Risco imediato de mineração no alto-mar está no centro de reunião internacional

Estão a chegar ao fim as três semanas de reuniões dos órgãos da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos. Ambientalistas pressionam autoridade para carregar no botão de pausa da mineração.

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Portugal defende uma “pausa por precaução” da mineração Daniel Rocha
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Apesar de o perigo imediato do avanço para a mineração nos fundos marinhos ter sido evitado durante a 28.ª sessão do Conselho da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA, sigla em inglês), que ocorreu na semana passada em Kingston, na Jamaica, os ambientalistas ainda não estão sossegados em relação à possibilidade de aquela actividade começar a destruir ecossistemas no alto-mar antes de 2030. Por isso, continuam a pressionar as conversações que ainda decorrem esta semana ao nível da Assembleia da ISA.

“Necessitamos que todos os governos na Assembleia da ISA tornem a moratória [à mineração no fundo do mar] uma realidade e salvaguardem o oceano. Travar por completo a indústria é o único caminho responsável”, disse Sofia Tsenikli, líder de campanha da The Deep Sea Conservation Coalition (DSCC), num comunicado daquela organização divulgado na segunda-feira, após duas semanas de reuniões do Conselho e já a apontar para a sessão da Assembleia da ISA, que decorre até sexta-feira, na mesma cidade.

A ISA é uma organização internacional formada devido à necessidade de se regulamentar a mineração no fundo marinho feita no alto-mar, no contexto da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982.

O alto-mar começa para lá da zona económica exclusiva (ZEE) dos países, que se situa até 200 milhas náuticas da costa (370,4 quilómetros) de cada país. As águas internacionais perfazem 64% da superfície dos oceanos. Ao contrário das ZEE, que podem ser exploradas por cada país, o fundo marinho do alto-mar é património comum da humanidade. Assim, uma das preocupações da ISA é “assegurar a protecção eficaz do ambiente marinho dos efeitos prejudiciais que possam surgir das actividades” de mineração, segundo o que se lê no site da autoridade.

Ainda não existe um quadro jurídico para a mineração comercial no alto-mar. Mas a 9 de Julho de 2021, Nauru, uma nação que é uma pequena ilha da Micronésia com menos de 13.000 habitantes, pediu à ISA para avançar com a mineração no fundo marinho numa região de mar internacional no meio do oceano Pacífico. O país fez uma parceria com a empresa canadiana Metals Company, que é quem iria explorar o leito do Pacífico.

A partir daquela data e segundo o acordo relacionado com a Implementação da Parte XI da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1994, a ISA teria de terminar de formular as “regras, os regulamentos e os procedimentos” para a exploração “dois anos após o pedido” feito pelo Estado-membro. Se tal não fosse feito, o Conselho teria “ainda assim de considerar e aprovar provisoriamente o plano de trabalho”, lê-se ainda no acordo.

A 9 de Julho último, passados dois anos, o Conselho da ISA ainda não tinha produzido nenhum regulamento. “Há vários países que estão, para já, contra a mineração”, justifica ao PÚBLICO Ana Matias, coordenadora do clima da Sciaena Associação de Ciências Marinhas e Cooperação.

“Os riscos ainda não estão devidamente acautelados e o conhecimento do mar profundo é muito inicial, quer sobre aquilo que lá podemos encontrar, quer sobre as dinâmicas, os ecossistemas e as próprias espécies. Deve ser dado mais tempo à ciência para alcançar este conhecimento.”

No entanto, quando o Conselho da ISA iniciou a segunda parte da 28.ª sessão, a 10 de Julho, a “regra dos dois anos” assombrava a autoridade. Sem nenhum regulamento e passado o prazo de dois anos, temia-se que, se Nauru apresentasse um plano de trabalho para a mineração no oceano Pacífico, os órgãos da ISA que avaliam estes planos poderiam dar um aval para a mineração comercial iniciar-se.

Danos permanentes

Já foram feitas algumas dezenas de missões de prospecção de mineração do fundo marinho. A escavação do fundo marinho levanta plumas, cuja toxicidade depende do tipo de sedimentos que são levantados. Além disso, estas operações perturbam os ecossistemas e podem destruir as espécies existentes naquelas áreas, muitas delas completamente desconhecidas.

“A mineração dos habitats críticos, imperturbados e mais frágeis do nosso planeta iria inevitavelmente causar danos permanentes em larga escala. Com ou sem regulamentos, o resultado final iria ser o mesmo: a extinção de espécies, a perda permanente de habitats; impactos no sequestro de carbono, nos recursos pesqueiros e o património cultural posto em causa”, defendeu por sua vez Emma Wilson, outra responsável da DSCC, citada no mesmo comunicado.

Mas ao longo das duas semanas, o Conselho decidiu que sem um quadro jurídico internacional não pode haver a exploração comercial dos fundos marinhos e adoptou um roteiro provisório para ter um quadro jurídico elaborado em 2025. Desta forma, o órgão da ISA reforçou a posição que já tinha anunciado em Março último, durante a primeira parte da 28.ª sessão (a 28.ª sessão divide-se em três partes ao longo de 2023, a que está a decorrer actualmente é a segunda e haverá uma terceira entre 30 de Outubro e de Novembro). No próximo ano, será avaliado se é possível cumprir o prazo de 2025 para se obter as regras, os regulamentos e os procedimentos para a mineração no fundo do mar, ou se será necessário adiar o prazo mais uma vez.

Além disso, caso haja um Estado-membro que faça uma aplicação de um plano de trabalho para a mineração comercial no mar profundo antes de estar definido um quadro jurídico, ficou garantido que o Conselho é quem é chamado a intervir sobre o processo, em vez de ser avaliado pela Comissão Jurídica e Técnica.

Esta comissão é o órgão da ISA estipulado para avaliar tecnicamente os planos de trabalho e, se assim entendesse, poderia dar o aval positivo a uma aplicação. Com a decisão agora tomada, assegura-se que enquanto o Conselho não atingir um consenso sobre a regulamentação da mineração comercial, possíveis pedidos de aplicação ficarão em banho-maria.

Tal como ocorreu durante a sessão do Conselho, na sessão da Assembleia da ISA também irá ser discutida a questão da “regra dos dois anos”, numa proposta lançada pelo Chile. Enquanto o Conselho conta apenas com 36 membros, a Assembleia integra todos os 167 Estados-membros daquela organização, mais a União Europeia. Além de outras responsabilidades, como a eleição dos membros do Conselho, a Assembleia aprova as regras, as regulações e os procedimentos adoptados pelo Conselho. A discussão interna da ISA traduz o que se passa cá fora.

Pausa, moratória ou banir?

De Junho de 2022 para cá, 21 países assumiram em formatos diferentes uma oposição contra o avanço imediato da mineração em mar profundo. Países como o Canadá, a Suíça, as Fiji e Palau defendem uma moratória. França quer banir por completo a mineração. Portugal, que aderiu a este movimento em meados de Julho, já durante a sessão do Conselho, defende uma “pausa por precaução” da mineração, tal como a Alemanha, o Brasil, a Espanha, a Finlândia, o Equador, entre outros.

A decisão de Portugal ocorre meses depois de a Assembleia dos Açores aprovar uma resolução para que o governo regional avance com uma moratória à mineração em zonas marítimas sob gestão da Região Autónoma dos Açores e quando há pressão pública para haver uma moratória que abarque todas as águas sob jurisdição portuguesa.

“A delegação que representa Portugal exprimiu a posição de que não podem existir quaisquer actividades de mineração no mar profundo”, disse António Costa e Silva, ministro da Economia e do Mar, citado pela Lusa quando Portugal anunciou a posição no contexto da sessão da ISA.

“Temos de fazer uma pausa e penso que somos acompanhados por múltiplos países no mundo e, portanto, o que exigimos é a clarificação do quadro regulamentar e sobretudo o desenvolvimento de maiores actividades na área da investigação científica, do conhecimento científico, preenchendo todas as lacunas que existem.”

A posição destes países é apoiada por centenas de especialistas na área de ciência marinha, além de ambientalistas e legisladores. Em Março, empresas importantes como a BMW, a Google e a Samsung também apoiaram uma pausa à mineração.

“A crescente oposição à mineração dos fundos marinhos vinda de um largo espectro da sociedade demonstra claramente que não há uma licença social para esta actividade”, disse Sofia Tsenikli, da DSCC. A organização luta para a preservação dos fundos marinhos e conta com mais de 100 associações ambientais de todo o mundo, incluindo o Fundo Mundial da Natureza (WWF), e organizações portuguesas como a Liga para a Protecção da Natureza (LPN), a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) e a Quercus.

“A ciência o que nos diz é que, nas expectativas mais optimistas, estamos a dez anos de ter um conhecimento do mar profundo para haver uma regulamentação”, refere por sua vez Ana Matias.

Remexer o armazém de carbono

Apesar de todos estes argumentos, países como a China, o México, Nauru, Noruega e o Reino Unido querem acelerar a aprovação de uma regulamentação. Ainda no mês de Junho, o Governo norueguês propôs abrir à mineração 280.000 quilómetros quadrados do seu fundo marinho – uma área equivalente a três vezes Portugal continental.

“A Noruega apresenta-se como verde na cena global, mas as suas acções mostram o contrário”, disse na altura à Reuters Frode Pleym, que está à frente da Greenpeace Noruega. “Necessitamos de minerais para ter sucesso na transição verde”, argumentou por sua vez Terje Aasland, ministro da Energia e do Petróleo e do Partido Trabalhista, citado pela Reuters.

Esta ideia de que a transição verde exige a exploração do fundo marinho tem sido contestada. “Cada vez mais relatórios vêm dizer que não é claro que precisemos desses minérios, há outras soluções que devem ser exploradas antes de avançarmos para esta fronteira mais profunda”, argumenta Ana Matias. A reciclagem eficaz de equipamentos que contêm os elementos importantes para a transição é uma das estratégias que muitos defendem que se deve adoptar.

Por outro lado, não se sabe qual será a consequência de remexer nos fundos marinhos em relação aos gases com efeito de estufa. “Os fundos marinhos armazenam muitíssimo carbono”, refere Ana Matias. “Será que podemos levantar todo este carbono no fundo do mar, voltar a suspendê-lo na água, sabendo que temos de parar de bombear carbono para a atmosfera?”, questiona.

Todos estes argumentos e posições estarão, de algum modo, presentes na sessão da Assembleia. A proposta conjunta de discussão do Chile, da França, de Palau e de Vanuatu quer garantir que o debate sobre a mineração e o seu impacto nos ecossistemas marinhos também passe pelo órgão com maior representação da ISA.

“A autoridade não irá aprovar planos de trabalho de exploração até que as regras, regulamentos e procedimentos sejam aprovados e adoptados”, lê-se na proposta que será discutida nesta quinta e sexta-feira, que revela o desejo daqueles países. Se a Assembleia concordar com a proposta, haverá um reforço da posição do Conselho e será mais seguro dizer que a exploração dos fundos marinhos no alto-mar ficará, por enquanto, em suspenso. Mas é pouco provável que todos os outros países sejam convencidos já nesta sessão, segundo o que o PÚBLICO apurou.

“Há muitas questões que povoam esta discussão. Não estamos só a falar de regulamentação, mas também quem fica com as royalties, e quem monitoriza. Já é complicado monitorizar actividades de mineração em terra, quanto mais se fizermos isso a milhares de metros de profundidade, em áreas vastíssimas, no mar internacional”, recorda Ana Matias. “Mais do que tudo, as empresas privadas não podem impactar de forma tão profunda uma zona que é de toda a gene e não serem responsáveis pelos danos que fazem e as espécies que matam.”