações a entidades como associações de rádios, gestores dos direitos de autores e dos direitos conexos e a ERC.

Em Abril, numa audição regimental no Parlamento, o ministro revelou alguma da informação que na altura tinha recebido da Audiogest - Associação para a Gestão e Distribuição de Direitos e da Associação Fonográfica Portuguesa.

Estas duas entidades “fizeram análise à produção musical e o género onde há mais produção é o hip-hop”, disse Pedro Adão e Silva, lembrando que, actualmente, “a ERC isenta as rádios que têm o género onde é maior a produção”.

“Quando estas excepções foram criadas, há 20 anos, a realidade era muito distinta. [Hoje em dia] há rádios que estão obrigadas às quotas” e outras que, tendo o mesmo público-alvo, “estão isentas”, afirmou, apelando à ERC para que fizesse uma “revisão destas isenções, que são desajustadas ao tempo actual”.

​A Lei da Rádio abre isenções para emissoras “cujo modelo de programação se baseie na difusão de géneros musicais insuficientemente produzidos em Portugal”. “Compete à ERC estipular quais os géneros que justificam a excepção. Ora, o regulamento em vigor [tornou-se, com o passar do tempo] patentemente anacrónico”, escrevia em Abril Adão e Silva no PÚBLICO, num artigo de opinião.

“Um exemplo flagrante é o do hip-hop, um dos géneros na altura abrangidos pela excepção, mas que em anos recentes se tornou mesmo no tipo de música que mais se produz no nosso país. Não faz, por isso, nenhum sentido que as rádios que têm uma programação orientada para a música urbana continuem isentas da quota”, reflectiu o ministro.

Nesse texto, o responsável falou também de outras questões que “seria tempo de rever”. “Dou um exemplo: dentro da quota geral de música em português, está prevista uma subquota para música cantada em português ‘por cidadãos da União Europeia’. Imagino que tal regra tenha sido criada para evitar que a parte de leão da quota de música em português fosse preenchida por música brasileira, temor que hoje não parece ter fundamento. Em decorrência da norma, um clássico como Corcovado (de Tom Jobim), se for cantado por um músico brasileiro, não entra na subquota, mas, na versão dos Everything but the Girl, sim; ou melhor, contava — até o Reino Unido ter optado pelo Brexit. Normas destas são excessivamente burocráticas, um espartilho sem lógica que acaba por minar a própria legitimidade da regra”, considera Adão e Silva.

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