O caminho da Índia para as energias renováveis passa por chás de rosa e jasmim
A Índia está a apostar em tecnologias de energia renovável descentralizada para atingir o objectivo nacional de energias limpas. Os pequenos negócios rurais são uma das chaves para este objectivo.
Na sua aldeia no norte da Índia, Shivraj Nishad espalha flores de jasmim e rosas sobre tabuleiros para secar pétalas utilizadas para fazer chá, como sempre fez. Mas agora tem uma ajuda extra: um secador alimentado a energia solar, sinal de uma revolução energética rural que desponta no país.
Shivraj Nishad, de 29 anos, regressou a casa há três para cultivar flores num terreno da família em Sheikhpur, junto ao rio Ganges, no estado de Uttar Pradesh, depois de se sentir frustrado com as longas horas de trabalho e de viagem como representante de uma empresa farmacêutica.
A sua microempresa deu o salto quando investiu as suas poupanças de 60 mil rupias (cerca de 660 euros) na compra de um secador solar, que inclui dois painéis solares que alimentam as ventoinhas quem sopram ar quente sobre milhares de flores, em lotes de 60 quilos de cada vez.
O secador coberto reduziu para metade o tempo tradicional de secagem ao ar livre, duplicando a produção de pétalas vendidas para fazer chá azul e outros chás florais. Isto permitiu a Nishad comprar a agricultores muito para além da sua parcela familiar de dois mil metros quadrados.
“O secador ajudou-me a estabelecer a confiança no meu negócio”, afirmou à Reuters, espalhando flores de ervilha azul e jasmim branco da Arábia, impregnando de perfume o ar quente da tarde.
A Índia está à procura de inovadores como Nishad para contribuírem, com cada um dos seus pequenos negócios, para o objectivo nacional de instalar 500 GW de energia a partir de fontes não fósseis até 2030. A transição energética faz parte dos objectivos mais amplos da ONU de acabar com a pobreza e combater as alterações climáticas.
A Índia, a nação mais populosa do mundo, tem registado um crescimento lento mas constante de negócios que não dependem da rede eléctrica, utilizando este tipo de secadores solares, câmaras frigoríficas alimentadas a biomassa ou máquinas solares de enrolar seda.
Mas os custos iniciais elevados, a dificuldade de chegar à tecnologia de energias limpas, a falta de acesso dos agricultores aos mercados e a informação inadequada para os novos empresários continuam a ser grandes obstáculos para esta transição.
Actualmente, Nishad vende entre 500 e mil quilos de flores por mês, no valor de até 400 mil rupias (cerca de 4385 euros), com lucros de cerca de 100 mil rupias (mais de mil euros por mês). A empresa também ajuda centenas de agricultores da região e gera pelo menos dez empregos locais durante todo o ano, metade dos quais para mulheres.
Dádivas da monção
O secador de Nishad é particularmente valioso durante o período de monção, quando as flores normalmente se desperdiçam. “O secador solar salvou-me nos meses de chuva”, afirmou à Reuters. Composto por tabuleiros colocados num suporte de metal, com uma cobertura de policarbonato e uma área total de cerca de cinco metros quadrados, o secador de Nishad consegue secar, por dia, o dobro de flores que conseguia com a secagem ao ar livre.
Um relatório lançado em Maio pelo ministro indiano das energias renováveis, R. K. Singh, identificou 12 tecnologias promissoras fora da rede eléctrica, incluindo bombas solares e secadores solares. Segundo o relatório, preparado pelo Conselho para a Energia, Ambiente e Água, estas tecnologias poderiam ajudar 37 milhões de pessoas na Índia.
No documento, a entidade descreve que as 12 tecnologias de “energia renovável descentralizada” (ERD) podem gerar um negócio de 50 mil milhões de dólares só para as empresas transformadoras.
Na altura, Singh disse que a Índia poderia em breve apresentar uma política específica para promover as tecnologias de ERD. Mas cerca de 90% dos agricultores indianos são pequenos agricultores, que ganham cerca de 10 mil rupias por mês (menos de 110 euros). À excepção de pequenos grupos de agricultores, os investimentos em energias renováveis são muitas vezes incomportáveis.
Fazendo parte desse grupo de excepção, o jovem Nishad criou um pequeno centro fora da aldeia, onde os agricultores das áreas vizinhas vêm vender as suas colheitas duas vezes - de manhã cedo e à noite. Estas flores frescas têm de ser desidratadas num prazo de 12 a 15 horas.
Embora o secador coberto garanta que as flores secas estão livres de contaminantes como poeiras ou excrementos de pássaros, a procura é tão elevada que também se recorre à secagem ao ar livre, o que se traduz em custos adicionais para limpar as flores secas ao ar livre antes de as embalar.
“Se estes secadores se tornarem mais acessíveis a todos os pequenos agricultores, a qualidade do seu produto aumentará, aumentando também os seus lucros”, afirmou o jovem empresário.
Armazéns frigoríficos
Noutros locais da Índia, os limões são outro dos produtos agrícolas que beneficiam do maior acesso a energias renováveis.
Os armazéns frigoríficos, alimentados a biomassa, podem prolongar o prazo de validade dos limões, permitindo aos agricultores vender quando os preços são mais elevados. “O armazém frigorífico está a ajudar todos os agricultores a não serem devastados todos os anos”, disse à Reuters Jalinder Raut, membro de uma Organização de Produtores Agrícolas (OPA) em Indapur, no estado de Maharashtra, no oeste da Índia.
A sua OPA construiu um armazém frigorífico com capacidade para 20 toneladas por cerca de 450 mil rupias (cerca de 4935 euros), com um subsídio de 50% do produtor e um empréstimo de três anos do banco cooperativo local. Em Dezembro, conta Raut, o preço de mercado dos limões caiu para três rupias por quilo, subindo depois para 115 rupias em Março. Ao esperar, explica o produtor, a OPF obteve um lucro de 320 mil rupias (cerca de 3500 euros).
E, acrescentou, a biomassa utilizada para gerar electricidade é mais barata e mais fiável do que a energia da rede local. “Os lucros que estamos a obter e as poupanças nos custos de funcionamento vão ajudar-nos a pagar rapidamente o empréstimo”, garante, esperançoso.
Crescer, crescer
Para a Índia, o desafio é expandir essas tecnologias dos actuais cerca de mil agricultores que as utilizam para 10 milhões de agricultores, explica Simmi Sareen, directora da Unitus Capital, uma empresa de investimento de impacto social e ambiental.
Para Sareen, o país precisa de promover formas de cobrir os elevados custos iniciais através da criação de modelos de aluguer, em vez de apenas com subsídios governamentais. Além disso, é necessária mais educação para os agricultores sobre as energias renováveis e sobre a forma de vender os seus produtos.
William Brent, director de marketing da Husk Power, uma empresa operadora de micro-redes que opera na Ásia e em África, explica ainda que as comunidades rurais precisam de electricidade mais fiável. Existe, explica, uma enorme oportunidade inexplorada de parceria entre as empresas públicas de distribuição de electricidade e os promotores de mini-redes do sector privado.
O agricultor de flores Shivraj Nishad, inspirado pelo reality show Shark Tank, quer criar uma marca de produtos alimentares liderada por agricultores e está à procura de terrenos para instalar uma unidade de transformação. “Só utilizarei aparelhos alimentados por energias renováveis”, garante.
Também sonha em expandir o seu negócio de flores para um secador com capacidade para 500 quilos, que custa cerca de 300 mil rupias (cerca de 3290 euros), cinco vezes o custo do seu actual secador de 60 quilos. “Com o rendimento que ganho, um secador de 500 quilos está fora do meu alcance”, explica Nishad, enquanto carrega um tabuleiro cheio de flores frescas de ervilha azul.