Numa área de 154 hectares no concelho de Tavira, maior do que a zona história da cidade de Faro (da rua Aboim Ascensão à doca são 100 hectares), projecta-se a construção de uma central solar fotovoltaica. A consulta pública do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projecto apresentado pela Iberdrola terminou nesta quinta-feira, com 753 participações. A contestação popular dura há cerca de dois anos, com o envolvimento maioritário da comunidade de estrangeiros residentes. O terreno, de origem calcária, situa-se em zona de infiltração máxima do aquífero Peral-Moncarapacho.
“A nossa grande preocupação é a água, que escasseia, e é o bem mais precioso que temos”, diz Rogério da Costa Lobo, morador no Cerro do Leiria (Tavira), o sítio para onde está previsto o empreendimento. O EIA não ignora a questão dos recursos hídricos, mas entende que a situação pode ser contornada. Como principais impactes cumulativos a ter em conta, refere “o efeito de exclusão e a mortalidade de aves”, cuja presença se alarga a 127 espécies, entre as quais a ameaçada águia-de-bonelli.
O vale, coberto de matos mediterrânicos e inserido na Reserva Ecológica Nacional (REN), vai transformar-se num imenso campo vidrado, formado por mais de 175 mil painéis solares. “Não consigo imaginar essa paisagem diante de mim”, diz Rogério, subindo a uma pedra para melhor descrever o ambiente em seu redor. “Vão destruir a biodiversidade e os recursos hídricos vão desaparecer”, enfatiza. A vizinha Amanda McGregor, inglesa, subscreve as preocupações. “Já quiseram explorar este território com pedreiras. O tribunal impediu, por se tratar de uma zona de REN. Agora, voltaram à carga.”
O investimento destina-se a injectar a energia ali produzida na subestação de Estói (Faro) através de linhas aéreas que percorrem uma extensão de 6,5 quilómetros. “É energia para exportar, não para os portugueses terem electricidade mais barata”, comenta Rogério, morador a cerca de 800 metros do local para onde está prevista a instalação da central. O projecto, refere o EIA, apresenta-se como “pioneiro na região do Algarve, uma vez que conta com o armazenamento de energia solar produzida em baterias”.
Sofia Palmeiro, dirigente da Associação Pró Barrocal Algarvio (Probaal), interroga: "Pioneiro? Sim, por estar relacionado com as baterias de lítio e todos os perigos que isso comporta.” No caso de incêndio, exemplifica, “não há equipamento para medir o nível de contaminação resultante da explosão das baterias”.
A empresa multinacional de produção de energia promete executar soluções técnicas que permitam “garantir a máxima eficiência da exploração e os menores impactes ambientais e económicos”. Na óptica dos moradores locais, isso traduz-se por “máximo rendimento, custos mínimos”. Sofia Palmeiro refere o facto de a empresa ter colocado no terreno vários agentes para comprar ou arrendar as parcelas abrangidas pelo projecto.
“Escolheram este sítio [Cerro do Leiria] porque o solo tem pouco valor comercial.” A riqueza ambiental, sublinha, foi desvalorizada. O estudo diz que, em termos de avifauna, existem 127 espécies, entre as quais 38 espécies de aves com estatuto de “conservação desfavorável”, com destaque para a águia-de-bonelli e outras aves de rapina e planadoras.
As zonas de impermeabilização, diz o EIA, “foram reduzidas ao estritamente necessário para a instalação de todas as infra-estruturas”. A área de implantação localiza-se na freguesia de Santa Catarina da Fonte do Bispo (Tavira), mas o corredor da linha eléctrica (aérea) para o transporte de energia abrange também os concelhos de Olhão, Faro e São Brás de Alportel. O estudo que esteve em avaliação pública não ignora que a Linha Eléctrica da Central Fotovoltaica de Estói “abrange diversas linhas de água”, mas defende que estas poderão ser “salvaguardadas” com obras de minimização e planos de monitorização dos recursos hídricos subterrâneos.
No que respeita à biodiversidade, os impactes são considerados de “magnitude moderada e pouco significativa”. Porém, o estudo preconiza que a obra deve “evitar a afectação” das azinheiras que ali que se encontram e três habitats de interesse comunitário situados na envolvente da obra. Além de contestar a dimensão do projecto, Sofia Palmeiro lembra que haveria alternativas de localização da central, mais para o interior, “igualmente com boa exposição solar, que não foram consideradas”.