Macron promete “novo estatuto” para a Nova Caledónia de olhos postos no Indo-Pacífico

Presidente francês visitou um território que já por três vezes votou por não se separar de França. Numa viagem que se estende a outros países da região, a sua ideia é reforçar a presença francesa.

Foto
Emmanuel Macron em Nouméa, capital da Nova Caledónia Raphael Lafargue/ABACAPRESS.COM
Ouça este artigo
00:00
04:11

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

A primeira vez que Emmanuel Macron esteve na Nova Caledónia foi em 2018, quando o arquipélago se preparava para um referendo à independência. Cinco anos depois, os habitantes daquele território ultramarino francês no Pacífico já foram três vezes às urnas recusar a separação de França e o Presidente diz que é tempo de virar a página.

De visita à região, num périplo que ainda o vai levar a Vanuatu e à Papuásia-Nova Guiné, Macron declarou que “no princípio de 2024” haverá uma “revisão da Constituição” para definir um “estatuto novo” para o arquipélago.

Formado por cinco pequenas ilhas, o território da Nova Caledónia fica a uns mil quilómetros da Austrália e da Nova Zelândia, no Pacífico Sul, e é um dos resquícios do colonialismo francês. Foi anexado por Paris em 1853 e, em 1998, as autoridades locais e francesas assinaram um acordo que permitiu a transferência de poderes e competências para Nouméa, capital do arquipélago, e que previa a possibilidade de se realizarem três referendos à independência.

O último destes escrutínios realizou-se em Dezembro de 2021 e o “não” obteve uma maioria esmagadora de 96,5% dos votos, embora o campo pró-independência conteste a validade do acto eleitoral por se ter realizado durante a pandemia de covid-19 e de a taxa de abstenção ter sido superior a 50%. Na altura, responsáveis políticos independentistas afirmaram que a pandemia tinha impedido uma campanha eficaz pelo “sim” e acusaram França de não querer adiar o referendo para impedir uma mudança do statu quo. Nas votações de 2018 e 2020, o “não” ganhara com 57% e 53%.

“A Nova Caledónia é francesa porque decidiu manter-se francesa”, declarou Macron num discurso na principal praça de Nouméa, repleta de bandeiras tricolores e perante uma multidão fundamentalmente leal a França. Afirmando que não quer “desvalorizar as aspirações frustradas daqueles que defendiam um outro projecto”, o chefe de Estado apelou a um diálogo “para o cumprimento de uma cidadania plena e baseada num contrato social, feito de deveres e de direitos”.

Apesar dos apelos, a visita de Macron fica marcada por um boicote dos dois principais partidos pró-independência, a União Caledónia e a Frente de Libertação Nacional Kanak Socialista. O primeiro emitiu um comunicado em que, segundo a AFP, acusa o Presidente francês de ter “uma estratégia política de Estado colonial que se mantém muito distante da trajectória feita pelo movimento independentista com vista à plena soberania e à independência do país kanak”.

Os kanak são o povo autóctone da Nova Caledónia, que viu em 1998 ser-lhe reconhecida a sua “civilização própria, com as suas tradições, os seus dialectos, o seu costume na organização do campo social e político”. Um representante kanak, Victor Gogny, manifestou a Macron a esperança de que a visita “marque verdadeiramente o início de um processo de reconciliação e refundação”.

A deslocação do chefe de Estado francês e a vontade em definir rapidamente um estatuto novo para aquele território deve-se também à vontade de afirmar França naquela região do mundo, que é cada vez mais uma zona em que China e Estados Unidos disputam as respectivas capacidades de influência. “A França está no Indo-Pacífico”, disse Macron à TF1. “É a nossa influência que se joga aqui também.”

Entre a Polinésia Francesa, a ilha de Reunião e a Nova Caledónia há 1,6 milhões de cidadãos franceses, 8000 militares das Forças Armadas e 11 milhões de quilómetros quadrados de zonas económicas exclusivas.

No referendo à independência de 2020, o principal tema de campanha foi a China. Os partidários do “não” argumentavam que uma eventual separação do arquipélago da França deixaria a Nova Caledónia excessivamente dependente de Pequim, enquanto os partidários do “sim” contrapunham que, economicamente, isso podia nem ser assim tão mau.

Macron voltou nesta visita a esse tópico. “Se a independência é amanhã escolher ter aqui uma base chinesa, boa sorte. Isso não se chama independência”, disse o Presidente, que seria depois acusado pelos independentistas de “instrumentalizar” a Nova Caledónia para fins geopolíticos.

Depois da visita a este arquipélago, Emmanuel Macron segue para outro, o de Vanuatu, que obteve a independência de França em 1980. É o primeiro Presidente a visitar aquele território desde Charles de Gaulle, em 1966. O périplo termina na sexta-feira com uma deslocação à Papuásia-Nova Guiné.

Sugerir correcção
Comentar