Ilhas de calor urbano: ninguém está isolado

Se as casas já merecem tanta atenção na certificação energética, porque não iriam os municípios querer ter os bairros e cidades certificados na prevenção de vagas de calor?

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Megafone P3: Ilhas de calor urbano: ninguém está isolado Juanjo Menta/Pexels
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Vento que não sopra nas ruas, asfalto a amolecer ao sol, noites que não deixam dormir. Assim são as vagas de calor. Ligar o ar condicionado afasta o calor, mas não o esconde: nos interiores sobrevive-se, mas o ar quente é lançado à rua.

Se os últimos anos são os mais quentes desde que há registos, o que dizer das ilhas de calor urbano, onde se concentra população e o ar chega a ser dez graus mais quente do que as regiões à volta? O aquecimento global, assim exacerbado, já é um problema de saúde pública, de aumento da mortalidade em vagas de calor mais frequentes.

Enquanto prossegue a discussão sobre o impacto da acção humana no planeta, crescem as cidades, e onde antes a vegetação criava sombra, brilham chapas de metal ao sol, sobre um chão revestido de asfalto.

É então que as previsões do tempo e os termómetros podem enganar, como quem quem entra num carro ao sol e tem de esperar até conseguir tocar no volante. As ilhas de calor urbano não são perigosas apenas para quem está na rua: a mortalidade aumenta, principalmente entre a população mais vulnerável, mais idosa ou com doenças respiratórias. Se no ano passado foram 2212 as vítimas das ondas de calor em Portugal, até 2100, sem grandes mudanças, poderão ser mais de 85 mil.

Sem grandes mudanças, entenda-se, se a maneira de fazer cidade não mudar, porque o clima será diferente. Mas há pequenas mudanças de comportamento que poderão afastar cenários extremos no futuro.

O uso da cor pode ajudar: superfícies claras tendem a reflectir mais radiação solar, podendo ser escolhidas quando se pinta uma fachada. Mas o tratamento das ilhas de calor urbano é muito mais do que isso. Por exemplo, o metal aquece rapidamente ao sol, enquanto o betão retém a temperatura durante a noite, o que contribui para temperaturas mínimas tão elevadas nos centros urbanos.

Certamente, preparar as cidades para o calor passa pela escolha de materiais em função do comportamento térmico. Se as casas já merecem tanta atenção na certificação energética, porque não iriam os municípios querer ter os bairros e cidades certificados na prevenção de vagas de calor?

Certificar uma cidade pode salvar vidas, em vagas de calor que estão por vir. É também uma oportunidade para repensar o espaço público: mais sombras, com árvores e estruturas próprias; pavimentos mais frescos, espaços naturais, plantações comunitárias, coberturas verdes. A lista pode ser extensa, mesmo com intervenções temporárias de urbanismo táctico — provavelmente inevitável, se a evolução do clima continuar a surpreender a comunidade científica.

Mesmo com intervenções reduzidas, pode-se contemplar a escala da cidade e não apenas a de rua ou de bairro: tirar partido da estrutura ecológica, da água, do relevo, da exposição das encostas ou dos ventos dominantes. Trata-se de um trabalho colaborativo, onde a arquitectura e o urbanismo assumem o seu papel de mediação aplicando o conhecimento técnico e científico em cada lugar com a ajuda das comunidades locais.

Os recordes de temperatura mais recentes deixam pouco espaço para a apatia: no dia mais quente, naquele que também foi o mês mais quente desde que há registos, muitas cidades viram o espaço público tornar-se praticamente inabitável. Muitas outras colheram frutos do planeamento urbano. Mais do que qualidade de vida, poder caminhar na rua, na sombra das árvores, pode ser uma questão de sobrevivência.

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