Renaturalizar – imaginar um novo selvagem

A natureza só precisa de uma oportunidade, a parte mais difícil é o ser humano encontrar o tempo e o espaço, para que a natureza possa recuperar todo o seu esplendor.

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Renaturalizar, uma palavra na moda, um termo novo, um vocábulo algo incógnito. Mas o que significa renaturalizar? Que ideias pode dar para o futuro? E que impacto pode ter nas áreas protegidas de Portugal?

Renaturalizar, “restaurar as condições naturais de um dado espaço ou sistema ecológico”, é uma escala que tanto pode ser usada em zonas urbanas como nas zonas mais remotas, em menor ou em maior escala. Mas não é só restaurar a natureza é também mudar a nossa relação o meio natural, de uma de conflito e exclusão para uma de coexistência e partilha.

No sentido grande da palavra, é ir além de plantar árvores, reintroduzir uma espécie ou "ajeitar" um ribeiro. É uma estratégia ambiciosa de restauro ecológico, em grande escala, que procura recuperar ecossistemas completos (com todas as espécies), funcionais (com todas as funções ecológicas) e moldados por processos naturais (como cheias ou fogos).

Assente num novo modelo de desenvolvimento económico em que os benefícios diretos, por exemplo na forma de turismo de natureza e, indiretos na forma de redução de carbono na atmosfera entre outros, garantem novas oportunidades e melhoria da qualidade de vida para as pessoas.

É uma estratégia que olha para o passado para inspiração, para ver o que se perdeu, vê o presente com mudanças climáticas e expansão natural de animais e plantas e, imagina novas possibilidades. Em Portugal, as áreas protegidas, expressão máxima zonas naturais, são fracas, há pouca ou nenhuma vida selvagem (tanto em diversidade como em abundância), estão isoladas (ilhas em paisagens humanizadas) e zonas só para a natureza são raras. São pouco mais do que linhas desenhadas num mapa, sinais queimados pelo sol a dar as boas-vindas e, em muitos casos, estão rodeadas de aldeias vazias.

Mas podiam ser diferentes, numa época de extinções em massa é preciso visão, ambição e proatividade. Uma análise com 3 Cs mostra todo o potencial para dar espaço à natureza, com corredores verdes para a vida selvagem, cadeias tróficas completas (animais de vários tamanhos e em número) e zonas vastas core (com pouca ou nenhuma perturbação do ser humano).

Primeiro, existem várias espécies que podem voltar a Portugal, expandir as áreas onde ocorrem ou mesmo chegar e ocupar novos territórios devido ao impacto das alterações climáticas. É um catálogo longo que vai desde camaleões e tartarugas terrestres, de abutres a grandes herbívoros, de focas a ostras. Em alguns casos, com tempo, os animais chegam por si, noutros é preciso dar boleia, através de programas de reintrodução.

Segundo, repensar a conectividade na paisagem, o ser humano precisa de estradas, caminhos de ferro e aeroportos, a vida selvagem também precisa de espaços para se mover, quer seja corredores aéreos com pouca poluição luminosa para as aves, rios livres para os peixes ou, zonas verdes a ligar áreas protegias por terra. Uma necessidade cada vez mais urgente devido à rapidez das alterações climáticas.

Terceiro, encontrar zonas só para a natureza com dimensão, na terra (zonas sem caça, infraestruturas ou outras formas de presença humana) e no mar (zonas sem pesca), não em pequenos jardins mas numa paisagem vasta. Rochas e gelo são o quintal dos conservacionistas, mas não precisam de continuar a ser, o abandono da atividade agrícola abre uma oportunidade, ímpar em centenas de anos, para dar mais espaço à natureza e restaurar zonas selvagens.

Um plano ambiental suportado por uma forte base económica, encontrar financiamento de mil e uma maneiras para restaurar a natureza, desde alinhar incentivos económicos que exploram a natureza para que cuidem, na agricultura, florestas e pesca, usar os recursos vastos da filantropia, até usar outros instrumentos financeiros como mercados de carbono. Assim como assentar o restauro da natureza numa estratégia de desenvolvimento local que beneficia diretamente de uma paisagem renaturalizada. Áreas naturais que ao entrar se sente o selvagem, sinais cintilantes que espelham o estado cuidado das áreas protegidas e, aldeias vibrantes com novas oportunidades e turistas.

Numa época de grandes desafios ambientais são precisas ideias inovadoras, com escala e custo eficientes, muitas das sugestões de conservação de documentos como o Guia de Flora Ameaçada ou o Livro Vermelho de Mamíferos, são pouco ou nada criativas, de pequena escala e caras, "manutenção de pastagens agrícolas, adoção de práticas agroflorestais apropriadas, monitorização detalhada, vigilância, núcleos em jardins botânicos" ou ainda "monitorizar populações ou controlar a caça furtiva”, apesar de serem bons documentos que comprovam e alertam para o declínio de diversidade e abundância de vida selvagem em Portugal, muitas das medidas para resolver o problema têm o objetivo de parar declínios e de prevenir extinções, mais do que promover abundâncias e restaurar.

A natureza precisa de mais espaço. Não pode estar dependente de práticas agrícolas ou outras formas da mão humana, precisa de ser autónoma, precisa de ter as condições para se autossustentar e regular. Ecossistemas completos e funcionais evitam custos na gestão da paisagem, como limpar matos para prevenir ou mitigar incêndios, criam novas oportunidades através do ecoturismo e, dão muitos outros serviços como sequestro de carbono, oxigénio ou água limpa.

A natureza só precisa de uma oportunidade, a parte mais difícil é o ser humano encontrar o tempo e o espaço, para que a natureza possa recuperar todo o seu esplendor e, quando as áreas naturais estão degradas há dezenas, centenas e mesmo milhares de anos, renaturalizar é, mais que tudo, um grande desafio de imaginação.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico.